Esquerda e centro precisam de votos da direita para vencer Bolsonaro – Antonio Lavareda – Vinícius Silva Alves

Embora as eleições municipais despertem grande atenção da mídia e mobilizem regularmente fatias expressivas do eleitorado, a literatura da ciência política frequentemente considera esses pleitos como de segunda ordem, ofuscados, subordinados ou mesmo desconectados das demais competições.

Contribuiriam para essa suposta desarticulação as características de nosso sistema político, fragmentado em inúmeras legendas irregularmente distribuídas no extenso território nacional, além de baixas taxas de identificação partidária e um calendário eleitoral que separa temporalmente as disputas por cargos eletivos locais daquelas estaduais e nacionais.

Investigando a conexão entre as três esferas, propomos um novo enquadramento analítico para o tema no primeiro capítulo do livro “Eleições Municipais na Pandemia”, organizado por Antonio Lavareda e Helcimara Telles, a ser publicado neste semestre pela Editora FGV. Por meio dele, é possível observar padrões de articulação entre as competições que ocorrem nos diferentes níveis da federação, uma vez agregados os partidos em campos ideológicos (esquerda, centro e direita), conforme a classificação predominante entre os especialistas.

Revisitando o percurso sociopolítico desde a transição democrática em 1985 até o pleito mais recente, identificamos que as disputas pelos cargos de vereador e prefeito têm funcionado como “barômetros ideológicos” das eleições gerais posteriores, sinalizando antecipadamente as chances dos diferentes campos.

Entre seus principais resultados, a investigação assinala que o desempenho dos grupos ideológicos na corrida por assentos nas Câmaras Municipais viabiliza a projeção de resultados nas disputas proporcionais seguintes (Assembleias Legislativas e Câmara dos Deputados) e serve também como parâmetro para as estratégias de coordenação dos principais atores nas competições majoritárias subsequentes.

Examinando a votação dos agregados ideológicos em todas as eleições da Nova República até o momento, identificamos ciclos com dinâmicas internas diferenciadas, delimitados por eleições críticas (1989, 2002 e 2018) e por uma eleição restauradora (1994).

Definimos como críticas, de acordo com a literatura da ciência política, aquelas competições presidenciais realizadas em meio a crises socioeconômicas e/ou políticas de grande monta, que apresentam, no caso de sistemas pluripartidários, elevados índices de fragmentação eleitoral, resultando na dissolução dos alinhamentos preexistentes.

Já as eleições restauradoras ou contradesviantes são aquelas que, sequenciando uma disputa crítica, resgatam as balizas do ordenamento anterior.

A pesquisa revelou que os realinhamentos, que imprimiram novos contornos competitivos ao sistema, foram precedidos por alterações sensíveis no desempenho dos partidos de diferentes espectros nos pleitos locais imediatamente anteriores.

Por meio de um exame comparado e com o auxílio de testes estatísticos, constatamos que as eleições municipais de 1988, 1992, 2000 e 2016 sinalizaram a iminência de ciclos eleitorais favoráveis aos campos ideológicos que chegaram à Presidência —direita em 1989, centro em 1994, esquerda em 2002 e direita em 2018—, com reflexos também sobre os demais cargos em disputa nas eleições gerais.

Por meio de uma abordagem sociológica e histórico-comparativa, esclarecemos que os processos de realinhamento, ocorridos nas eleições presidenciais apontadas, operaram sob a lógica de uma causalidade complexa, que envolveu diferentes fatores explicativos. Para tanto, percorremos sinopticamente as conjunturas críticas em que estão inseridos, mapeando os principais eventos políticos que contribuíram para a emergência e o desdobrar de cada ciclo.

Orientada pela perspectiva de que as eleições locais exprimiriam avaliações latentes sobre as ideologias em disputa, a pesquisa expõe o papel das competições municipais como testes da receptividade do eleitorado a candidaturas de diferentes matizes políticos, reverberando sobre as competições estaduais e nacionais posteriores. De que maneira isso ocorre?

Sendo pleitos intermediários, realizados no meio dos mandatos estaduais e nacionais, eles atualizam o nível de apoio a legendas de diferentes espectros. Além disso, a grande proximidade entre eleitores e candidatos nas municipalidades favorece o compartilhamento de valores e atitudes políticas, aferindo-se a partir deles o peso dos humores locais sobre o destino das próximas eleições gerais.

Assim, seus resultados indicam que as disputas municipais, especialmente para vereador, operaram como barômetros capazes de sinalizar eleições críticas, as quais delimitaram ciclos eleitorais promissores a diferentes espectros ideológicos, conforme veremos a seguir.

Na etapa fundacional da Nova República, o PMDB (hoje MDB), então única legenda de centro, que havia liderado a resistência aos governos militares e assumira a primeira Presidência civil após 21 anos de ditadura, obteve uma grande vantagem nas duas primeiras eleições do novo regime.

Em 1985, o partido conquistou 63,2% das 201 prefeituras disputadas, incluindo 20 das 25 capitais (o estado de Tocantins foi criado em 1988). No ano seguinte, embalado pelo congelamento de preços do Plano Cruzado, conseguiu eleger seus candidatos a governador em 22 de 23 estados em que concorreu.

No entanto, a crise de representação que sobreveio com o Plano Cruzado 2 atingiu em cheio a legenda, levando o país a uma eleição crítica em 1989, na primeira disputa presidencial pós-ditadura, que premiaria um outsider da direita, Fernando Collor. Um ano antes, em 1988, os partidos de direita já haviam alcançado um desempenho expressivo nas disputas municipais.

Antonio Lavareda

É doutor em ciência política e professor colaborador da UFPE (Universidade Federal de Pernambuco)

Vinícius Silva Alves

É doutor em ciência política e editor-adjunto da revista Teoria & Pesquisa

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo