Reforma política: o financiamento público das campanhas

Em 2016, os partidos políticos brasileiros precisaram rebolar para financiar suas campanhas eleitorais – as primeiras sem financiamento privado, que foi proibido em 2015. Para o ano que vem, ainda não há previsão de alternativa, mas os deputados estão correndo para conseguir aprovar a reforma política, que inclui um financiamento público bem robusto para as campanhas.

O texto do relator Vicente Cândido (PT) foi aprovado comissão especial da Câmara na madrugada do dia 10 de agosto, e teve a votação de emendas concluída no dia 15. A correria é tanta que a PEC 77/2003, nome formal da reforma política, quase foi votada em plenário no dia seguinte. A pressa se explica pelo fato de que, para valer já nas eleições de 2018, as novas regras têm de ser aprovadas até o começo de outubro. Por ser uma PEC, o texto deve ser aprovado em dois turnos na Câmara e no Senado, com um mínimo de apoio de 308 deputados e 49 senadores em cada rodada.

Nela, consta a criação do Fundo para Financiamento da Democracia (FDD), o chamado “fundão”, que deve destinar para as campanhas eleitorais de 2018 um montante de 3,6 bilhões de reais. A ideia é que o fundão funcione apenas em ano eleitoral, e que o dinheiro venha de uma porcentagem fixa: 0,5% da receita corrente dos últimos doze meses (entre junho de 2016 e junho de 2017, o equivalente aos 3,6 bilhões de reais).

Essa verba é diferente do Fundo Partidário (ou Fundo Especial de Assistência Financeira aos Partidos Políticos), que continua existindo para manter as atividades cotidianas dos partidos. A diferença é que ele  é composto por multas eleitorais aplicadas pelo Tribunal Superior Eleitoral e por recursos definidos pelo Congresso no orçamento. Em 2017, o fundo público destinou 819 milhões de reais para os partidos.

O problema do fundão é justamente o valor do financiamento, que foi considerado abusivo. A proposta foi tão mal recebida na Câmara que o senador Randolfe Rodrigues (Rede) se referiu aos valores do fundão como um “escárnio completo”, e Jorge Viana (PT), afirmou que “não dá para fazer reforma política para piorar o que já está ruim”. Deputados do Psol, da Rede e do PHS também chegaram a pedir que a votação na comissão fosse adiada para que a sociedade pudesse conhecer o texto proposto.

Especialistas concordam que o valor é exagerado. “Democracias avançadas envolvem algum grau de investimento público nos partidos políticos. Mas esse valor pra gente está alto demais”, afirma o cientista político Paulo Kramer, da Universidade de Brasília. As críticas levaram o relator, Vicente Cândido, a afirmar que vai sugerir uma emenda que desvincula o fundão da receita e que daria à Comissão Mista de Orçamento flexibilidade para decidir os valores um ano antes, com base na situação financeira do país. Para o relator, 2 bilhões para o fundão seria uma quantia “razoável”.

O problema dessa flexibilidade é que, da mesma forma como o Congresso pode manipular a verba que vai para o fundo partidário, também seria possível definir em plenário o quanto vai para o fundão. “É absolutamente necessário que criemos mecanismos pelos quais os próprios cidadãos possam ter instrumentos para direcionar o uso dos recursos públicos às campanhas”, diz Romão, cientista político Wagner Romão, do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento e especialista em Estado e Governo na Unicamp.

A necessidade de enxugar

Nas eleições de 2014, gastou-se mais de 7 bilhões de reais em campanhas, quase 6 bilhões vindo de doações de empresas. Em 2016, com a proibição de doações privadas, esse valor caiu para 3 bilhões de reais. Para reverter os cortes, já tramita no Senado um projeto de lei para voltar a autorizar a doação privada – que é vista como uma das causas de escândalos de corrupção envolvendo gigantes como Odebrecht e JBS.

