Treinador brasileiro moldou geração vitoriosa e educou franceses

Há uma réplica da taça da Copa do Mundo na entrada do Instituto Nacional de Futebol da França, o centro de excelência construído em Clairefontaine, a cerca de 60 km de distância do centro de Paris.

O brasileiro Joaquim Francisco Filho, 77, tem orgulho do troféu, mesmo sem vê-lo mais todos os dias. Dos seus 45 anos como treinador, 30 deles foram dedicados à formação de jogadores para a federação do país.

Começou na academia de Vichy, também mantida pela entidade francesa. Foi para Clairefontaine em 1988, na inauguração do centro, onde trabalhou como treinador.

A cópia do troféu na antessala é lembrança do título mundial de 1998, obtido após vitória sobre o Brasil, por 3 a 0, na final. Foi a vitória de uma geração de jogadores que o ex-atacante nascido em São Paulo e que fala francês impecável ajudou a formar.

Vinte anos depois, a França pode voltar a ser campeã com uma leva de atletas que, quando garotos, passaram por Claairefontaine e pelas mãos do treinador que era chamado de Monsieur Filho (senhor Filho) pelos meninos e Francisco por todos os outros.

“Não existe fórmula para identificar o jogador [com potencial], mas para formá-lo a primeira coisa a observar é o respeito que ele tem aos outros. A forma como respeita quem está ao redor dele mostra quem ele é”, disse Francisco Filho.

Nesta terça (10), às 15h,a França enfrenta a Bélgica pela semifinal do torneio, em São Petersburgo. Dos 11 titulares que deverão estar em campo, 7 estiveram em algum momento (ou momentos) das categorias de base no centro de excelência: Pavard, Varane, Umiti, Matuidi, Pogba, Giroud e Mbappé.

O que significa que eles tiveram contato com o brasileiro, que também ajudou a lapidar o potencial de Papin, Cantona, Henry, Trezeguet e a maioria dos jovens que anos depois chegaram à seleção principal.

Todos passaram pelas mãos de Francisco Filho e as diferentes fases do sistema de aprendizagem montado pela federação. No início, é apenas o jogador, sozinho, com a bola.

“Alguns meses são usados assim para que tenha controle total. Apenas depois passa a ser ele, a bola e os outros garotos”, explica o brasileiro.

Claro que o tempo varia de acordo com a habilidade do atleta. “Mas não é só isso, não é? O técnico com o menino de 12 a 15 anos precisa saber educá-lo não apenas no futebol. Como se comportar, cuidar dos dentes, da roupa, do corpo…”, completa.

Kylian Mbappé o lembra Thierry Henry, o campeão mundial de 1998 e que hoje é assistente técnico da seleção belga. Os dois são crias de Clairefontaine e desde cedo mostraram sinais de que seriam especiais. Por causa disso, o brasileiro reconhece ter sido duro na formação do atacante que depois jogaria pelo Monaco (FRA), Juventus (ITA) e seria um dos maiores nomes da história do Arsenal (ING), homenageado com estátua em frente ao estádio Emirates, em Londres.

“Henry todos os dias chegava perto de mim e queria saber em detalhes como seria o treino. Tinha de ter uma resposta pronta para ele”, se recorda o treinador.

“Eu não aprendi futebol com o senhor Filho. Eu fui educado por ele. Perdendo ou ganhando, nós tínhamos uma identidade. Nós jogávamos de determinada maneira e respeitávamos o futebol. Aquilo entrou nas minhas veias. Eu como técnico sou um reflexo desta educação que recebi”, disse o próprio Henry em entrevista para a revista inglesa The Blizzard.

Uma das frases que Francisco Filho mais gosta de repetir é de ter espírito de viajante, o que soa um pouco estranho para quem passou 30 anos ligado à federação francesa, enclausurado e orgulhoso dos garotos que saíram de Clairefontaine. Mas no ano passado, ele resolveu aceitar proposta para ser treinador da seleção de Ilhas Maurício. Um time irrelevante, que ocupa a posição 155 no último ranking da Fifa sem jamais ter chegado perto de se classificar para a Copa do Mundo pela zona africana.

Bem diferente de 2002, quando sua fama de lapidador de talentos o fez ser contratado pelo Manchester United para treinar as categorias de base do clube e ser assistente do técnico Sir Alex Ferguson. Ficou amigo do português Carlos Queiroz (que esteve na Rússia dirigindo o Irã) e serviu de intérprete em 2003 nos primeiros meses de Cristiano Ronaldo na Inglaterra.

Saiu em 2005 decidido a se aposentar. Voltou para atender mais um chamado de Clairefontaine e da federação francesa. Se levou um ensinamento de Manchester que repassou a jogadores velozes e de ataque como Mbappé, foi a de acreditar na sua capacidade de driblar, o melhor jeito de desmontar qualquer defesa. Foi o que percebeu ao ouvir uma bronca de Ferguson em Ronaldo após uma partida em que o português, na opinião do seu chefe, havia driblado pouco.

Ele torce para que a França respeite isso contra a Bélgica, sem ficar presa a nenhum esquema tático rígido demais.

“Eu gosto de dizer uma coisa: a tática tem de emanar dos jogadores. Não ao contrário. A característica dos jogadores é o que torna ​possíveis alguns esquemas táticos”, finaliza.

“Se não fosse por ele, talvez eu tivesse desistido de ser jogador”, elogia o ex-zagueiro William Gallas, vice-campeão mundial de 2006 com a seleção francesa.

 

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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