Quando se remexe o lixão bolsonarista, vê-se o tamanho do golpismo – Vinicius Torres Freire


Basta remexer a superfície do lixão bolsonarista para se encontrar um cadáver fresco do golpismo. Como várias ofensivas do golpe eram ou ainda são planejadas e implementadas por gente miúda reles e lunática, pode ficar a impressão de que muito dessas iniciativas era mambembe e de ineficácia ridícula.

Essas mesmas palavras poderiam descrever o projeto de Jair Bolsonaro de se tornar presidente, lançado de modo explícito em comício de 2014 na escola de oficiais do Exército. Meros três anos depois, no final de 2017, o defensor da ditadura militar, da tortura, de genocídios, da guerra civil e apregoador do estupro estava normalizado, aceito por elites econômicas e políticas.

É verdade que muitos golpistas, vândalos e terroristas, em geral menores, estão sendo investigados e processados. A carreira de crimes de Bolsonaro, antes e depois de eleito presidente, pôde prosseguir sem sobressaltos. No entanto, tudo se passa como se o país pudesse “seguir em frente”.

Não pode, se não houver um processo maior. Há o risco de se acreditar que punições pontuais, no grosso para gente pequena, possam dar conta de conter uma ofensiva golpista que era ou é muito ampla, com financiadores, apoiadores e articuladores graúdos, no mundo político, militar, empresarial e religioso. É bem possível que se condenem até mil bagrinhos e se arrume um acordão para algumas dúzias de tubarões do bolsonarismo.

O bolsonarismo é essa mistura de rachadinha com ditadura, de seita lunática com propaganda experta em tecnologia, de vaquinha para marmitas com o dinheiro grosso ou apoio de gente de “institutos liberais”. O golpe faz parte do cotidiano muita vez aloprado dos lambaris ditatoriais e dos políticos graúdos do bolsonarismo. É micro e macro.

O mais recente exemplo do micro-macro da rotina golpista de Bolsonaro foi a denúncia perturbada desse senador Marcos do Val (Podemos-ES). No mínimo, parece ter havido uma reunião em que Bolsonaro e do Val ouviram o criminoso ex-deputado Daniel Silveira descrever seu plano de anular a eleição. Seria uma tentativa de replicar um Joesley Day (quando Joesley Batista grampeou Michel Temer). Queriam um Xandão Day, uma tentativa de “provar” a parcialidade de Alexandre de Moraes.

O plano parece de delinquência pueril, lunática, vingança de um bandido menor, no entanto recebido e ouvido por Bolsonaro. É o bolsonarismo: dedicação do tempo ocioso a conspirações, reais ou imaginárias, alucinadas, golpista ou com objetivo de livrar os Bolsonaro da cadeia, envolvendo ralés de todas as classes.

Relembre-se que essa gente, no entanto, desde 12 de dezembro, dia da diplomação de Lula, foi capaz de um quebra-quebra diante da Polícia Federal, de planejar um atentado terrorista contra o aeroporto de Brasília, de atacar as sedes dos três Poderes, de tentar bloquear a distribuição de combustível, de derrubar torres de transmissão de eletricidade, de elaborar “minutas” de golpe.

Contaram com a colaboração, no mínimo, do Exército para abrigar, em suas calçadas, as milícias da intentona do 8 de Janeiro e com a propaganda de empresários, líderes religiosos e de parlamentares, vários deles ainda em campanha para atacar o Supremo, como se viu na eleição para o comando do Senado.

Os planos não deram certo. Mas foram um ensaio geral, com incitação de massas revolucionárias lunáticas, organizada e financiada também pelo poder federal, pela então Presidência de Bolsonaro. Sem um arrastão jurídico que pegue de lambaris a tubarões, corre-se o risco de se aceitar que a malta golpista faça parte definitiva da paisagem política brasileira.

Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).


Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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