O que Obama e Michelle nos ensinam sobre amor – Mariliz Pereira Jorge

A parte do discurso de despedida de Barack Obama que mais me emocionou foi quando ele disse que Michelle, em 25 anos de união, tem sido não apenas sua mulher e mãe de seus filhos, mas sua melhor amiga.

Não é pouco. Se tem algo sobre o amor que as pessoas ainda não entenderam, e eu demorei um bocado para alcançar esta pequena e formidável evolução, é que dificilmente você terá um relacionamento verdadeiro, saudável e duradouro se a pessoa com quem dorme todos os dias não for a primeira da lista para tudo em sua vida.

Uma amizade sólida resiste a praticamente tudo, por isso elas sobrevivem ao tempo, ao desgaste, à rotina e, sobretudo, às pessoas. A gente nem imagina que os relacionamentos podem ser assim, com tanta intimidade, afinidade e principalmente transparência.

Passamos parte da vida rezando o mantra da individualidade, sem perceber que uma coisa não tem nada a ver com a outra. Você pode continuar sendo quem é, com suas manias, preferências, ideais, suas roupas de gosto duvidoso e seu gosto musical datado, sem entrar numa história com um pequeno muro levantado para evitar justamente o que os relacionamentos precisam, que é intimidade sem limites.

Passei muitos dias da minha vida ao lado de namorados que eu não sabia o que queriam, o que pensavam e se eu poderia contar com eles, fosse para pendurar uma samambaia na sala, planejar o Réveillon ou um filho. Vai que não é a hora ideal, vai que estou pressionando, vai que me acha carente. Eu achava tudo normal. E comia unhas. E olhava para o teto do quarto no escuro tentando imaginar quem era aquele cara que eu via andar pelado todos os dias na minha frente, mas que às vezes se fechava numa burca sentimental intransponível.

Tinha tudo. Tinha tesão, empatia, afinidade, atração, mas não tinha o principal: o raio da amizade. Às vezes, me sentia numa competição: quem vai foder o outro primeiro? Sem amizade, aquela pessoa com quem você divide a conta de luz e os fluidos sexuais, continuará a ser indefinidamente apenas uma estranha com quem você presta contas da sua vida sem muita convicção, divide os boletos, alguém em quem você desconta seu inferno astral e sua raiva do mundo. Sempre sobra para quem está mais perto e por quem não temos tanta empatia. Fique claro que tesão não é empatia. A gente pode ter orgasmos sem gostar um tiquinho do outro.

Será que é sério? Ligo ou espero ele ligar? Será que ele topa sair ou prefere ficar em casa no fim de semana? Será que ele está feliz? Será que se arrependeu? Será que atropelamos as coisas? Será que posso desabafar? Quem será que tanto manda mensagem? Será que conheceu alguém? Será que…

Haja Omeoprazol para aguentar relacionamentos em que a gente só consegue ler o outro pela metade, em que não é prioridade, não sabe exatamente que espaço e papel tem naquela história. Se ela terá continuidade ou acaba neste capítulo. Haja Omeoprazol para conviver com quem a gente não sabe se pode confiar, se está inteiro ou só pela metade.

Pela primeira vez na vida experimentei num relacionamento algo que eu só tinha encontrado com meus amigos: lealdade. Se houver algo que fortaleça mais uma relação, por favor, alguém me conte porque, para mim, este é o grande diferencial de casais que são realmente felizes. São leais uns aos outros.

Hoje, vivo uma história em que sei que meu parceiro se atiraria na frente de um carro para me salvar. E ele sabe que eu faria o mesmo. Esse é o nível de confiança que temos. Ele vibra com minhas vitórias e graças ao amor e amizade dele saí de um buraco tenebroso chamado depressão. Poucas pessoas aguentariam um tranco desse, amigos de verdade fazem isso.

É para eles que a gente liga quando recebe uma proposta de trabalho, pede colo por causa de uma demissão, chora frustrações, comenta fofoca, fala sem medo de ser repreendido, faz planos, sonha alto, pede dinheiro emprestado, quebra o pau com a mais absoluta certeza de que fará as pazes. É com os melhores amigos com quem dividimos silêncios, sem achar que eles estão tramando contra nós, fazendo qualquer tipo de julgamento ou comendo a vizinha sem a gente saber. É com eles que seguiremos até o final da vida. Melhor ainda se o melhor dos melhores amigos for alguém com quem você divide o teto, a cama, o tesão, os sonhos, os planos, o futuro, o presente, o arroz com feijão e batata portuguesa, todos os dias.

Então, quando Obama disse que Michelle era sua melhor amiga, me emocionei profundamente a ponto de rolar uma lagriminha e responder baixinho, como se ele pudesse ouvir, que também tive a sorte de me casar com um cara que se tornou meu best friend. Que puta sorte.

Mariliz Pereira Jorge é jornalista e roteirista

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo