Promotores tentam brecha para disputar eleições sem perder cargos e salários

Promotores de Justiça de diferentes estados conseguiram licenças para disputar as eleições sem perderem cargos e salários. A decisão vai de encontro à jurisprudência das cortes superiores e, segundo especialistas, também contraria a Constituição, que veda atividade político-partidária de integrantes da instituição.

Hoje, o afastamento provisório para concorrer a cargos eletivos é garantido a funcionários públicos em geral, mas vedado a membros do MP. A mesma regra vale para magistrados e integrantes do Tribunal de Contas. Se quiserem disputar uma eleição, procuradores e promotores precisam pedir exoneração do cargo, sendo a única exceção aqueles que ingressaram na carreira antes da promulgação da Constituição de 1988.

Em São Paulo, o Procurador-Geral de Justiça, Mário Luiz Sarrubbo, autorizou o afastamento dos promotores Antonio Farto (PSC), pré-candidato a deputado estadual em São Paulo, e Gabriela Manssur (MDB), que vai tentar uma vaga na Câmara dos Deputados. A decisão levou em consideração uma resolução do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) segundo a qual estão proibidos de exercer atividade político-partidária os integrantes do MP que iniciaram na carreira após publicação da Emenda nº 45/2004, também conhecida como reforma do Judiciário — abrindo, assim, uma brecha para quem entrou no MP entre 1988 e 2004.

— Eles têm o direito de tentar a candidatura, como qualquer servidor público. Entendo que é direito fundamental — afirmou Sarrubbo. — Este é um tema que ainda não está pacificado. Há várias outras decisões em outros estados. Vamos aguardar — disse o procurador-geral, citando a Lei Complementar Estadual, que autoriza o afastamento do cargo para exercer cargo eletivo.

Em Santa Catarina, o Conselho Superior do Ministério Público permitiu o afastamento do promotor Affonso Ghizzo Neto, sob a justificativa de que a vedação imposta à atuação política dos membros da instituição “impede o exercício pleno da cidadania, restringe a democracia e viola o princípio da isonomia”.

Também utiliza como argumento a Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada de “Pacto de São José da Costa Rica”, da qual o Brasil é signatário. Diz o texto da Convenção que todos os cidadãos têm o direito de “votar e ser eleitos” e que a lei só pode regular o exercício desse direito e oportunidade “por motivos de idade, nacionalidade, residência, idioma, instrução, capacidade civil ou mental, ou condenação, por juiz competente, em processo penal”.

— É uma premissa do direito internacional — diz Ghizzo Neto. — Se tem uma Emenda Constitucional dizendo que não pode exercer atividade político-partidária a partir de sua publicação, a leitura é lógica: antes se poderia fazê-lo.

Segundo Neto, que cita ainda a liberação para candidatura sem exoneração no Mato Grosso do Sul, os direitos fundamentais, em especial o direito político, de ser candidato, é uma cláusula pétrea que não pode ser eliminada.

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) afirma ter respondido duas consultas a respeito do tema, pelas quais esclareceu que os promotores de Justiça que pretendem se candidatar devem deixar os respectivos cargos no Ministério Público. A resposta às consultas levou em consideração a Emenda Constitucional nº 45/2004, que diz que a situação dos integrantes do MP é idêntica à dos magistrados e membros do Tribunal de Contas, os quais são obrigados a se desvincular de suas funções para se dedicar à atividade político-partidária.

Em 2018, a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) ajuizou ação no Supremo Tribunal Federal (STF) questionando essa regra, mas o julgamento ainda não ocorreu em definitivo. O último andamento do processo é de dezembro de 2021 e mostra a substituição do relator, que antes era o ministro Marco Aurélio e agora é o ministro André Mendonça.

— Podemos prever que a candidatura desses promotores pode ser impugnada pelo TSE — disse Fernanda Oliveira, advogada eleitoral e doutoranda em Ciência Política.

Para Álvaro Palma de Jorge, professor de direito da FGV-Rio, a decisão de liberar o afastamento de promotores contraria a Constituição e as decisões dos tribunais superiores, que já estão consolidadas no sentido de proibir que promotores, juízes e membros do Tribunal de Contas concorram sem pedir demissão. Ele afirma que as vedações têm o intuito de proteger a independência da Justiça brasileira.

— O juiz e o promotor passam por concurso público e firmam pacto com a democracia. Recebem uma série de prerrogativas para agir não sob a lógica eleitoral, mas sob o ponto de vista da imparcialidade — diz o professor.

Procurados, Farto e Manssur não responderam.

 

Fonte: O Globo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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