Uma gota de esperança no futuro – Marcia Castro

 

Na última quinta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assinou o Decreto 12.083, que estabelece as diretrizes para a elaboração da PNIPI (Política Nacional Integrada para a Primeira Infância) e institui o seu Comitê Intersetorial.

O Comitê será composto por um representante da Casa Civil, quatro da sociedade civil, e representantes de 14 ministérios. Em 120 dias o Comitê deverá apresentar a proposta da PNIPI, um conjunto de indicadores referentes à primeira infância, e estratégias de monitoramento e avaliação das ações implementadas pela PNIPI.

Segundo o modelo de Atenção e Cuidado Integral proposto pelo Unicef, há cinco domínios inter-relacionados de cuidado: boa saúde, nutrição adequada, segurança e proteção, cuidados responsivos e oportunidades de aprendizado. Portanto, a implementação de políticas e ações para o cuidado integral na infância demanda a intersetorialidade, tal qual refletido na composição do Comitê.

Os próximos 120 dias serão de muito trabalho.

O PNIPI precisa planejar ações multisetoriais e integradas, que alcancem todas as infâncias, garantindo direitos humanos e de cidadania (saúde, alimentação saudável, assistência social, ambientes seguros para crianças e suas famílias, educação de qualidade, cultura, respeito e dignidade, parentalidade saudável, e cuidado com os cuidadores de crianças).

A importância dessas ações nos primeiros anos de vida foi mensurada pelo professor Heckman, ganhador do Prêmio Nobel de Economia no ano 2000.

Ele avaliou um programa de pré-escola implementado nos Estados Unidos em 1962 e mostrou que, em média, a cada dólar investido no programa houve um retorno de cerca de 13 dólares. Quanto mais cedo o investimento na criança, maior o retorno.

Além disso, a construção de indicadores será uma tarefa crítica dos próximos 120 dias. O Imapi (Índice Município Amigo da Primeira Infância) utilizou 31 indicadores para medir como municípios brasileiros se encontram em relação ao modelo de cuidado integral do Unicef.

Se observa uma enorme desigualdade, com um Imapi de 74 (sendo 100 o máximo) para o melhor município e 22 para o pior. Porém, alguns domínios do modelo de cuidado integral ainda carecem de dados coletados de forma sistemática. Ou seja, o PNIPI tem duas tarefas importantes no que se refere a proposta de indicadores.

Primeiro, considerando os sistemas de informação que existem em diferentes ministérios, a tarefa crucial é linkar essas bases de tal forma que trajetórias de crianças e famílias possam ser acompanhadas em seus diferentes domínios de cuidado ao longo do ciclo de vida. Geograficamente, é importante considerar bases públicas que facilitem a caracterização de contextos diversos no país (por exemplo, MapBiomas) e permitam identificar áreas vulneráveis.

Segundo, medidas padronizadas sobre desenvolvimento infantil ainda não são coletadas de forma sistemática. Portanto, é preciso definir qual o conjunto mínimo de dados a serem coletados a fim de permitir um monitoramento efetivo do PNIPI.

Esse decreto é uma semente de esperança no futuro. Afinal, as crianças são o futuro de qualquer nação. Todas as crianças. Não há futuro pleno quando parte da infância é privada de um desenvolvimento de qualidade por questões socioeconômicas, étnico-raciais e por inequidades enraizadas na sociedade.

Em 120 dias saberemos as estratégias propostas. A partir de então, veremos se essa semente florescerá e trará frutos para as crianças e o futuro, ou se secará antes de germinar.

Como disse Nelson Mandela: “Não existe revelação mais nítida da alma de uma sociedade do que a forma como ela trata as suas crianças”.

 

Marcia Castro é professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard
Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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