Os limites constitucionais e legais à liberdade de imprensa – Rosberg Crozara

A liberdade de expressão é direito constitucional consagrado a todas as pessoas. Os debates mais ferrenhos acerca da liberdade de expressão se travam, entrementes, no âmbito da definição de seus limites, sobretudo, quando é examinada a liberdade de expressão da imprensa. Efetivamente, e como é de senso comum, nenhum direito pertencente a qualquer pessoa é absoluto, pois, se assim for, todos os demais direitos dos demais cidadãos a ele sucumbirão, o que não é, de nenhuma forma, democrático.

Importa observar sobre o tema que a Constituição da República de 1988 consagra, dentre os direitos fundamentais (art. 5° IX), a liberdade de expressão, do qual decorre a liberdade de imprensa, vedando, via de regra, a censura prévia.

Ocorre que a liberdade de expressão não pode ser confundida com imunidade. Fala-se e repete-se, acriticamente, que a liberdade de expressão deve ser respeitada e qualquer tipo de censura repelida, esquecendo-se, entretanto, que a vedação à censura prévia não exclui a responsabilidade posterior pelo que foi veiculado.

De fato, a Constituição da República veda, via de regra, a censura prévia, o que não significa, todavia, que a liberdade de expressão possa ser exercida sem posterior responsabilidade cível, criminal e administrativa. A liberdade de expressão, como todo e qualquer direito, não é absoluto, encontrando limites que emanam da consagração de outros direitos, igualmente fundamentais, a exemplo do direito à honra e à imagem, também previstos no texto constitucional em inciso subseqüente ao que consagra o direito à liberdade de expressão:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(…)
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Decerto, a liberdade de expressão exercida de forma desmedida e ilimitada, como defendem alguns que parecem ler a Constituição da República até o inciso IX do art. 5º, olvidando do disposto no inciso imediatamente subseqüente, não encontra proteção constitucional, pois implica violação do direito à honra, à vida privada e à imagem. A liberdade de expressão exercida fora dos limites constitucionais não é um direito protegido e sim um ato ilícito que deve ser reprimido.

Observe-se que o direito à liberdade de expressão e o direito à honra e à imagem não são colidentes entre si. Coexistem de forma harmônica, haja vista que inexiste censura prévia, mas apenas responsabilidade pelos abusos cometidos a pretexto do exercício da liberdade de expressão. É dizer, quando a liberdade de expressão é exercida de forma ilícita, violando direitos de outrem, não existe colisão entre direitos, simplesmente porque não existe direito de ofender ninguém. Aquele que extrapola a liberdade de expressão e informação não está exercendo direito algum, mas violando o direito alheio. Nestes casos, deixa de haver o exercício lícito da liberdade de expressão, estando configurada ofensa à honra. Não se trata, portanto, de ponderação entre direitos, simplesmente porque a proteção à liberdade de expressão não compreende ofensas à honra e à imagem.

A liberdade de expressão não é um cheque em branco para que se diga o que quiser, pois a ninguém é dado o direito de veicular fofocas, fatos inverídicos e danosos à honra de outrem ainda que a pretexto de informar.  O direito de manifestação e informação exercido com seriedade e lisura, adstrito à narração de fatos verdadeiros e de interesse público, sem juízos valorativos – haja vista que a ninguém é permitido ser censor da moralidade alheia – é protegido constitucionalmente.  A Constituição da República assegura a transmissão de notícias e não a criação de fatos, adjetivações ou juízos de valor, tampouco tolera a veiculação de informações dolosamente incorretas ou incompletas.

Nesse aspecto, cumpre trazer ao lume o disposto no art. 220 da Constituição da República, que dispõe:

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.
§ 1º – Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. (sem grifos no original).

Observe-se que a própria Constituição da República estabelece a necessidade de que os veículos de comunicação observem o direito à honra quando da veiculação de informações.

