Para “ex-xerife” dos cartéis, executivos devem ser presos

No momento em que o suposto cartel do metrô envolvendo a Siemens e políticos vai ao Supremo Tribunal Federal, chega às livrarias “Repressão a Cartéis — Interface entre Direito Administrativo e Direito Penal”, da advogada Ana Paula Martinez.

“Xerife” do departamento do Ministério da Justiça que combatia cartéis no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Martinez foi responsável por intensificar o cerco contra os grupos que acertaram preços, dividiram mercado e até licitações entre 2007 e 2010.

No livro, a advogada defende os avanços no combate aos cartéis, mas reconhece que precisa haver mudanças. A principal: cadeia aos envolvidos, e não apenas multas.

“Multa elevada é importante, mas não é suficiente para inibir a reincidência ou a formação de cartéis”, disse Martinez à Folha.

O caso do cartel internacional dos fabricantes de vitaminas, que também afetou o Brasil, é um exemplo. A multa aos participantes foi de US$ 7,5 bilhões, mas o lucro obtido pelo cartel ficava entre US$ 9 bilhões e US$ 10 bilhões. Ou seja: continuava sendo um bom negócio manter o cartel, mesmo se o grupo pagasse a multa.

Em geral, a formação de cartel acarreta sobrepreço de, em média, 20% no valor de produtos e serviços –o que torna a atividade lucrativa.

Por isso, muitos países passaram a rever suas leis para tentar criar barreiras mais eficazes. “Nos EUA, por exemplo, o modelo prevê pagamentos de multas, que não são muito elevadas, e também impõe penas de prisão para os executivos”, diz a advogada.

LONGE DAS CELAS

Resultado de sua tese de doutorado na Universidade de São Paulo, o livro traz um amplo panorama da legislação brasileira e estrangeira. Também apresenta um levantamento das multas aplicadas pelo Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica) e o resultado das ações penais nos diversos Estados, algo inédito no país.

Segundo Martinez, nos últimos 13 anos, nos 18 casos de cartel julgados pela Justiça até hoje, 166 pessoas foram denunciadas. Desse total, somente seis casos terminaram em condenação (42 pessoas). A pena máxima imposta foi de cinco anos e três meses.

“É pouco se compararmos com países que reviram seu ordenamento jurídico”, disse. Ainda segundo ela, no Canadá, as penas para quem participou de cartel podem chegar a 14 anos. Nos EUA e na África do Sul, esse teto é de 10 anos, e, na Colômbia, 9.

De acordo com o livro, até pouco tempo atrás, a Justiça brasileira não enquadrava os participantes de cartéis como criminosos. As infrações ficavam restritas a danos financeiros ao mercado.

RESTAURANTE ARMAÇÃO

Foi o que aconteceu, em 2001, quando 20 pessoas foram presas em flagrante durante a reunião do cartel que combinava o preço do pão francês na região de Sobradinho (DF). Detalhe: as reuniões ocorriam no restaurante “Armação”.

O grupo, que representava quase a totalidade das padarias da região, foi denunciado, mas o juiz e o Ministério Público entenderam que se tratava de infração de menor potencial ofensivo.

Resultado: os envolvidos no cartel concordaram em pagar multa de R$ 500, convertida em fornecimento de peças novas para viaturas policiais –e ainda de acordo com a necessidade do batalhão.

No livro, a advogada também defende os programas de delação premiada e os acordos de leniência, em que um dos participantes entrega o esquema do cartel.

Foi o que permitiu às autoridades de defesa da concorrência avançar nas investigações do caso Siemens, que, agora, segue ao STF.

REPRESSÃO A CARTÉIS
AUTORA Ana Paula Martinez
EDITORA Singular
QUANTO R$ 95 (360 págs.)

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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