Hipocrisia – Max Gehringer

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Fábula à grega em dois atos. Personagens: o Gafanhoto Estressado e a Aranha Bem Intencionada. Cena Um. O Gafanhoto tenta convencer a Aranha que um colega de trabalho dos dois, o Camaleão, é um hipócrita de carteirinha.

– Esse Camaleão é um fingido, Aranha. Sempre mudando de cor conforme a ocasião.

– Mas essa não seria só a natureza dele, Gafanhoto? Ele não foi criado desse jeito?

– Nada! Antigamente, ele fazia o mesmo que nós, dava duro para levar a vida. Depois, virou esse artista em tempo integral, sempre escondido atrás de disfarces e artimanhas.

– Mas por que ele faria isso?

– Para tirar proveito da situação. Ele fica ali, na moita, com aquela cara inofensiva, mas, na primeira oportunidade, abocanha os descuidados. Assim, sem piedade nem remorso.

– Puxa, é verdade. E eu, que passo horas tecendo a minha teia, no maior capricho…

– E eu, então, que fico pulando o tempo todo de um lado para outro, sem parar? É por isso que eu vivo estressado. Se me distraio, o Camaleão solta a língua e me pega.

– É mesmo. Se você não me abre os oito olhos, eu nunca teria pensado nisso.

– Porque você é singela e bem intencionada, Aranha. Sabe como chama isso que o

Camaleão está fazendo conosco? Competição desleal no ambiente de trabalho!

– Faz sentido. Você é um sábio, Gafanhoto.

– Obrigado, Aranha. Mas o ponto é que não podemos, nunca, confiar no Camaleão.

– Será que não haveria um jeito de a gente conseguir neutralizá-lo?

– Como assim?

– Bom, para nosso benefício mútuo, eu acho que tenho um plano infalível.

– Tem?

– Tenho. Escute…

Intervalo. Se os antigos gregos não tivessem inventado as fábulas, a democracia e a filosofia (e, ademais, sacado que a soma do quadrado dos catetos era igual ao quadrado da hipotenusa), ainda assim eles teriam entrado para a história por sua habilidade para criar palavras. Como ‘hipotenusa’, por exemplo. Ou como ‘hipocrisia’, termo que significa ‘abaixo da decisão’. Hipócrita, no teatro grego, era a maneira como o povo se referia ao ator, que representava seu papel sem nunca tomar decisões sobre o texto. E seu talento estava em convencer a platéia de que ele não era ele mesmo, mas sim aquela personagem ali no palco. Milênios se passaram e ainda não surgiu palavra melhor para definir os hipócritas modernos, que continuam tão dissimulados quanto seus ancestrais. A diferença é que os hipócritas também evoluíram bastante. Agora, eles criam seus próprios diálogos.

Por isso, no palco corporativo, a sobrevivência profissional depende de nossa sensibilidade para identificar os personagens que estão contracenando conosco. O Estressado, que ninguém aprecia muito, pelo menos é sincero ao manifestar seus sentimentos. O que nem sempre é o caso daquele colega aparentemente bem intencionado, em quem depositamos toda confiança e para quem abrimos nosso coração.

Cena dois. O Gafanhoto se aproxima para escutar o plano da Aranha. E se enrosca na teia. Imediatamente, a Aranha o pica e começa a embrulhá-lo para o almoço.

– O que você está fazendo, Aranha? Nós não somos colegas e parceiros?

– Não leve a mal, meu caro, mas essa é a lei aqui da selva: boa intenção é uma coisa, e prioridade pessoal é outra…

*Max Gehringer – Autor de diversos livros sobre carreiras e gestão empresarial, tornou-se conhecido por suas colunas na rádio CBN e no programa Fantástico, da TV Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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