Voltando a falar do Rádio – I – José Jorge Andrade Damasceno

Neste espaço do Alagoinhas Hoje, há algumas semanas atrás, “o rádio como escola” foi tema de várias reflexões, desde a ideia de um meio de comunicação a partir do qual se pudesse levar cultura, informação e até mesmo formação a um público maior, mais disperso e diverso em sua espacialidade e/ou condição social; passando pelo ideal de “alfabetização nacional”, aproveitando-se a grande capacidade de propagação que possuía o rádio, à medida que ia sendo melhorado sob o ponto de vista da técnica – ensejando maior alcance de suas transmissões -, bem como do ponto de vista da programação, avançando do mero entretenimento para a prestação de serviço, o jornalismo  e, claro, a “educação e cultura”.

Chegou-se a concluir que de fato o Rádio fora sim, uma escola, mas que já não mais o era, na medida em que sua qualidade geral houvera caído vertiginosamente, assim como a qualidade daqueles que assumiam as tarefas fundamentais para o seu funcionamento não estavam mais a contento, na medida em que o trato com o vernáculo, o cuidado com a produção de conteúdo e com a sua difusão, já não mais têm sido observados, posto que o rádio, em quase sua totalidade, foi transformado em instrumento de uso político, na mais rasa acepção do termo.

Portanto, entende-se que o rádio que se faz hoje em dia não parece fazer parte das preocupações das autoridades responsáveis pelo seu funcionamento. Ele precisa dividir espaço, verbas publicitárias e os interesses da sociedade com outras mídias modernas, embora ainda possua a versatilidade, alcance, instantaneidade e, sobretudo, credibilidade do seu público. Talvez se possa afirmar aqui, que sejam estas as qualidades que o ainda mantêm vivo. Vilipendiado em sua qualidade e desacreditado em sua força de persuasão, ele insiste em resistir ao tempo e procura sobrepor-se ao rolo compressor que teima em esmagá-lo.

Volta-se entretanto a pensar no rádio e a refletir sobre sua importância e sobre o seu papel social, na medida em que se verifica aquilo que  se construiu no transcurso dos quase cem anos de radiodifusão no Brasil, por meio de histórias e memórias relacionadas aos indivíduos, idéias e estruturas que permearam o rádio, desde a chamada “Era de Ouro”, notadamente os tempos de sucesso absoluto da Rádio Nacional do Rio de Janeiro, até os tempos hodiernos, quando o rádio se desprende dos limites das ondas hertzianas e expande sua difusão muito além dos espaços abarcados pela captação dos aparelhos convencionais, podendo ser ouvido por telemóveis e outros artefatos eletrônicos, através da rede mundial de computadores, sem quaisquer outros limites, que não aqueles relacionados ao poder de posse de tais artefatos e/ou de acesso as tais redes modernas de difusão.

Por isto se quer voltar a falar do rádio, a partir de dois dos seus momentos mais emblemáticos. O primeiro é aquele em que o rádio perde a primazia de produzir e difundir o entretenimento, por meio do qual oferecia ao público ouvinte, a diversão, a  descontração, o lazer e um certo bem-estar, visto que a televisão pouco a pouco passa a ocupar estes espaços, a partir de sua chegada na década de 1950, inclusive formando grande parte de seu corpo de profissionais, levando para a sua formação pessoas e experiências construídas no rádio da chamada “Era de Ouro”.

Isto leva o rádio a mergulhar em uma profunda crise, na medida em que teria de encontrar alternativas que lhe permitissem a sobrevivência, tanto no que dizia respeito à captação de verbas publicitárias, quanto no que respeitava à sua manutenção enquanto veículo capaz de prosseguir vivo e importando para um determinado segmento social.

Naquele momento, quando a televisão ainda era um veículo caro e de alcance limitado, era preciso se (re) construir, partindo em busca daqueles que não poderiam migrar para o novo veículo. A década de 1960 pode ser tomada como basilar para o processo de reafirmação do rádio como meio a partir do qual a sociedade poderia ser retratada e analisada, mediante o seu concurso enquanto veículo que contava com a força daqueles indivíduos que marcariam a história do rádio  como aqueles que por seu empenho e perspicácia, promoveram uma reformulação interna que foi capaz de manter o rádio em condições de competitividade, aproveitando-se do seu alcance  alargado e sua capacidade de chamar para si a tenção dos seus ouvintes.

O segundo momento que se deseja abordar ao voltar a falar do rádio, poderia ser situado entre os meados dos anos 1990 e 2010, quando outra vez o veículo enfrenta uma das suas crises mais graves e profundas, na medida em que é tragado pela mediocridade, tanto de sua programação, passando pela locução frágil e de qualidade discutível, ensejada pela nova cara que se tenta impor ao veículo, a partir de “gestores” incapazes de o compreender na sua natureza intrínseca, descaracterizando-o em seus mais elementares fundamentos: o caráter local e regional do rádio.

A grande dificuldade enfrentada pelo rádio neste segundo momento que aqui se pretende discorrer, diz respeito ao caráter de uma crise que, ao contrário de outras enfrentadas ao longo de sua existência, tratou-se de uma crise desencadeada nas suas próprias entranhas, na medida em que o seu enfraquecimento intestino, fez com que faltassem as forças de resistência e superação. O Rádio entra em crise, não por outro motivo que não as suas próprias contradições, na medida em que se vê confrontado com um segmento do próprio rádio,inicialmente a difusão em FM, que a partir dos anos de 1975 ganha vida própria, estabelecendo sua programação musical, baseada em melhores condições técnicas e de qualidade de difusão e recepção, dividindo o rádio em Amplitude Modulada (AM) e Freqüência Modulada (FM), fazendo com que as rádios AM precisassem outra vez se (re)inventar, perdendo pouco a pouco o espaço destinado a música, visto que a recepção das FMs era qualitativamente muito mais favorável para a apreciação de sonoridade melódica.

Em seguida, veio o enfrentamento com a televisão, agora mais robusta e com um alcance bem mais próximo do seu, o que o tentou a buscar imitar-lhe o comportamento, a programação, a difusão em rede, o que redundou em um enorme fracasso e em uma queda abrupta e constante na qualidade dos serviços prestados e dos conteúdos levados ao público. Ainda assim, o rádio manteve-se como sendo o veículo de maior credibilidade dos brasileiros, dentre outros motivos, pode ser destacada a sua versatilidade e a sua instantaneidade em relação aos demais veículos, sem falar que ganhava terreno em relação a programação televisiva, pelo fato de poder ser ouvido sem que o motorista, a dona de casa ou o porteiro do prédio tivesse de deixar de executar as suas tarefas, o que evidentemente não poderia se dar com a televisão ou mesmo o jornal, reforçando assim a empatia entre o rádio e o público para o qual direciona a sua programação.

Portanto, nos arrazoados seguintes, pretende-se abordar estes dois momentos vividos pela radiodifusão, tomando em conta as narrativas de sujeitos que fizeram e ouviram rádio e que deixaram relatos de suas experiências, bem como considerando-se a experiência deste escrevente enquanto ouvinte regular de rádio por um bom tempo de sua existência, extraindo de tais audiências uma boa parte dos elementos constitutivos de sua formação cultural.

 

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social (Universidade Federal Fluminense) e professor da UNEB (campus Alagoinhas)

 

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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