Os impactos das federações partidárias sobre as candidaturas proporcionais e regionais – Gabriela Shizue Soares de Araujo

A partir da promulgação da Lei nº 14.208, de 28 de setembro de 2021, foi criada a federação de partidos no Brasil, instituto que permite que dois ou mais partidos políticos reúnam-se, sob a forma de associação, em âmbito nacional, adquirindo personalidade jurídica e a partir daí passando a agir conjuntamente como se fossem uma única agremiação partidária.

Contudo, importa destacar que, muito embora existam algumas similitudes, não há como se confundir as federações partidárias com as coligações.

Se as coligações representam uma aliança provisória e de conveniência apenas para um determinado período eleitoral, as federações, pelo contrário, exigem que os partidos permaneçam unidos pelo menos por 4 (quatro) anos, o que significa que também agirão em conjunto no período pós-eleitoral, com impactos diretos no funcionamento parlamentar e nas regras que exigem fidelidade partidária.

Mesmo assegurada a preservação da identidade e da autonomia dos partidos integrantes de federação, os seus membros deverão também seguir as diretrizes previstas no programa comum à federação, especialmente aqueles que venham a ser eleitos para o Poder Legislativo, onde deverão agir em bloco com os partidos federados.

Em material informativo constante no site do Tribunal Superior Eleitoral, as orientações são de que as federações deverão prever em seu estatuto próprio as regras sobre fidelidade partidária e sanções a parlamentares que não cumprirem orientação de votação. Ademais, as federações de partidos terão uma bancada própria, com lideranças formadas a partir do que está previsto em seus respectivos estatutos e nos regimentos das Casas Legislativas, inclusive na formação das comissões legislativas.

Os partidos não são proibidos de se desligarem das federações antes do prazo, porém, as sanções são pesadas. A saída de um partido da federação antes do prazo mínimo de 4 (quatro) anos, pode lhe acarretar a vedação de ingressar em nova federação, de celebrar coligação nas 2 (duas) eleições seguintes, e, até completar o prazo mínimo remanescente, de utilizar o fundo partidário.

Na prática, isso garante que os partidos permaneçam federados por pelo menos duas eleições, isto é, tanto nas Eleições Gerais como nas Eleições municipais, deverão estar alinhados em um programa comum e somente poderão apresentar uma chapa única de candidaturas para o Legislativo e para o Executivo.

Assim, se em 2022 os partidos A, B e C se unirem em federação, isso significa que, em 2024, nos 5.570 municípios brasileiros, os partidos A, B e C deverão permanecer disputando as eleições municipais em conjunto, como se fossem um partido único, e ainda deverão decidir quem será, por exemplo, a candidata ou candidato a prefeito em determinado município, bem como dividir as vagas a serem apresentadas de candidaturas à vereança.

Com efeito, conforme preceituado por lei, aplicam-se à federação de partidos todas as normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições, inclusive no que se refere à escolha e registro de candidatos para as eleições majoritárias e proporcionais, à arrecadação e aplicação de recursos em campanhas eleitorais, à propaganda eleitoral, à contagem de votos, à obtenção de cadeiras, à prestação de contas e à convocação de suplentes (art. 6º-A, da Lei nº 9.504/97).

No entanto, os requisitos para sua instituição, a forma de composição e funcionamento, e os impactos das federações partidárias sobre as candidaturas proporcionais e regionais vêm gerando muitas dúvidas, especialmente porque a própria resolução do Tribunal Superior Eleitoral que dispõe sobre a federação de partidos políticos, isto é, a Resolução nº 23.670, de 14 de dezembro de 2021, estabelece que a  aplicação, à federação, das normas que regem as atividades dos partidos políticos no que diz respeito às eleições será regulamentada nas instruções do Tribunal Superior Eleitoral que dispõem sobre matérias específicas.

Não obstante as federações partidárias ainda estejam sujeitas a sofrer modulações por meio de novas resoluções que virão a ser expedidas pelo Tribunal Superior Eleitoral, algumas questões já podem ser elucidadas desde já e é importante que as pré-candidatas e os pré-candidatos estejam bem informados.

Sob o ponto de vista burocrático, antes mesmo de se pedir o registro da federação de partidos junto ao Tribunal Superior Eleitoral, é necessário que esta seja previamente constituída sob a forma de associação, com a apresentação do inteiro teor do programa e do estatuto comuns da federação constituída no cartório competente do Registro Civil das Pessoas Jurídicas do local de sua sede, e posterior emissão de CNPJ perante a Receita Federal.

Além de prova e cópia de toda a documentação supramencionada, o Tribunal Superior Eleitoral exigirá também: I – cópia da resolução tomada pela maioria absoluta dos votos dos órgãos de deliberação nacional de cada um dos partidos integrantes da federação; e II – ata de eleição do órgão de direção nacional da federação.