O fato é que, com o fim das doações privadas, algum financiamento público passa a ser necessário – e especialistas consideram esse investimento como “o custo da democracia”. O problema é que, no Brasil, se destina muito mais dinheiro para partidos do que em outros países do mundo. Um levantamento do cientista político Bruno Bolognesi, coordenador do Laboratório de Partidos e Sistemas Partidários da Universidade Federal do Paraná (UFPR), mostrou que o fundo partidário brasileiro representava, em 2015, cerca de 0,01% do PIB, ante 0,003% no Reino Unido ou 0,006% em Portugal. Isso sem nem levar a verba do fundão em conta.

A ideia era que, com os cortes das doações privadas, os partidos começassem a correr atrás de doações individuais. Só que isso não ocorreu no volume que deveria. Em 2016, as campanhas já tiveram um montante considerável vindo dos cofres públicos: 650 milhões de reais, 21% dos 3 bilhões gastos, segundo o Tribunal Superior Eleitoral. Isso porque, antes mesmo de o fundão existir, o Congresso engordou deliberadamente o fundo partidário. Em 2015, o valor destinado aos partidos triplicou, passando de 289 milhões de reais para 867 milhões. “Acabar com o financiamento empresarial só fez os partidos correrem a buscar mais recursos dentro do Estado”, diz Bolognesi.

Outro fenômeno que passou a ocorrer foi o autofinanciamento, com candidatos colocando dinheiro nas próprias campanhas ou nas campanhas do próprio partido. O próprio presidente Michel Temer foi enquadrado na Lei da Ficha Limpa por doar mais do que o permitido a deputados do PMDB – a lei estabelece que uma pessoa física pode doar até 10% da renda para campanhas eleitorais. “Essa regra reproduz a desigualdade econômica do Brasil, transformando-a em desigualdade política”, diz o professor Wagner Romão, da Unicamp. Ele aponta que uma regra mais justa, por exemplo, seria um teto nominal de, por exemplo, dez salários mínimos.

A divisão do dinheiro

Ainda não está definido como os recursos do fundão seriam distribuídos. Existem diferentes formatos em discussão. A proposta original do relator Vicente Cândido era de que os diretórios nacionais dos partidos estabelecessem como distribuir o dinheiro, mas a ideia foi rejeitada pela comissão, porque o modelo ampliaria desigualdades regionais.

Mas já dá para saber como o dinheiro será distribuído: cada partido, somente por existir, deve ganhar 2% do valor do fundo. Dos 98% que sobram, 49% são distribuídos proporcionalmente à quantidade de votos nas últimas eleições, 34% segundo o número de deputados e 15% segundo a bancada no Senado. Atualmente, cada partido já tem acesso, obrigatoriamente, a 5% dos 819 milhões do fundo partidário, e os outros 95% são distribuídos de forma proporcional à votação que obtiveram para a Câmara nas últimas eleições.

Especialistas argumentam que essa divisão acaba estimulando a criação de mais partidos. “Partidos fisiológicos, sem relevância, carregam um recurso que é desproporcional ao tamanho deles. Somado ao modelo de coalizão, isso cria uma fragmentação partidária que é prejudicial”, diz Bruno Bolognesi, da UFPR. O professor defende a adoção de uma “cláusula de desempenho”, em que a distribuição do fundo deveria ser vinculada apenas ao número de votos. Há ainda a distribuição de acordo com diretórios, o que privilegiaria os partidos que estão mais espalhados pelo território e, em tese, mais próximos da população.

Todos os partidos também têm direito a uma parcela da propaganda eleitoral gratuita na TV, paga com dinheiro público por meio de renúncias fiscais. É muito dinheiro público envolvido, e, num país que está fazendo sacrifícios como reformas e ajustes fiscais, enxugar é essencial. Em 2017, áreas como Educação e Ciência e Tecnologia tiveram queda de mais de 20% no financiamento em relação a 2016. Saber quanto será destinado ao financiamento de campanhas será uma questão, antes de tudo, de definir prioridades.

 

Fonte: Exame 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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