Cenário da Flip, Paraty sofre com violência e falta de recursos

Enquanto o burburinho festivo concentra a atenção de cerca de duas mil pessoas em torno da Tenda dos Autores e de restaurantes estrelados da FLIP (Festa Literária Internacional), outra Paraty observa a movimentação, imersa em problemas sociais e no abandono de seu patrimônio histórico e cultural.

Terceira cidade mais violenta do Estado do Rio, com índice de 62 mortos por 100 mil habitantes (segundo Mapa da Violência do Ministério da Saúde), a cidade tem visto esse número aumentar nos últimos anos, com a chegada de criminosos expulsos de favelas cariocas pelas UPPs.

“Como dizer aos meninos daqui que é melhor estudar do que fazer ‘aviãozinho’ [carregador de droga], quando isso é mais rentável com a cidade cheia de turistas que têm a ideia de que aqui é lugar de ‘ficar louco’, por conta da tradição hippie?”, pergunta o prefeito Casé (PT).

Do outro lado do que o arquiteto Mauro Munhoz, diretor da Associação Casa Azul, que realiza a Flip, chama de “Muro de Berlim” –o velho aeroporto hoje destinado a receber vôos privados de donos de imóveis de veraneio– crescem os bairros de Ilha das Cobras e de Mangueira.

O primeiro é comandado pela facção carioca Comando Vermelho, o segundo, pelo PCC, de São Paulo. “As mortes acontecem por demarcação de território”, diz Casé.

Encravada nessa área está a sede da Casa Azul. “A gente se mudou do centro histórico para cá para ficar mais perto da comunidade”, diz Belita Cermelli, diretora local da entidade. “É uma realidade triste, mas existem muitas ONGs trabalhando para ajudar os jovens daqui.”

A Casa Azul mantém ali uma biblioteca com programação o ano todo, para crianças. “Depois da nossa, surgiram mais 30, é um dos efeitos positivos da Flip nesses 12 anos”, completa a diretora.

Desde 2013, uma parceria público-privada permitiu dar início a um projeto de saneamento. Até então, a água de Paraty não era tratada, assim como não existe, ainda, um sistema de esgoto.

“Quando o centro histórico deixou de ser residencial para ser comercial, a quantidade de esgoto aumentou muito. Pousadas, lojas, hospitais, todos jogam lixo nos rios (Perequê-Açu e Matheus Nunes). Estamos ao menos iniciando um trabalho”, diz.

PATRIMÔNIO

A Flip tornou Paraty conhecida internacionalmente e atraiu investidores nas áreas gastronômica e hoteleira. Mas problemas sociais e questões culturais e de patrimônio seguem sem saída.

Uma delas é o abandono da casa onde viveu a artista plástica Djanira da Motta e Silva (1914-1979), grande nome da arte naif brasileira.

“O governo não faz nada pela preservação da memória do que Paraty foi no passado: centro efervescente das artes e da intelectualidade alternativa nos anos 60/70”, diz o artista plástico Júlio Paraty, 62, discípulo de Djanira.

“Esta casa deveria virar museu, é patrimônio da região e símbolo daqueles tempos. Está aí, virando pó.”

A construção está tomada pela mata e tem janelas e portas em decomposição. “Djanira era uma artista fantástica, pena ninguém tomar conta desse lugar histórico”, diz a editora britânica Liz Calder, idealizadora da Flip.

Segundo Casé, houve a ideia de comprar a área, que hoje é propriedade privada, e transformá-la em museu, mas hoje não há recursos.

Autor do painel da Flip de 2013, Julio Paraty diz não ter sido consultado sobre a venda de bottons e marcadores de livros que usaram a imagem. “Não me avisaram, não me deram nada. Usaram minha arte e não ganhei nada.”

A Casa Azul nega ter comercializado as peças sem autorização, mas admite não existir contrato de cessão de direitos. “Ajudamos o Júlio a dar projeção à sua obra num momento em que estava deprimido e doente. Não entendemos porque ele age assim agora”, diz Cermelli.

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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