Considerações nada discretas sobre a vida de outra mulher – Sintia Piol

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Ainda está em cartaz, no circuito das salas de arte de Salvador, a comédia dramática francesa A vida de outra mulher ( La vie d’une autre), de Sylvie Testud, com Juliette Binoche como Marie, e Mathieu Kassovitz, como Paul.

Qualquer coisa com Binoche vale a pena conferir, mas o fato é, apesar de Testud nos apresentar um filme leve, o mesmo é confuso e superficial. Saímos do cinema um tanto embaraçados porque se espera muito mais, já que teria tudo para ser um belo filme principalmente pelas reflexões sobre o amor na vida adulta. Mas, pra nossa surpresa o que segura o público é a beleza de Mathieu, o encanto natural de Juliette, ou a trilha sonora – com direito ao melhor de Blondie e Cat Power.

A história toda gira em torno de uma mulher na faixa dos quarenta anos que num lapso de memória esquece quem se tornou e, após quinze anos, volta a se comportar e enxergar o mundo com os olhos de quem era aos 25.  Na trama temos como coadjuvante um marido ferido, infeliz e frustrado por ter casado com essa mulher que era cheia de vida e que se transformou em uma criatura fria,

amargurada e corrompida. O elemento transformador reside no quadro de amnésia de Marie que, ao esquecer quem se tornou, retoma o formato “garota recém-formada cheia de amor pra dar”, volta a atrair o olhar de Paul sobre si. Esse quadro também a auxilia na resolução de muitos outros problemas.

Há poucos momentos divertidos nesse filme que deveria ser uma comédia (mas não consegue provocar risos), é um filme soturno, de poucas palavras, as canções falam pelos personagens. Por sorte, para balancear tantas falhas na obra de Testud, ela desperta algumas reflexões sobre nós mesmos e sobre os relacionamentos: Por que às vezes mudamos drasticamente no correr dos anos? Por que é tão difícil encontrar alguém para dividir conosco a vida? Como o cotidiano pode afastar tanto quem se ama e transformar amantes em

estranhos? Como, tantas vezes, deixamos de priorizar o amor tornando-o um complemento, um acessório? Talvez a partir dessas perguntas, e tantas outras que o espectador levanta, vem a sensação que o filme poderia ter um desfecho empolgante, apesar da temática sobre lapsos de memória já ter sido explorada inúmeras vezes no cinema. Sylvie poderia ter criado um enredo complexo mesmo abordando uma situação óbvia, porque envolve um tema de interesse comum: as pessoas casam imaginando que o outro será sempre como no início da relação.

É um filme para final de tarde de domingo, quando a maresia impera sobre o corpo. Aos casais em início de romance não aconselho assistirem, pelo menos não juntos, pode ser traumático, no filme o relacionamento que se inicia intenso, perfeito, depois vira a visão do inferno.  Aproveitando o momento, abro o coração para lançar outras inquietações, agora voltadas aos fãs de Binoche: Alguém sabe explicar o que ela quer aceitando projetos tão fracos quanto este e Elles (péssimo, por sinal)? Em seus próximos filmes, ela também carregará a obra nas costas? Será que encontraremos novamente um diretor que saberá se apropriar do magnetismo de Juliette? Deus é quem sabe o que está por vir, mas evoco ao universo que algum gênio consiga novamente explorá-la como em A insustentável leveza do ser. Que assim seja e assim se faça, amém!

Sintia Piol é colunista do Alagoinhas Hoje e escreve sobre cinema, música, fotografia e outros temas ligados à cultura.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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