IV. – Quando a feira era do Pau e a Primeira Igreja era Batista – 1980-1981: algumas notas – José Jorge Andrade Damasceno

I- Logo após a realização da feira, no seu dia mais efervescente, chegava à tarde do sábado e o trabalho de desmonte das barracas e de limpeza do local resultava grande. Um bom número de servidores da prefeitura era mobilizado a partir das duas, pouco mais ou menos; também se mobilizavam aqueles que só teriam alimentos, caso pudessem retirar as frutas, verduras e legumes que eram descartados. Há que se imaginar quão volumoso fora aquele material recolhido por aqueles que não os pudera comprar; quantos não foram aqueles que só puderam alimentar/ser alimentado, mediante o trabalho de recolhimento daqueles produtos que não puderam ser vendidos em razão do rebaixe de qualidade?

Por outro lado e no rastro do desenvolvimento da feira em sua realização fora dos parâmetros convencionais, uma parte de comerciantes e fregueses se dirigia até as tabernas para a bebedeira que se faria longa, varando a noite e a madrugada, algumas vezes entrando pelo domingo. As casas de “facilidades” também contribuíam com a sua parte naquele espaço de sociabilidade, proporcionando aos frequentadores, os momentos de desaceleração das tensões vividas no mourejar entre mercadores e mercadorias, entre compras e vendas de produtos, apurando as entradas e as saídas, contando os resultados… As tardes, noites e madrugadas eram intensamente desfrutadas em danças, cantos, bebedeiras, brigas, intrigas, refregas… o que permitia a circulação de outras mercadorias que não aquelas destinadas ao consumo das casas.

IV.1 – Nas manhãs de domingo, o espaço ocupado por uma parte da feira, era transitado pelos crentes que se dirigiam à sua Igreja, para lá tomar parte das atividades relacionadas ao culto: escola bíblica dominical; cantos e declamações; o sermão dominical, regularmente proferido pelo seu pastor, momento áureo daquelas celebrações. E, os cheiros da feira passada, ainda se podia sentir, nas frescas manhãs em que este escrevedor se dirigia àquele espaço de culto. Mesmo tendo sido lavada na tarde anterior, a feira mantinha quase intacto o seu cheiro característico de vegetais abandonados ao processo de putrefação, mas ainda não tendo chegado àquele estado. Para lá convergiam os irmãos, em geral de ônibus ou a pé – os carros eram poucos: o Dodge Polara do pastor Jamim, a variante do irmão Cassemiro, a Brasília do pastor Jessé, eram os automóveis (talvez mais alguns poucos) -, saídos dos mais diversos espaços de sua habitação.

IV.2 – Aqui se poderia lembrar de alguns irmãos do Barreiro, como por exemplo o irmão Zuca –José Marcelino  com o seu vozerio e gargalhar característico -e a sua esposa, a irmã Clementina; Durval Leite – que no meio da semana rumava para os cultos nas residências com a sua inconfundível lâmpada – e sua esposa, irmã  Ana Leite; Ana Pereira e seus filhos Pedro e Luciano; Cassemiro e Isauri com as filhas Zuleide e Zulene; Maria da Paz e filhas; Áurea e filhas deixavam suas casas no Silva Jardim; Astrogildo e Antônia, por sua vez, saíam da praça Santa Isabel; Dilza Augusto e sua filha Janete Rose, saíam da Urbes I; irmã Madalena Leite – com quem este garatujador mantinha longas e agradáveis conversas nas frescas tardes do 2 de julho -, as irmãs Inês e a filha Analice, Miriam e alguns dos filhos, Gracinha, Dinha e filhos, o casal Paulo e Ivone e, este escrevedor, entre muitos outros irmãos, cuja citação nominal não é possível neste espaço, todos tomavam os ônibus que partiam dos seus bairros e se dirigiam até o terminal, para dali igualmente se deslocar ao local onde se reuniriam para adorar ao Deus Eterno, aprender na Escola Bíblica Dominical e serem edificados pela mensagem matinal, encontrada no sermão proferido pelo pastor.

