XII. – Idos de 1991 – trinta anos de um estágio que não terminou – José Jorge Andrade Damasceno

Era uma segunda feira e, logo cedo, este escrevedor se dirigiu ao centro da cidade, com o intuito de comprar material de apoio para o seu estágio supervisionado, como cumprimento da última etapa para a conclusão do curso de Licenciatura em História, que já se arrastava à longos cinco anos.

Ao entrar em uma das papelarias, iniciara o seu atendimento uma jovem que comentava um fato que iria marcar a sua memória: dizia a vendedora, que ouvira falar de um acidente que interrompia a vida e a carreira de Gonzaguinha, um dos marcos musicais de uma juventude ainda interessada em boas canções.

Aquela informação fora impactante demais para ser esquecida. Sempre que este escrevedor é remetido àquele momento de sua vida acadêmica, relaciona imediatamente estes dois elementos, a partir dos quais desenvolve o seu rememorar do tão esperado quanto temido dia em que enfrentaria pela primeira vez uma turma de verdade: o estágio.

De posse do material com o qual confeccionaria alguns elementos de apoio às suas aulas, como mapas e quadros esquemáticos, o estagiário voltou para casa em busca do seu inseparável receptor de rádio, a fim de confirmar o que ouvira na loja. Era verdade: Gonzaguinha fora vítima de acidente automobilístico que lhe fora fatal.

É verdade que aquele estagiário pouco conhecia da obra de Gonzaguinha, salvo algumas clássicas e uma antológica que cantava juntamente com o seu pai adotivo, o velho “rei do baião”, aliás, falecido quase dois anos antes. Era “Vida de viajante”, cujo link segue abaixo.

Mas, o que talvez lhe tenha chamado a atenção, fôra as circunstâncias trágicas daquela morte, em idade tão precoce – Gonzaguinha contava 45 anos (setembro de 1945, abril de 1991) -, bem como a aludida proximidade da morte do quase octogenário Luís Gonzaga.

Mas, voltando ao estágio, dali há alguns dias, depois de ter contado com alguns mapas pertencentes à biblioteca da FFPa e, de contar com o inestimável apoio de Marcos, que com a sua grande habilidade serigráfica, interpretou em quadros esquemáticos as confusas ideias do atemorizado estagiário, tem início as aulas em uma turma do primeiro ano de desenho arquitetônico, aliás, turma cuidadosamente escolhida, no matutino do Centro Integrado Luiz Navarro de Brito – o bem conhecido Estadual -, onde aquele estagiário estudara grande parte de sua vida, espaço que lhe era muitíssimo bem conhecido, o que facilitaria o seu ir e vir, no período que o estágio duraria.

Depois de breve apresentação feita pela professora responsável pela turma, com algum receio, começou enfim aquela atividade que fôra o teste de fogo para este escrevente, visto que, àquela altura, prestes a concluir a Licenciatura em História, jamais entrara em uma sala de aula, para o exercício docente, o que para os demais colegas, inclusive os de semestres menos avançados, era lugar comum.

Um episódio que marcou aquela experiência, foi preconizado por um aluno que o procurara em sua carteira de professor, com o objetivo de dirimir uma dúvida que o assaltara. Perguntou o aluno ao estagiário: “professor, o que é estauto”?

Tendo ouvido o questionamento, percorreu lhe um calafrio, pois a dúvida do aluno estava relacionada a um texto que fora dactilografada pelas funcionárias da “mecanografia” da FFPA, famosas pelos seus erros de datilografia, desde os primeiros semestres cursados pela primeira turma, que ingressara em 1986.

Recobrado do susto, tendo procurado manter a calma, o estagiário pergunta: “meu filho, onde você leu isto”?

– Aqui, professor, no texto: “estauto político da colônia”.

Sem ter qualquer possibilidade de conferir o modo como estava escrito no texto, pediu-se ao aluno que lesse todo o trecho em que ele encontrara a dúvida. Ele foi até a sua carteira, pegou o texto e voltou para ler:

– “Estauto político …ôh, é estatuto, professor…”

Ufa! Que alívio; não fora a dactilógrafa quem errara, fora o aluno que lera mal!

Tratava-se de uma obra clássica de Caio Prado Júnior, intitulada “Evolução política do Brasil”, de onde se retirou o capítulo “O sentido da colonização”.

Exceto este incidente indicativo da má formação escolar do aluno, todo o estágio transcorreu com alguma normalidade, tendo até alguns momentos de empatia entre estagiário e alunos.

No entanto, logo após a primeira avaliação feita para aferir o que fora aprendido pela turma e, claro, o êxito do aprendiz de professor em sua tarefa de “ensinar”, eclodiu uma greve de professores, que, ao terminar, inviabilizou a conclusão do estágio, deixando um certo gosto de frustração, visto que o teste a que era submetido o estagiário, não foi levado até ao seu final.

José Jorge Andrade Damasceno – Professor Titular na Universidade  do Estado da Bahia (UNEB), no Colegiado de História do Departamento de Educação – Campus II, Alagoinhas.

E-mail: historiadorbaiano@gmail.com

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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