Sexo, drogas e bebop marcam as ‘Memórias de uma Beatnik’

Ser mulher nunca foi fácil, mas para uma poeta beat como Diane di Prima, nascida em 1934, parece ter sido ainda mais difícil.

Diane di Prima entrou para o clube fechado de Allen Ginsberg (1926-1997), Jack Kerouac (1922-1969) e companhia ainda no final dos anos 1950, mas sempre esteve à sombra dos homens, fossem eles hétero ou homossexuais.

Assim como as outras poetas do período –meninas talentosas e problemáticas feito Joyce Johnson, Elise Cowen, Carolyn Cassady, Joan Vollmer, Brenda Fraser e Joanne Kyger– Diane comeu o pão que o diabo amassou na mão dos rapazes beats, embora também tenha aprontado das suas, conforme ela relata em “Memórias de uma Beatnik”, que ganha agora uma edição brasileira pela Veneta.

O volume é uma coleção de relatos encharcados de sexo, drogas e bebop, escritos em 1969 sob encomenda do editor Maurice Girodias.

Nada disso tira a graça do trabalho, uma narrativa veloz e desavergonhada sobre uma garota mal saída da adolescência e do Brooklyn, perambulando pelo lado selvagem de uma Manhattan aberta aos primeiros sonhos e pesadelos beatniks.

“Memórias de uma Beatnik” hoje é estudado nas universidades como uma das primeiras e mais importantes manifestações de um novo feminismo não puritano.

INTERNAÇÃO

Diane, que se recusa a dar entrevistas e atualmente está hospitalizada, tem uma folha corrida e tanto.

O avô era da turma de Emma Goldman (1869-1940), a anarquista linha dura que aparece no filme “Reds”, de Warren Beatty.

Quando adolescente pré-Manhattan, Diane visitou o poeta Ezra Pound (1885-1972) no Hospital Saint Elizabeth, em Washington, onde ele estava encarcerado por traição na Segunda Guerra Mundial.

Foi para a cama com os papas dos beats, Jack Kerouac e Allen Ginsberg –ao mesmo tempo, segundo o livro.

Ficou amiga de Bob Dylan e Miles Davis (1926-1991), quando Miles ainda era um junky da pesada.

Pertenceu a uma comunidade hippie em que pontificava um outro beat, o escritor Gary Snyder.

Fez uma espécie de ponte entre Nova York e a Califórnia, privando da lisérgica companhia do guru Timothy Leary em San Francisco.

Por fim, foi casada com o único poeta negro beat de que se tem notícia, o inflamado LeRoy Jones, hoje conhecido como Amiri Baraka.

ABORTO

Um aborto feito a pedido de Jones, como “prova de amor”, deu origem ao poema mais famoso que ela já escreveu, o dilacerante “Brass Furnace Going Out”, que traz versos do tipo “Quero você dentro de uma garrafa para enviá-la ao seu pai, acompanhada de uma longa nota amarga/ Quero que ele saiba que eu não vou perdoar você ou ele/ por não ter nascido”.

As linhas de “Memórias de uma Beatnik” não são tão amargas assim. Pelo contrário, insistem na leveza despudorada que só as pessoas muito jovens (ou muito velhas) são capazes de expressar, como se tivessem sido escritas por um Rabelais adolescente, de saias.

Elas revelam uma menina sensível, estranhamente antenada com um futuro que traria para a cena o paraíso e o pesadelo hippie.

Diane di Prima viveu tudo isso antes de todo mundo, na pele de uma garota destemida do Brooklyn.

CADÃO VOLPATO é músico e escritor, autor de “Pessoas que Passam pelos Sonhos” (ed. Cosac Naify)

MEMÓRIAS DE UMA BEATNIK
AUTORA Diane di Prima
EDITORA Veneta
QUANTO R$ 24,90, 216 págs

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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