A realização de reuniões dos diretórios nacionais dos partidos políticos para deliberar sobre as federações, o debate para se chegar ao consenso em torno de um programa e estatuto comuns que deverão ser seguidos por todos os filiados de cada um dos partidos federados, a eleição de um órgão de direção nacional da federação, entre outros tantos acordos, discussões e negociações a serem realizados, demandam um tempo considerável de maturação, sem contar aquele que já será dispensado nos próprios trâmites burocráticos para registro em cartório e emissão de CNPJ.

Tendo isso em conta, a recente decisão do Supremo Tribunal Federal, nos autos da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 7021, permitindo que, no caso das eleições de 2022, o registro de federações partidárias no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) seja feito até 31 de maio, deu um pouco mais de fôlego para os partidos se organizarem, uma vez que a Resolução TSE nº 23.670, de 14 de dezembro de 2021, até então havia estabelecido que o pedido de registro deveria ser realizado até o dia 1º de março de 2022.

Entretanto, ainda assim o tempo não deixa de ser curto e é necessário que as filiadas e filiados aos partidos políticos pleiteiem por um processo democrático aberto de discussão das alianças e, principalmente, do programa e do estatuto comum que virão a ser consensuados, para que não se vejam forçados a permanecer por quatro anos vinculados a partidos que não tenham qualquer consonância ideológica com a sua própria.

Os estatutos das federações já deverão conter em seu corpo, antes mesmo do pedido de registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, e de forma expressa, todas as regras para a composição de listas para as eleições proporcionais, que vinculará a escolha de candidatos da federação em todos os níveis: seja nas Eleições Gerais, como nas Eleições municipais.

Se até 2020 era possível que até 150% pessoas fossem candidatas, na relação com as cadeiras disputadas, e as coligações proporcionais eram proibidas, o que significa que cada partido individualmente tinha esse percentual de vagas de candidaturas a preencher, importa destacar que, desde a edição da Lei nº 14.211, de 1º de outubro de 2021, cada partido ou federação poderá registrar candidatos para a Câmara dos Deputados, a Câmara Legislativa, as Assembleias Legislativas e as Câmaras Municipais no total de até 100% (cem por cento) do número de lugares a preencher mais 1 (um).

Desta feita, se os partidos A, B e C estiverem unidos em federação, deverão apresentar, conjuntamente, um total de 100% (cem por cento) mais 1 (um) de candidaturas com relação às cadeiras em disputa. E mais: conforme preceitua a Resolução TSE nº 23.670/21, na eleição proporcional, o percentual mínimo de candidaturas por gênero deverá ser atendido tanto globalmente, na lista da federação, quanto por cada partido, nas indicações que fizer para compor a lista. Em outras palavras, não será possível, como ocorria com as antigas coligações proporcionais, que apenas um único partido contribua com candidaturas de mulheres na formação da chapa única.

Na mesma esteira, vale destacar que, desde a edição da Lei nº 14.192, de 4 de agosto de 2021, os partidos políticos estão obrigados a conter em seus estatutos normas sobre prevenção, repressão e combate à violência política contra a mulher, o que deve necessariamente ser estendido aos estatutos das federações de partidos.

Até porque, eventuais irregularidades poderão ser arcadas por todos os partidos que compõem a federação, inclusive no que se refere às fraudes às cotas de gênero e de financiamento de campanhas femininas. Caso uma federação de partidos venha a apresentar candidaturas fictícias de mulheres, mesmo que sob responsabilidade de um único partido que a componha, seguindo-se a jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral já aplicada às coligações, toda a chapa de candidatos da federação poderá vir a ser cassada.

No que se refere ao financiamento público das campanhas, a Resolução TSE nº 23.664, de 9 de dezembro de 2021, prevê que, na hipótese de federação, a comissão executiva nacional do partido deve observar os critérios fixados pela federação para distribuição do FEFC aos candidatos que a integram.

A prestação de contas da federação corresponderá àquela apresentada à Justiça Eleitoral pelos partidos que a integram e em todos os níveis de direção partidária e a regularidade dos gastos em prol da federação será verificada na respectiva prestação de contas do partido político que realizou o gasto. Porém, havendo transferência de recursos oriundos do FEFC ou do Fundo Partidário entre os partidos que integram a federação, a desaprovação das contas do partido beneficiado, quando decorrente de irregularidades na aplicação daqueles recursos na campanha, acarretará a desaprovação das contas do partido doador.

É necessário, portanto, que os partidos que se associem em federação não disponham apenas de vontade política, ideário e programa comuns, mas que formem de fato um órgão de direção nacional da federação forte, muito bem alinhado e com estrutura administrativa suficiente para gerenciar todos os desdobramentos dessa união. Para tanto, indispensável que esse órgão respeite aos critérios de paridade e diversidade em sua composição, com mulheres, pessoas negras e minorias políticas tendo voz e voto nos rumos da federação.

*Gabriela Shizue Soares de Araujo, advogada e professora de Direito Eleitoral na Escola Paulista de Direito. Mestra e Doutora em Direito Constitucional pela PUC/SP. Coordenadora do Grupo Prerrogativas e diretora do Sindicato das Advogadas e dos Advogados do Estado de São Paulo

 

Fonte: O Estado de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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