'Indústria deve melhorar lição de casa', diz presidente da Fiat
A extensão da cadeia na indústria automotiva serviu, mais uma vez, de moeda de troca para o setor negociar incentivos com o governo.
Em 2012, conseguiu a redução do IPI. Em 2013, o tributo volta ao seu nível normal, mas a lógica dos incentivos para um setor considerado “a indústria das indústrias” deve continuar.
“[a redução do] IPI sempre existiu e sempre continuará existindo”, diz o presidente da Fiat na América Latina, Cledorvino Belini.
À frente da líder em vendas em 2012 e prestes a deixar a presidência da Anfavea (associação das montadoras), Belini, recebeu a Folha em seu escritório de São Paulo, onde falou sobre temas como competitividade e inovação.
Para ele, a indústria nacional não é competitiva e precisa melhorar a lição de casa de reduzir custos. Leia abaixo os principais trechos.
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Folha – O que uma montadora precisa para ser líder no mercado brasileiro?
Cledorvino Belini – Hum. É uma pergunta de milhões de dólares… bilhões de dólares (risos). A primeira coisa, mais importante, é se antecipar, interpretar os anseios e desejos do consumidor e produzir o que desejam. Nem sempre ele pede uma característica do produto.
Você tem que criar, tem tecnologia “standard” e tem tecnologias que você tem de desenvolver para se antecipar ao mercado. É um ponto importante e a Fiat tem sido pioneira na inovação. Foi pioneira a ser a primeira montadora fora de SP, na época a 600 km de SP era muito complexa.
O Brasil vai deixar de ser um dia um país de compactos?
A Europa até hoje é [um mercado] de carros compactos e médios. Já o americano e o canadense são de grandes veículos. Está ligado a características físicas do país.
Outro dia estava vendo um produto que seria para o Brasil com três litros, para os EUA tinha que ser cinco litros. Eu não entendia. Aí eu fui entender: era por causa da neve.
Cada um [mercado] tem sua característica. E o Brasil, historicamente, vem muito com a cultura europeia, por isso eu acho que o Brasil vai ser sempre um país com característica muito forte de veículos compactos, embora no futuro deverá crescer a participação dos veículos grandes. A própria evolução da pirâmide social vai naturalmente forçar para que haja mais espaço e maior “share” dos segmentos grandes.
Isso já está acontecendo?
Já. Você vê a própria evolução do SUV no Brasil, você já percebe alguns segmentos que começam a ter maior expressão.
Não está ligado à busca de rentabilidade?
Sem dúvida nenhuma é muito difícil ganhar dinheiro com carros compactos, porém você tem que ver o tamanho do mercado. Não adianta fabricar um monte de carro grande e não ter mercado porque você vai ter de baixar os preços e vai perder dinheiro.
Nós temos um grande mercado, mas o grande consumidor é de carros compactos. Tem um fato importante, algumas pesquisas mostram que o consumidor às vezes tem um carro grande, mas precisa do carro compacto para a questão da mobilidade, facilidade de estacionamento, consumo de combustível.
Nos 11 anos de liderança e pelos dados fortes do país, a Fiat Brasil ganhou importância no grupo mundial?
Sem dúvida nenhuma. Hoje, o mais importante é o Nafta [Tratado Norte-Americano de Livre Comércio], que tem a grande força da Chrysler, e o segundo mais importante é a América Latina, pela força, pelo volume. Dos 4 milhões [vendas] que faz o grupo FiatChrysler, nós fazemos 1 milhão na América Latina.
A América Latina poderia passar em termos de importância?
Não, você tem a característica econômica da região como um todo que ainda tem…
Nós temos uma vantagem porque temos um automóvel para cada seis habitantes. Isso sim. Tem um “trend” de crescimento de demanda de veículos com maior potencialidade do que os mercados maduros, como os EUA, que têm um automóvel para 1,5 habitante, ou Europa, que tem um para cada 2 habitantes, então o “trend” de crescimento de países como Brasil e Argentina e outros países é realmente positivo nesse sentido.
Isso não colocaria a América Latina no centro das estratégias do grupo?
Olha… Sempre está no centro das estratégias. Mas não só a América Latina. Você sabe que o capital vai aonde tem retorno, vamos ser bem claros. É uma disputa muito grande, convencer os acionistas a fazer investimentos no país.
Tem períodos mais difíceis, mais fáceis, disputamos com o México, com a China, com a Turquia, com a Polônia, tem muitas de nossas fábricas que estão indo para lugares com custos mais baixos porque o fortalecimento do real e a falta de competitividade para exportação às vezes podem fazer com que os investimentos vão parar em outros países que são mais propícios, com custos menores.
