‘Prioridade de Dilma deveria ser melhoria das cidades’, diz geógrafo

O Brasil está num ponto de virada. Dilma Rousseff terá que decidir se vai tentar uma acomodação com os mercados ou se buscará satisfazer as demandas da população.

A análise é o geógrafo britânico David Harvey, professor emérito de antropologia da Universidade da Cidade de Nova York (EUA), que prevê momentos difíceis pela frente em razão da crise mundial e da polarização no país.

Para enfrentar as adversidades, Harvey, 79, sugere que a presidente aprofunde a colaboração com os países latino-americanos e desenvolva projetos para melhorar a vida cotidiana da população.

Ele estará no Brasil em novembro para o lançamento de “Para Entender o Capital, livros 2 e 3”, que discute a obra de Karl Marx. A seguir, trechos da entrevista concedida por telefone, de Nova York, na segunda (27).

Folha – Qual sua visão do Brasil após as eleições?
David Harvey – Há um ponto de virada. Será interessante ver para onde Dilma vai virar. Ela pode procurar uma acomodação com a oposição e com os mercados, ou tentar satisfazer as demandas das pessoas que foram para as ruas e que desejam melhorias nos serviços públicos.

Os mercados reagiram negativamente à vitória de Dilma Rousseff. O que prever?
Bolsas de Valores sempre fazem coisas assim. O importante é ver a saída de capitais do país. Isso é que pode criar problemas. Os mercados caem, mas semanas depois estão novamente em alta. Fuga de capital é um problema mais sério. Se isso ocorrer, será preciso ver como Dilma responderia a essa situação.

Como ela deveria responder a essa pressão?
No curto prazo, acalmar os nervos do mercado. Mas ao mesmo tempo, o bem estar da população é fundamental. Ela deve usar o poder o Estado para desenvolver alternativas para a economia e os negócios e, assim, sustar uma eventual fuga de capitais.

Qual a importância da reeleição?
Estamos vivendo tempos difíceis na situação econômica do mundo, não só no Brasil. Geralmente, quando a economia não está indo muito bem, o partido de governo perde. Mas no Brasil isso não aconteceu. Foi uma eleição muito polarizada. Há tempos difíceis pela frente –por causa da economia e pela polarização de classes no país.

A polarização –que também ocorre nos EUA– não é inevitável numa sociedade tão desigual como a brasileira?
É preciso pensar em longo prazo. Quando a redemocratização chegou ao Brasil, foi feita uma aliança entre os governos democráticos e empreendedores e defensores da liberdade empresarial. Há uma tensão entre democracia e mercados. Penso que a sociedade brasileira hoje quer democracia, quer ser mais consultada sobre questões. Há muito descontentamento com a qualidade da vida urbana, com serviços públicos. De outro lado, o pessoal de mercado está preocupado com a acumulação de capital, em construir cidades que sejam mais lucrativas para uma parte da população.

A presidente foi reeleita e, ao mesmo tempo, houve a eleição de um Congresso mais conservador. Como analisar esse quadro?
É diferente o processo de eleição para os parlamentos e para a Presidência, onde são testados carisma, organização. Não me surpreende que os resultados tenham sido divididos.

Da uma perspectiva internacional, qual a importância da vitória de Dilma?
O capitalismo global não está indo muito bem. A Europa e Japão têm basicamente crescimento zero. EUA estão tentando fazer algo. O único lugar que realmente está se expandindo é a China, mas a taxa de crescimento está declinante. O que significa que países conectados com o comércio com a China, como o Brasil, Austrália, estão numa situação de quase estagnação. Vai ser extremamente duro superar a situação de estagnação de longo prazo da economia mundial.

Teremos muita sorte se o crescimento mundial for de 2%; em muitas partes ele será zero. Devemos ficar nessa situação por anos. A questão é saber como os diferentes países vão responder a isso.

Há países que inovaram e lidaram com essa estagnação de uma forma positiva para a população. É significativo o que está acontecendo na América Latina com a reeleição de Evo Morales, na Bolívia, e com Dilma, no Brasil. Há iniciativas que podem ser tomadas de uma perspectiva de centro-esquerda.

Apesar de a economia global estar deprimida, classes afluentes estão indo bem. Os bilionários estão fazendo muito dinheiro. O 1% [mais rico] está muito bem, mas a situação não é boa para o resto da população. A questão é como reformas políticas podem enfrentar essa situação. O significativo da reeleição é que Dilma poderá apresentar um pacote de reformas políticas e estratégias econômicas.

Por exemplo, o que ela deveria fazer?
Uma das fontes de descontentamento do mundo inteiro é a falta de qualidade da vida cotidiana nas cidades: transporte, educação, saúde, casas decentes. Eu digo: faça um projeto urbano de desenvolvimento, que não tem nada a ver com megaprojetos, estádios. Melhore a vida cotidiana da massa da população.

Em relação a governos anteriores, Dilma teve uma relação mais distante em relação aos EUA. Qual deve ser a real reação americana à reeleição?
Nos últimos dez ou 15 anos, a tendência geral na América Latina é de tomar distância, de ter um maior grau de autonomia em relação aos EUA. Algumas vezes, isso aconteceu de forma mais estridente, como com Chávez. Em outras, de uma forma mais calma, como no caso do Brasil. Mas, de todo modo, a América Latina está construindo mais autonomia.

Acho que poderia até atuar mais como um bloco regional, promovendo mais acordos e alianças entre os governos latino-americanos. Isso poderia ser mais forte do que vem sendo. As reformas de centro-esquerda foram muito significativas. Reduziram da pobreza no Brasil, no Equador, na Bolívia, e o desenvolvimento espalhou benefícios para o resto da população. Se essa tendência vai continuar depende das dificuldades econômicas que serão confrontadas nos próximos anos. A América Latina em geral é um exemplo de continente que está seguindo um tipo diferente de estratégia econômica, diferente daquela que geralmente favorece as finanças internacionais.

Mas o crescimento é baixo e o ciclo de altos preços das commodities acabou. O que fazer? Qual a margem de manobra para superar essa situação?
Por causa do crescimento menor na China, os preços das commodities tendem a baixar, a demanda é declinante. Será mais fácil fazer algo se todos os países latino-americanos trabalhassem juntos e de forma mais coerente do que ocorre hoje.

Poderia haver mais colaboração e cooperação efetivas. Por exemplo, Brasil e Argentina: há ainda muito nacionalismo e competição, mas pouca colaboração e cooperação. Colaboração e cooperação podem ser muito importantes para que a América Latina enfrente, em grande escala, os problemas colocados pela economia global.

Um ponto fundamental na disputa política brasileira é o pré-sal. Como o país deve lidar com essa reserva?

É crucial para qualquer país manejar seus recursos. Assegurar que não haja excesso de extração, investir no desenvolvimento, ou seja, não depender da extração para sobreviver. A Noruega fez muito bem.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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