II – Quando a rádio era “emissora” e as “ondas eram médias”. – Alagoinhas, 1954-1974 – José Jorge Andrade Damasceno

A memória dos alagoinhenses que já dobraram o “cabo da boa esperança”, é marcada pelas músicas, pelos programas e pelos apresentadores que fizeram chegar aos cantos e recantos da cidade, através das ondas médias da Z.Y.C.31, prefixo que identificava a rádio Emissora de Alagoinhas.

Quando este escrevedor passou a ouvir rádio com regularidade, os estúdios da rádio Emissora estavam instalados à Rua Dom Pedro II – 117 -, para onde fora transferida logo após um incêndio que irrompeu em suas instalações, então situadas à rua Rodrigues Lima.

Cabe salientar que aquele não fora o único acidente com fogo que marcou a trajetória da referida rádio. Os seus transmissores, instalados no conjunto Pinto de Aguiar, também sofreram um incêndio, que quase ceifou a vida daquele que era responsável pelo funcionamento da unidade irradiadora. Graças à rápida compreensão do que se passava no local, a despeito da precariedade das comunicações da época e ao rápido intervir das pessoas que acorreram para o local sinistrado, logo o fogo foi combatido e o mal minorado.

Voltando ao rememorar aqui proposto, salienta-se que a sua programação era fundamentalmente constituída por músicas – cuja diversificação era estabelecida de acordo com os horários e/ou apresentadores -, novelas gravadas – como Irmãos Coragem de Janete Clair, em uma adaptação radiofônica -, esporte – marcadamente limitada aos jogos no Carneirão (embora o campo da LDA e o campo do Curtume tivessem sido palcos de algumas partidas irradiadas) – e algumas notícias, mormente a Voz do Brasil.

No entanto, ao se mencionar o campo da “notícia”, convém salientar que a rádio Emissora de Alagoinhas levara ao ar, por um bom tempo – talvez o da vida do seu apresentador -,um programa que talvez fosse único por ela transmitido, conforme a memória de quem escreve estas linhas. Trata-se do “Alagoinhas em Revista”, que entrava no ar as treze horas, sob a direção e locução de Célio Machado. Como o rememorador era muito tenro, não saberia dizer exatamente qual o teor do programa; entretanto, é preciso no fato de que a única música que tocava era, na abertura, nas pausas comerciais e no fechamento, que se dava, crê-se, as quatorze horas, “Moonlight Serenade”, tocada pela orquestra de Glen Miller.

Tais acordes, ao serem ouvidos por este escrevedor, imediatamente o remetem àquele programa, que, certa vez o recebera para uma entrevista, acompanhado de uma de suas professoras – talvez fosse a professora Inis  Farani de Freitas, que bem mais tarde, este escrevinhador veio a saber tratar-se da irmã do candidato a governador do Estado baiano, o engenheiro Lauro Farani de Freitas, sinistrado em queda de avião durante a campanha eleitoral em 11 de setembro de 1950, na cidade de Bom Jesus da Lapa.

Aquele menino, ao ser entrevistado no programa “Alagoinhas em Revista”, ainda se limitava a dar respostas monossilábicas, talvez intimidado pelo vozerio do entrevistador ou pelo microfone que, em sua memória tátil, se lhe afigura como uma gerigonça metálica, com dentes cumpridos, bem abertos e dispostos no sentido vertical, dando-lhe a impressão que o poderia morder!

Antes de ser levado ao ar pelas ondas médias daquela rádio que levaria a sua voz ainda incerta e em processo de mudança de registro, sabia-se lá até onde, o entrevistado mirim passara pela sala do diretor que o recebera e mantivera uma conversa amigável com aquele menino – não se tem registro de outra conversa entre estes interlocutores, depois de um deles ter se tornado adulto.

Em um espaço impregnado do forte odor de fumo, devido ao fato de que o locutor era um tabagista inveterado, se desenrolou um pequeno diálogo entre os dois, talvez, se tratasse de um meio que o entrevistador utilizasse para conhecer o seu entrevistado e lhe formular as perguntas no momento mesmo da entrevista.

Uma outra marca da rádio Emissora de Alagoinhas foi, conforme lembra este escrevedor, o programa “Parabéns pra você: o carnê social da cidade”, irradiado, crê-se que ao meio dia, de duração curta durante a semana, porém, um pouco mais alongado aos domingos. Nele, os ouvintes – crê-se que mediante alguma quantia em dinheiro, talvez simbólica – pediam que fossem tocadas músicas que seriam oferecidas aos aniversariantes do dia. Além das efemérides natalícias, havia irradiação do programa em datas especiais, como por exemplo, “Dia das Mães”, “Dia dos Pais”, entre outras possibilidades.

