Manuel Castells: “Saíram das ruas e estão nas redes”

Manuel Castells

Em termos tecnológicos, econômicos e culturais, começamos faz tempo uma nova era. Agora iniciamos uma nova era em termos políticos e institucionais. O que sabemos é que não será como antes. As instituições atuais não têm legitimidade, e isso, nas sociedades democráticas, não pode durar muito tempo. De fato, não está durando. As instituições serão, por um lado, cada vez mais supranacionais, como a União Europeia (UE), mas, por outro lado, as identidades, em sua maioria, serão cada vez mais locais, específicas, nacionais ou religiosas, ou étnicas. E aqui há uma contradição fundamental: há uma sociedade global, uma economia global conectada em rede, mas ao mesmo tempo as pessoas, diante dessa mudança vertiginosa do que eram as coordenadas da vida, refugiam-se em suas identidades e, em meio a isso, as instituições precisam relacionar-se cada vez mais. Os Estados europeus não podem funcionar por sua conta sem a União Europeia, mas para fazer isso se distanciam de seus cidadãos. Se não se estabelecem mecanismos de participação, controle, representação etc, então a europeização, que é a forma de globalização na Europa, se converterá em uma ameaça para o que as pessoas pensam sobre sua própria vida. Eles veem-se sem controle.
    
Sim, uma contradição e como não pode durar muito tempo, estamos assistindo à formação de novos atores políticos, de novas redes institucionais e de novas crises, porque ninguém diz que tudo acaba com a consolidação de uma União Europeia mais democrática e participativa. Pode-se romper. Pode-se romper por identidades nacionais fracionadas que não aceitam a soberania compartilhada porque essa cossoberania nunca é igual, porque alguns poderes são maiores que outros.  E além disso estão as identidades subnacionais, como ocorre na Catalunha ou na Escócia. Na Escócia o referendo pró-independência não venceu, mas a política escocesa se transformou e há tensões muito fortes com a Inglaterra.
   
Se o referendo fosse hoje, a Europa perderia. Mas se a hegemonia alemã sobre a UE se acentuar, ela não será aceita nem no Reino Unido, nem na França. E Marine Le Pen está empatada em primeiro lugar, na disputa pelas eleições presidenciais. Em seu programa, consta sair da UE ou renegociar tudo, e não aceitar a hegemonia da Alemanha. Além disso, ela faz alianças para criar uma frente anti-europeia dentro da Europa. Estariam nela a França e o Reino Unido, marginalizados ou com muito pouca relação institucional com a UE, onde a Alemanha tem seus súditos. Isso não seria sustentável. Portanto, creio que esse tema da não legitimidade das instituições que foram criadas nas últimas décadas é o que vai marcar a mudança nos próximos anos, mais que a tecnologia, porque o corte tecnológico já se produziu.
    
Uma coisa importante na Europa é que há dois processos de mudança: um deriva dos movimentos sociais e para isso aposta em novos atores, e outro deriva de posições nacionalistas, xenófobas e defensivas contra a globalização, contra o estrangeiro e em defesa da nação. Hoje na Europa essas posições são majoritárias. A Europa do norte é diferente da Europa do sul, a Europa se apartou cultural e politicamente entre o norte e o sul, e a França se encontra no meio por razões de história e cultura política.
 
(Revolução nas urnas e nas ruas?) Sim, mas ao mesmo tempo lembremos que, primeiro, eles saíram das ruas e, segundo, estão nas redes. As urnas são a consequência disso. Saíram às ruas, estão nas redes e constituíram movimentos sociais que criaram pressão sobre a opinião pública. Uma mudança política tornou-se possível como consequência de uma mudança de mentalidade ligada aos movimentos sociais. Essa mudança logo vai se expressar de alguma forma. Como os partidos tradicionais não aparecem, aos olhos de muitos cidadãos, como canais possíveis para essa mudança, buscam-se outras opções. Além disso, também ocorrem mudanças nos próprios partidos tradicionais, porque algo está mudando: primárias, medidas anticorrupção… Note-se bem: a busca de novas opções ocorre, ainda, dentro de marcos que não funcionam legal e constitucionalmente.

Sempre defendi a ideia de que as mídias não são expressão do poder, mas o espaço onde se joga o poder, que não é um espaço neutro. O que mudou é que além dos meios de massa surgiram as redes, onde também se joga o poder. O espaço da comunicação é o espaço onde se joga o poder porque é através do qual se constroem e difundem as ideias. As mídias são essenciais, além das redes, porque atualmente, para uma parte substancial da população a partir dos cinquenta anos, os meios importantes são a televisão e o rádio, um pouco menos os jornais diários. O exemplo do Podemos foi chave porque a intervenção de uma pessoa — mas uma pessoa que teve um discurso articulado e a capacidade de comunicá-lo — satisfez uma demanda social que se viu refletida naquilo que pensava.

Fonte: Ex-Blog de Cesar Maia – Foto: The Guardian 

Manuel Castells Oliván é um sociólogo espanhol. Entre 1967 e 1979 lecionou na Universidade de Paris, primeiro no campus de Nanterre e, em 1970, na “École des Hautes Études en Sciences Sociales”.

Wikipédia

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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