“Lockdown pela metade” e o Sobrenatural de Almeida – Maurílio Fontes

Alagoinhas viverá nos próximos dias um lockdown pela metade. A palavra, de origem inglesa, indica confinamento total de um bairro, região específica, cidade ou mesmo de um país.

Na verdade, não haverá lockdown e sim isolamento à moda brasileira/alagoinhense. 

Entradas e saídas não serão bloqueadas, a movimentação entre bairros será permitida e o transporte coletivo, com frota menor, continuará prestando o serviço diário.

E mais: supermercados funcionarão, padarias, açougues, peixarias, Central de Abastecimento aberta nos dias 3 e 4 de julho, mototaxistas e taxistas estarão à postos para o exercício do labor diário. 

E não para por aí: as feiras de Boa União e Riacho da Guia funcionarão no dia tradicional na próxima semana.

A rede bancária será fechada e qualquer movimentação só poderá ser feita por meio dos terminais eletrônicos. 

Exceções em tempos de pandemia:

1.A Caixa Econômica, em razão do auxílio emergencial, funcionará para que os pagamentos sejam realizados. Não precisa ser pitonisa para prever o futuro logo à frente: o entorno das duas agências terá grande aglomeração. 

2. Os correspondentes da Caixa (leia-se casas lotéricas) também funcionarão. 

A vida, apesar de tudo, nos dias do isolamento alagoinhense (entre 29 de junho e 6 de junho), só não será completamente normal por conta do fechamento do comércio não essencial (armarinhos, lojas de eletrodomésticos, perfumaria, roupas…. ). 

O Sobrenatural de Almeida, personagem criado pelo jornalista, escritor, contista e teatrólogo Nelson Rodrigues, seria o responsável por todos os azares do Fluminense Football Clube, seu time do coração. 

A pandemia do novo coronavírus nada tem a ver com o Sobrenatural de Almeida: o contágio indica que cada um/uma é responsável por si mesmo/mesma (obviedade) e a que a curva decrescente do contágio depende da difícil consciência coletiva sobre os procedimentos para conter a doença.

Antes da vacina, só há uma forma de não propagar a doença, com base no isolamento: quando uma pessoa contaminar menos de uma pessoa, baixando os índices para 0,9, 0,8, 0,7, que seriam imprescindíveis para o início do controle da circulação do novo coronavírus. 

Alagoinhas está longe destes índices desejáveis. 

Na semana passada, no Rio de Janeiro, uma pessoa transmitia o vírus para 2,8 pessoas, quadro totalmente fora de controle.

Não tenho este tipo de informação sobre a cadeia de transmissão em Alagoinhas. 

Além do boletim diário, a Secretaria Municipal de Saúde e a Secretaria de Comunicação deveriam fazer lives sobre o tema. É preciso massificar as informações. 

Situação completamente nova, a pandemia tem componentes polêmicos e dá margem à várias narrativas, que não cabem expor neste artigo de um não especialista em saúde pública, cujo objetivo é entender os desdobramentos políticos, sociais e econômicos das medidas da Prefeitura de Alagoinhas:

1.Custo político versus resultados práticos.

2. Capacidade da administração municipal em fiscalizar as determinações constantes do decreto a ser publicado neste domingo ou amanhã(29) pela manhã.

3. Resultados práticos em termos da queda da curva de contágio ao longo do mês de julho.

4. Tempo correto das medidas e seus desdobramentos. 

Quanto ao ponto 1, enunciado acima, a opinião deste articulista, explicitada em conversa com um secretário municipal, é que o custo político será maior ou menor a depender da capacidade de comunicação do governo, que conta com má vontade espontânea de parte da população (o governo alega, em sentido contrário, que as medidas restritivas têm apoio de mais de 60% da população).

Não vi pesquisa que teria aferido tal aprovação, portanto, considero a informação não confiável. 

Em tempos de polarizações políticas e passionais, às vésperas da campanha eleitoral, não é um medida simples, mesmo sendo um lockdown à moda local. 

A capacidade de fiscalização da Prefeitura de Alagoinhas será testada, mas sabemos, de antemão, que faltam profissionais e estrutura para a melhoria deste tipo de ação. Ademais, a fiscalização não pode ter como o foco exclusivo os vendedores ambulantes, esquecendo aqueles que têm poder econômico e político. 

É impossível prever se a curva de contágio no mês de julho será decrescente, razão de ser do isolamento a partir de terça-feira (30). 

O item 4, que poderia ser tema de artigo mais amplo, direciona para uma resposta cristalina: ao não suportar as pressões dos comerciantes (não grafo empresários, visto que em Alagoinhas eles são raros) lá atrás, o prefeito Joaquim Neto liberou a abertura do comércio e as medidas restritivas representam um passo atrás, necessário, mas que poderia rer sido evitado se o dever de casa tivesse sido cumprido de forma mais rígida e também mais rápida. 

Neste item, cabe, também, a irresponsabilidade de parte da população que poderia (e deveria) ficar em casa e não obedeceu as regras básicas de isolamento social. 

CDL

Os comerciantes de Alagoinhas, como registrei em vários textos, são a vanguarda do atraso.

A nota do presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL), Bruno Fagundes, sobre a decisão da prefeitura de fechar o comércio não essencial, além de pessimamente elaborada, mistura alhos com bugalhos, descamba para caminhos que não cabem a um dirigente lojista, sem nenhum efeito prático, a não ser jogar para sua plateia, e desconsidera o crescimento exponencial do contágio nos últimos 30 dias.

Em essência, a nota assinada por Fagundes é bolsonarista e politiza questão que deve ter a ciência como parâmetro e a preservação de vidas como objetivo principal. 

O dirigente lojista não assume, como deveria, as pressões sobre o poder público para que o comércio não fosse fechado quando os números não eram tão alarmantes. E, fechado, fosse aberto antes do tempo devido.

A aglomeração incomum no centro de Alagoinhas no dia 10 de junho, véspera do Dia dos Namorados, é o retrato da torre de babel em que se transformou o município em tempos de pandemia. 

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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