IV.3 – Já se vão distantes os dias em que se ouvia hinos cantados a capela – como “junto a Jesus, a minha estrada esplende, meu cálice se extravasa de prazer[…] Junto a Jesus o fardo faz-se leve, e o meu dever, deleita-me e seduz[…] Se perto está,”, se tenho junto a mim, Jesus, os meus anseios todos satisfaz; se perto estás, me inunda o coração de paz: num paraíso estou se perto está Jesus […] cantado pela professora Maria Rita Borges (https://youtu.be/lP-EKd8zaws) -; o sereno e tranquilo diácono José Santana, também fazia o seu “solo” com voz firme e afinada, a despeito dos longos dias já percorridos na sua existência – “[…], eis a mensagem que ele deu; os anjos cantam lá no céu… reconciliai-vos já, é a ordem que ele deu […] reconciliai-vos já, com Deus” (cantor cristão) -, além da voz bonita e forte da irmã Isauri, também presente entre os “solistas” dos cultos daqueles já longínquos momentos aqui lembrados; ou acompanhados por violão/guitarra sob o protagonismo do então jovem irmão Edmilson e os hinos congregacionais acompanhados pelo velho harmônio executado pelo irmão Cassemiro e, mais tarde, pelo novíssimo e moderno órgão elétrico, executado pelas musicistas Débora e Edileusa; as declamações de poesias de Mirtes Martins, quase sempre na voz de Zuleide; o conjunto “Som Celeste”, fazia harmônicas apresentações, sob a regência da irmã Edileusa; entre tantas lembranças daqueles já distantes tempos, que ainda assomam os sentidos.

IV.4 – Era naquelas tardes de fim de feira, que a Primeira Igreja buscava semear aquilo que era parte inerente à sua razão de ser: o Evangelho. Naquelas incursões, fazia-se o trabalho de levar o conhecimento da “fé que salva”, para aquela gente que labutava naquele ir e vir de dias, pessoas, mercadorias, tensões, alegrias, tristezas, buscando constituir-se em uma alternativa àqueles que já não mais se quisessem manter vivendo da forma que viviam, pensando da forma que pensavam, agindo da forma que agiam.

Foi assim que, em uma daquelas tardes em que feirantes e fregueses se dispunham a voltar para as suas casas ou dirigirem-se aos espaços de refúgio ali próximos, a Primeira Igreja, sob a liderança do seu então pastor – Jesé Da Silva In Memoriam -, promoveu um culto ao ar livre, com o fito de levar alguns dos rudimentos do Evangelho salvífico aos ouvidos daqueles que se dispusessem a ouvir. Vários membros daquela instituição Batista ali se reuniram: leram a Bíblia, distribuíram folhetos, falaram diretamente aos transeuntes naquele entorno, cantaram hinetos de fácil compreensão e memorização, bem como alguns hinos tradicionais, talvez até já ouvidos por alguns dos assistentes daquele culto quase improvisado. Requisitado pelo seu pastor, este escrevedor tomou parte daquela atividade evangelística e, em tarde quase crepuscular, fez lá o que acreditava saber fazer: cantou. Mas, na sua inexperiência juvenil, cantou um hino que acreditava seria de grande impacto para aquela gente. No entanto, hino grande, com letra forte, porém inacessível à compreensão de grande parte do público que ali se acotovelara, mormente movidos pela curiosidade do inusitado acontecimento que ali se dava. O hino cantado tinha um título bonito e convidativo, “Eterno Lar” – https://www.youtube.com/watch?v=JuV2iKE5gKk -, que o solista usou o seu próprio violão como acompanhamento, o que talvez tenha trazido ainda mais dificuldade, uma vez que precisava estar atento ao texto da letra e aos jogos de notas musicais que teria de executar simultaneamente à interpretação vocal.

Como se disse, letra precisa, teologicamente sustentável, mas com pouca clareza – embora dura e direta – para os que nunca houvera tido contato com aquele tipo de prédica. Não é possível saber se daquele evento houve algum fruto imediato ou mediato. No entanto, o trabalho foi feito e a semente foi lançada, conforme o propósito do evento.

José Jorge Andrade Damasceno – Professor Titular na Universidade  do Estado da Bahia (UNEB), no Colegiado de História do Departamento de Educação – Campus II, Alagoinhas.

E-mail: historiadorbaiano@gmail.com

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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