A honra e imagem não são protegidas apenas no âmbito cível, porquanto a indenização pecuniária, na maioria das vezes, não cumpre a finalidade de prevenir atos abusivos e violadores de tais direitos. Ressarcimento financeiro algum será suficiente para apagar os efeitos deletérios que decorrem de ofensas à honra quando propagadas através de veículos de imprensa, o que é agravado nos dias de hoje com a rede mundial de computadores. Igualmente, por vezes, o ganho financeiro obtido com a publicação da ofensa supera ou compensa o valor da condenação, daí porque a reparação cível se mostra insuficiente para a tutela de bem de tal jaez.

É exatamente em virtude da importância que a Constituição da República confere ao direito à honra, que este direito é tutelado penalmente, isto é, bem jurídico protegido, através dos artigos 138 a 140 do Código Penal que tipificam os crimes de calúnia, difamação e injúria, haja vista que o Direito Penal e reservado à tutela dos bens mais caros à sociedade. Frise-se que tais tipos penais não se prestam à punição daquele que exerce de forma responsável, com seriedade, o direito de informar. Mas sim àqueles que, dolosamente, sob o falso pretexto de informar, ferem honra e imagens alheias.

Nesse sentido, eis elucidativo excerto do voto do Ministro Celso de Mello na já referida ADPF 130:
“Tenho por irrecusável, por isso mesmo, que publicações que extravasam, abusiva e criminosamente, o exercício ordinário da liberdade de expressão e de comunicação, degradando-se ao nível primário do insulto, da ofensa e, sobretudo, do estímulo à intolerância e ao ódio público, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade de manifestação do pensamento, pois o direito à livre expressão não pode compreender, em seu âmbito de tutela, exteriorizações revestidas de ilicitude penal ou de ilicitude civil.

O fato é que a liberdade de expressão não pode amparar comportamentos delituosos que tenham, na manifestação do pensamento, um de seus meios de exteriorização, notadamente naqueles casos em que a conduta desenvolvida pelo agente encontra repulsa no próprio texto da Constituição, que não admite gestos de intolerância que ofendem, no plano penal, valores fundamentais, como o da dignidade da pessoa humana, consagrados como verdadeiros princípios estruturantes do sistema jurídico de declaração dos  direitos essenciais que assistem à generalidade das pessoas e dos grupos humanos.”

Não são raras ações penais e cíveis movidas até mesmo por jornalistas em face de outros jornalistas em virtude de ofensas à honra, a demonstrar que não se tolera o exercício abusivo da liberdade de expressão, que, repita-se, quando ofende direito alheio, se transforma em ato ilícito reprimido cível e criminalmente pelo ordenamento jurídico.

Acrescente-se, ainda, que a veiculação de matérias na imprensa pode ser exercida por qualquer pessoa. Não se trata de atividade privativa que exija formação em curso superior, daí porque, para aqueles que defendem o exercício ilimitado e imune da liberdade de expressão e informação, bastaria que ofensas fossem propagadas, por qualquer pessoa, através de veículos de imprensa – justamente quando os danos são potencializados – que existiria uma inconstitucional imunidade em decorrência da pretensa atividade de imprensa.
Justamente quando ofensas são veiculadas através da imprensa que os danos à vítima são maiores, o que implica maior sanção na responsabilização. Atento a isso é que o Código Penal determina o aumento da pena quando as ofensas são veiculadas através de meios que facilitam a divulgação da ofensa.

Destarte, a liberdade de expressão, como todo e qualquer direito, se sujeita a limites que decorrem do próprio texto constitucional, sendo protegida apenas quando exercida com seriedade e responsabilidade, sem ofender a honra e imagem de outrem, haja vista que a vedação à censura prévia não se confunde com imunidade ou impunidade pelos excessos perpetrados.

*Rosberg Crozara é advogado, mestre em Direito Público e professor de Direito Processual Penal e Prática Penal da Ufba e da Uneb, e da Pós-Graduação em Ciências Criminais da Faculdade Baiana de Direito

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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