Os parasitas – José Padilha
Existe um campo da biologia, chamado de relações ecológicas, que estuda os diferentes tipos de interação entre organismos vivos. Uma das mais interessantes é entre parasitas e hospedeiros. Os parasitas evoluem para sugar a energia vital dos hospedeiros e a usam em proveito próprio. Já os hospedeiros evoluem no sentido contrário, buscando resistir aos parasitas. É uma guerra evolutiva.
Os protestos no Brasil podem ser vistos sobre essa ótica. A população brasileira sustenta vários parasitas, que vão de uma classe política corrupta a uma polícia brutal. Quase toda a estrutura do Estado opera de forma parasitária, usurpando dos brasileiros parte significativa de seu trabalho e energia, na forma de corrupção e de impostos em excesso.
Não deixa de ser revelador o fato de os protestos terem começado como uma manifestação contra um aumento nas tarifas de ônibus. Afinal, todo brasileiro bem informado sabe que, embutido no preço do ônibus, quase sempre há a caixa de campanha, o por fora que é acertado com as empresas de ônibus –a parcela dos parasitas.
Não me surpreende que os protestos tenham um lado violento. A relação parasita-hospedeiro é sempre desse tipo. O que acontece em nossos hospitais, presídios, delegacias e gabinetes de políticos é também uma violência, mata muita gente. O que, evidentemente, não justifica a violência dos hospedeiros, mas certamente explica em parte de onde ela vem.
Outra relação ecológica interessante, e também importante para se entender o Brasil, é a da simbiose. Ela ocorre quando dois ou mais organismos interagem de forma a se beneficiar mutuamente.
No Brasil, a classe política dominante e os grandes grupos econômicos que fornecem bens e serviços ao Estado tendem a se relacionar dessa forma. Políticos criam demanda por grandes obras, montam licitações de forma a viabilizar estouros orçamentários. Grandes empreiteiros falsificam concorrências e emplacam orçamentos absurdos. Os hospedeiros pagam a conta.
Essa é a essência da nossa ecologia: somos hospedeiros, constantemente predados por grupos econômicos e partidos políticos que descobriram uma estratégia simbiótica de se retroalimentar às nossas custas.
O que vai acontecer agora? Se formos buscar inspiração na biologia, quando o hospedeiro reage, o parasita tem que se adaptar para sobreviver. A primeira tentativa nesse sentido foi a da camuflagem, com a presidente Dilma dando a deixa para a classe política: vamos elogiar os manifestantes, como se não fizéssemos parte dos processos parasitários contra os quais eles se insurgem.
Outros parasitas se fingem de mortos, para ver se os hospedeiros os esquecem, apostando que as manifestações não terão real influência na estrutura de poder do país. Finalmente, há os parasitas cínicos, que vão tentar se juntar aos hospedeiros e surfar na onda das manifestações, apresentando-se como alternativa.
Todas as estratégias têm boa chance de sucesso, dado que as manifestações não são propositivas. Mesmo assim, elas nos dão alguma esperança, porque mostram que, quando os hospedeiros se manifestam, conseguem o que querem. Foi assim com Collor e está sendo assim com a tarifa dos ônibus. Resta saber se existem forças na sociedade capazes de fornecer aos hospedeiros alguma estratégia de mudança em que possam se apoiar.
JOSÉ PADILHA, 45, cineasta, é diretor de “Ônibus 174”, “Tropa de Elite” e “Tropa de Elite 2”