O mundo sem celular – Pedro Doria
E se estivermos próximos do fim da era do smartphone? A ideia parece um tanto intempestiva, talvez absurda. Mas o smartphone não tem tanto tempo assim de idade — o primeiro iPhone é do final de 2007, e a popularização ocorreu com as redes 4G. Smartphones assim, em todas as mãos, não importa a classe social, são coisa com que convivemos mesmo faz dez anos. Agora, parece inevitável que esses aparelhos sejam completamente transformados pela inteligência artificial. Talvez até substituídos.
A transformação é inevitável por causa dos agentes. Neste momento, as quatro principais empresas desenvolvendo IA — OpenAI, Google, Anthropic e Meta — estão na corrida por quem construirá os primeiros agentes generalistas. O conceito é simples: pedimos uma coisa, o agente faz.
Não importa o quê. Pedimos para comprar uma passagem para Brasília no dia tal, o agente compra a passagem, já sabe se preferimos janela ou corredor, mais ou menos espaço, em que companhia aérea temos milhagem. Sabe que critério usamos para escolher o hotel e já se oferece para marcar um chope com aquele amigo do tempo da faculdade. Aí o agente vê que estamos atrapalhados com uma planilha para o relatório da reunião — oferece ajuda. Sugere, também, incluir as informações de um artigo científico de tema correlato. Se percebe que estamos particularmente agarrados a um livro, ou a uma série, pode oferecer similares para leitura ou para assistirmos.
Agentes parecem mágicos e não estão muito distantes. Quando se tornarem viáveis, para que precisaremos de apps? Se o agente pede a um carro que nos busque, marca passagem de avião, compra ingresso do teatro, se faz tudo, esses apps não serão mais necessários. Pedimos, acontece. O agente fala direto com os computadores de cada empresa. A maior parte do que fazemos no smartphone poderá ser resolvida sem ícones para clicar. Mesmo e-mail, redes sociais ou streaming, aquilo para que queremos uma tela, também não precisam de ícone clicável. Quero ver o filme x, o e-mail do fulano, navegar pelo Insta ou pelo TikTok. Abre a tela sem necessidade de clique. O comando de voz substitui o clique. A interface do smartphone muda.
Há um motivo para isso não ter ocorrido ainda, mesmo que todo iPhone tenha Siri e todo Android o Google Assistente. Mesmo que possamos instalar a Alexa em qualquer aparelho celular. É que os assistentes atuais não são bons o suficiente. Exigem que os comandos sejam pronunciados letra por letra, na ordem correta de palavras. Mas os agentes do futuro não serão assim porque funcionarão com linguagem natural. Falamos com as palavras que quisermos, na ordem que desejarmos, e eles simplesmente entendem. Os modelos de linguagem já entendem nossas palavras, só falta que sejam integrados aos diversos sistemas dos muitos serviços que usamos. Não é trivial, mas está a caminho.
E é aí que entra o segundo passo. Se a interface de voz é mais prática, basta pedir que algo acontece, então, para a maioria de nossos usos, talvez não seja preciso um aparelho com tela. Há três candidatos disputando esse espaço. Fones de ouvido, óculos inteligentes e broches — e os óculos correm na frente.
O mais popular é o Ray-Ban da Meta. Parece o tradicional modelo Wayfarer, mas com câmeras ao lado das lentes, caixas de som e microfone nas hastes. Ele pode ver o que vemos e interage por voz. Mas o Lambda, a IA da Meta, ainda está uns passos atrás das concorrentes. A americana Solos, fundada por engenheiros do MIT, pretende lançar agora em julho uma versão semelhante de óculos, só que nela entra o ChatGPT. Esses óculos inteligentes não são como os da Apple. As lentes são normais, escuras ou com o grau que for. Mas conversam conosco e veem nosso mundo. Se colarem, precisaremos negociar questões ligadas a privacidade.
Com os broches inteligentes, que algumas startups como Humane e Rewind aos poucos põem no mercado, o raciocínio é similar. Penduramos na roupa ou num cordão, como pingente, e andamos pelo mundo. Os aparelhos servem para darmos ordens que uma inteligência artificial processa. E, francamente, nada disso está pronto. Os óculos são convincentes, os outros aparelhos ainda não. São uma pista de um futuro possível.
O jogo está mudando, e inteligência artificial oferece uma saída para interagirmos com o universo digital sem telas. A notícia é boa.
Pedro Doria é jornalista
Fonte: O Globo