Cabral precisa descobrir o Brasil – Elio Gaspari
Sérgio Cabral foi reconduzido ao governo do Rio em 2010 com os votos de dois terços do eleitorado. Uma vitória para ninguém botar defeito. Em menos de três anos tornou-se um governador detestado. Talvez seja exagero acreditar que é o pior entre seus pares, mas pode-se ter certeza de que foi o que impôs a maior quantidade de desaforos ao seu povo. Gosta de uma viagenzinha, mas tem no colega Cid Gomes um rival. Usa o helicóptero da Viúva para levar o cão Juquinha a Mangaratiba, mas queima menos combustível que os ministros da doutora Dilma na JetFAB (1.664 solicitações em seis meses). Comparado com o comissário Alexandre Padilha, é um sedentário. O ministro da Saúde voou 110 vezes, na maioria dos casos para São Paulo. Diz bobagens, já defendeu o aborto informando que a Rocinha era “uma fábrica de produzir marginal”, mas foi um dos governadores do Estado que, com ajuda federal, mais investiu em programas de recuperação dessas comunidades. É dado a breguices: “Este é o melhor Alain Ducasse”, disse, referindo-se ao restaurante onde concluíra um repasto, em Mônaco.
Desde que o “Monstro” saiu às ruas, Cabral desafiou-o. Disse que “essas manifestações estão tendo um caráter, um ar político que não é espontâneo da população”. (Na semana passada elas tinham o apoio de 89% dessa população.) Fabricada era a passeata que seu governo organizou para apoiá-lo na disputa pelos royalties do petróleo. Tinha cercadinho VIP e pulseirinhas para celebridades.
Cabral justificou seu uso privado de helicópteros públicos dizendo que “não sou o primeiro a fazer isso no Brasil”. Esqueceu-se de dizer que não reincidirá no folguedo. Há duas semanas um carro da sua polícia atirou numa área onde havia manifestantes. Quem foi? Pfff. O prefeito de Miguel Pereira homenageou-o num evento cuja convocação dizia o seguinte aos beneficiários do programa “Renda Melhor”: “O não comparecimento poderá resultar na perda do benefício. (…) Levem seus familiares”. A prefeitura disse que foi um “equívoco”. Sua assessoria esclareceu que não sabia de nada.
No seu pior momento, Cabral informou que “nesses atos de vandalismo tem a presença de organizações internacionais. (…) Sabemos que há organizações internacionais estimulando o vandalismo e o quebra-quebra”. Em seguida criou uma comissão para apurar os atos de violência. Havia um casal que se declarou a serviço da Abin. A polícia disse que apreendeu 20 molotovs com um preso? Cadê ele? Vinte coquetéis com uma só pessoa? O único preso, com espalhafato, nada tinha a ver com a história. Salvou-se pedindo socorro à Mídia Ninja. Graças a ela e a um vídeo da TV Globo, sua inocência ficou estabelecida. Quem criou a patranha? No meio disso tudo, a PM prendeu um pedreiro na Rocinha, e ele sumiu. A polícia diz que ele desapareceu depois de ter sido liberado. Cadê o vídeo da sua saída da UPP? A câmera enguiçara na véspera.
A conexão da polícia do Rio e das milícias com barbarizações deveria assustar Cabral. Já houve época em que o submundo das meganhas carioca e federal se meteu em coisa parecida. Num caso, em setembro de 1980, a descrição da cena da explosão de uma banca de jornais na jurisdição da 28º DP chegou ao conhecimento do seu titular e do Palácio do Planalto. Sentaram em cima. Sete meses depois o governo explodiu no Riocentro.
Cabral pode não ter entendido o que está acontecendo no país, mas não se eximirá de ser cobrado pelo que acontece no seu governo.
*
EREMILDO, O IDIOTA
Eremildo é um idiota e passava pela rua Pinheiro Machado quando viu o Palácio Guanabara praticamente cercado pela tropa de choque da Polícia Militar. Por cretino, não sabia o que era aquilo e perguntou a um peregrino o que acontecia. Ele lhe disse que as altas hierarquias dos governos municipal, estadual e federal estavam lá. O idiota foi em frente, convencido de que, com o cerco do Guanabara, o papa Francisco fizera seu primeiro milagre.
CUBATOUR
Boa notícia para o comissariado em geral e para o ministro Aldo Rebelo em particular. Está na reta final a negociação para a abertura de uma frequência de voos da Cubana de Aviación na rota Havana-São Paulo. No próximo Carnaval Aldo poderá ir para a ilha levando a família sem torrar tempo de voo dos jatinhos da FAB. Os companheiros poderão fumar a bordo, pois a Cubana não faz parte da Iata.
LULA NO SÍRIO
Há mais de quatro semanas a equipe médica que acompanha a saúde de Lula marcou um check-up rotineiro para o final deste mês ou início de agosto. Se e quando ele ocorrer, alimentará boatos, mas isso servirá apenas para confirmar que, enquanto a verdade é coisa difícil de se obter, todo boato é verdadeiro, pois, seja qual for, reflete um desejo de quem o passa adiante.
Nosso Guia quer que todas as informações sejam divulgadas.
CUIDADO
O comissariado do Itamaraty acredita que a viagem da doutora Dilma a Washington, em outubro, será um refrigério para sua popularidade. Se ela fizer discursos como o que leu para o papa, podem tirar a carruagem da chuva.
*
*Thomas Reed era poderoso, lembra dele?”
Na quinta-feira havia cerca de 900 mil pessoas na praia de Copacabana quando o papa Francisco pediu um momento de oração pela jovem Sophie Morinière, que morreu na Guiana Francesa a caminho da Jornada Mundial da Juventude. Fez-se tal silêncio que só se podia ouvir as ondas do mar. Essa mesma multidão silenciosa fazia um barulho estrondoso quando passava o papamóvel.
Esse homem capaz de mobilizar tanta alegria e esperança não tira sua força só da simplicidade e do sorriso. Afinal, a igreja está cheia de padres e bispos tristes. Antes dele, tristes foram Pio 12, Paulo 6º e Bento 16. Alegres, só João 23, João Paulo 1º e, em certos momentos, João Paulo 2º. A força de Francisco, e de todos os papas, vem da capacidade de acordar em todos sentimentos de solidariedade, misericórdia e, caso haja, de fé.
Muita gente vê nesses sentimentos simples banalidades que devem ser submetidas a lógicas superiores (e aí, cada um tem a sua). Para quem acha que ele só deixou palavras, vale a pena recordar um episódio ocorrido no final do século 19, quando um amigo entregou uma cópia de um texto do papa Leão 13 a Thomas Reed, presidente da Câmara dos Estados Unidos. Ele era um dos mais ricos, poderosos e brilhantes políticos da época, e respondeu: “Diante da enorme desimportância disso, fico sem palavras”.
Leão 13 mudou o rosto da igreja com a encíclica Rerum Novarum, falando dos direitos e deveres do capital. E Reed? Quem se lembra dele?
Fonte: Folha de São Paulo