As músicas pedidas, executadas e oferecidas aos aniversariantes, eram selecionadas de acordo com as demandas feitas por parentes e amigos dos homenageados -, certamente, eram escolhidas de acordo com o gosto musical de quem receberia os “parabéns”. Variava do “sucesso” do momento – como os interpretados por Roberto Carlos, Nelson Ned (Domingo a Tarde), Jerry Adriani (Coração de Cristal; O quanto te quero), Antônio Marcos (Oração de um jovem triste), Erasmo Carlos (Sentado à beira do caminho)”, entre outros -, passava por aquelas que quase não eram mais tocadas – como aqueles interpretados por Emilinha Borba, Orlando Dias, Francisco Alves, dentre outros -, construindo um mosaico de gostos e ritmos.

Havia algumas músicas e intérpretes que tinham presença constante em quase todas as edições do “Carnê Social da Cidade”. Entre tantos, poder-se-ia mencionar “A Triste Partida”, toada de Patativa do Assaré, com magistral interpretação de Luiz Gonzaga; Carequinha (O passarinho do relógio), presença quase certa, quando os homenageados eram crianças, os mais maduros eram brindados com execuções primorosas de Dilermando Reis (Som de Carrilhões). Muitas outras memórias certamente emergirão daqueles que se dignarem a ler estes rabiscos de reminiscências.

E, em se falando do virtuoso violão de Dilermando Reis, salta ao rememorar deste rabiscador, um célebre programa que por muitos anos foi levado ao ar pelas ondas médias da Rádio Emissora de Alagoinhas. Trata-se de um desfilar de seresteiros da cidade, que em algum dia da semana que este rememorar não consegue precisar, em maviosas execuções ao violão e, em algumas ocasiões, com interpretação vocal, enchiam os ouvidos daqueles que acompanhavam atentos, quer em suas casas, quer no auditório onde o programa se desenrolava.

Este lembrador tem bem nítida a locução de Raimundo Rollemberg, com sua voz marcantemente impostada e o seu primoroso português, anunciando os participantes e os números que executariam ou interpretariam. Nomes como os de Raimundo Espinheira, Diógenes, Wilson Dantas, entre outros, formavam o conjunto harmônico que fechava a programação da rádio, por volta das 22 horas.

Uma última marca da Rádio Emissora de Alagoinhas que aqui se quer rememorar, é aquela que talvez tenha sido a mais longeva das apresentações de programas da transmissão em “ondas médias”. Trata-se do programa “Ídolos do Nordeste”, inicialmente idealizado e apresentado por L. Curi – a quem este escrevedor não chegou a escutar, pois falecera antes de 1970 -, depois apresentado por Lourival de Andrade – até o seu falecimento ou próximo disto -, levado a diante por J. França e Everaldino Souza, como os seus últimos apresentadores. Levado ao ar das seis às sete da manhã, fazia desfilar as músicas entendidas como “nordestinas”, tais como aquelas interpretadas pelos “3 do Nordeste”, Elino Julião, Marinês e sua Gente, “Trio Nordestino”, “Abdias”, “Gerson Filho”, além daquele que Lourival de Andrade anunciava como sendo “Luiz Lua Gonzaga”. Também não faltavam as músicas e gracejos do lendário Coronel Ludugero, cuja presença era indispensável naquela programação, visto encarnar o “nordestino” típico que povoava o imaginário popular.

As notas, os abraços e os “alôs” que enviavam para os diversos ouvintes residentes nas paragens onde a transmissão radiofônica em “ondas médias” alcançava, fazia o ouvinte do centro e das adjacências saber da existência dos muitos recantos da urbe alagoinhense: Cangula, Oiteiro, Tucum, Espinho, além de fazendas, sítios, distritos  e outros espaços rurais, para os quais se imagina que tal programação era dirigida.

Os “reclames” comerciais ficavam por conta do “Armarinho São João”- tecidos, miudezas e aviamentos em geral -,”Bazar  Imperial”, “Café Verde e Amarelo – “Na xícara cheiroso, na boca saboroso”, ”Café O Barão”, “Mobiliaria Santo Antônio”, “Maru Cena – o paneleiro da cidade”, “Livraria São Jorge”, “Livraria Lacerda”, “A Nova Azi – tecidos e confecções -, “Magazine São João”, “Fercam” – eletrodomésticos -, que rivalizava com a “CMDantas” e a “Fislar”, bem como a “Suprema Móveis” – tudo para o seu lar -, o “Cine Azi, depois mudado para Capitólio”, com os filmes que estavam em cartaz, diariamente propagandeado em diversos horários da programação, entre muitos outros.

Enfim, há ainda alguns “rememorares” que poderiam fazer parte deste arrazoado. No entanto, já vai um pouco longa esta crônica de um lembrador contumaz, obrigando-o a abrir outra página mais adiante, com o fito de deslanchar mais reminiscências daquela rádio que fora única na cidade a trazer entretenimento e informação para a sua população, até o advento da Catuense FM, já lá pelos idos dos finais dos oitenta, para os inícios dos anos noventa, daquele século que viu surgir o rádio como o meio mais versátil de comunicação social.

José Jorge Andrade Damasceno – Professor Titular na Universidade  do Estado da Bahia (UNEB), no Colegiado de História do Departamento de Educação – Campus II, Alagoinhas.

E-mail: historiadorbaiano@gmail.com

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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