Já perderam?
É o dia a dia do nosso trabalho. Às vezes perdemos um, às vezes ganhamos outros.
Ganharam [a fábrica em]Pernambuco…
Ganhamos Pernambuco. Nossa capacidade em Betim estava totalmente saturada. A planta está entre as maiores do mundo, a maior do grupo Fiat, produzindo mais de 800 mil unidades/ano e, com o potencial de crescimento do país, tínhamos a necessidade de ter uma planta.
Por que lá?
Nasceu, depois de muitas pesquisas, do próprio desenvolvimento industrial que está acontecendo, a questão do interesse de desenvolvimento regional, a questão dos incentivos regionais, e isso foi um ponto importante que levamos em consideração.
Sergio Marchionne [presidente-executivo da Fiat e da Chrysler] deu uma declaração no ano passado fazendo um paralelo com o Brasil e a fábrica de Pernambuco. Dizendo que conseguia um nível de incentivos que não se encontrava na Europa. Ele falava de incentivos como um todo, tributários e financiamento público, e citou que o nível de financiamento era superior a 80%. Precisaria ter uma fatia tão relevante de financiamento público?
Voltando ao que acabamos de falar: o capital vai, o investimento vai aonde você tem rentabilidade, aonde você tem financiamento. O mundo inteiro financia abertura de fábrica.
A indústria automobilística é uma indústria que atrai investimento por sua extensão, é uma cadeia muito longa. A gente costuma dizer que a indústria automobilística começa como uma semente: você planta uma árvore, essa árvore quando cresce você faz um carvão, desse carvão você faz o gusa, do gusa leva para fundição, que faz a peça fundida ou aço, vai para etapa de usinagem, para outro fornecedor fazer a montagem de um conjunto, para o sistemista integrar no sistema maior, para chegar na montadora, montar o automóvel e depois tem a etapa da concessionária.
É a maior cadeia, basta ver que representa 23% do PIB industrial… a importância… e não é só no Brasil, no mundo inteiro. Representa avanços tecnológicos, exige da academia que se atualize, que invista e que se desenvolva para dar suporte tecnológico à indústria. E no modelo brasileiro representa cerca de 200 mil empresas ligadas ao setor, que vai dos postos de gasolina, importadores, concessionárias. No mundo inteiro isso é uma praxe. É vista como a indústria das indústrias.
Ele reclamava que lá não conseguia isso…
Ele lá, é problema dele lá. De lá, eu não posso opinar nada. Conheço o Brasil, conheço a minha região, América Latina, e vejo outros países que dão incentivos.
Seria isso um fator de competitividade?
Hoje em dia, para atrair fábricas, é um fator de competitividade. Na disputa para a produção de um produto, financiamento e incentivos são fatores importantes.
A indústria brasileira é competitiva?
Não, a indústria brasileira não é competitiva. Tanto é que sofre o risco… sofria o risco da desindustrialização. O governo tomou medidas e está criando condições para atrair investimentos e fortalecer, mas temos muito o que fazer. Existe muito na área tributária para ser feito, a infraestrutura é fundamental para que seja mais competitiva. O custo de capital já caiu, mas ainda, se comparado a outros países, ainda…
E outro fator que complica nossa competitividade é a indexação: nós somos um país indexado. Não é uma livre negociação entre as partes, venceu um aluguel, você tem que pagar IGP-M ou IPC ou o que for contratado. Então existe um processo que vai encarecendo o custo do país, mas ao mesmo tempo você não tem uma desvalorização cambial que vai ajudando a sua competitividade.
Teria que aumentar a produtividade. Você não consegue aumentar a produtividade com altos níveis de custos que estamos sofrendo.
Qual é o maior deles?
Em geral, nos últimos anos, tem sido a mão de obra. Além da parte logística, que tem pesado bastante.
Fala-se muito do que o governo deve fazer. Como as empresas podem contribuir?
As empresas, acho que estão fazendo, e estão trabalhando muito. Racionalizando os processos industriais, racionalizando as fábricas, aplicando os modelos, tudo aquilo que melhore a qualidade e reduza o desperdício.
Esse tem sido o foco das indústria, o foco dos processos, talvez precise incrementar mais essa lição de casa, mas, quando você tem a base de custos de suas matérias-primas mais alta que a base de custo internacional, você não tem competitividade para exportar produtos e por sua vez cria espaço para importar produtos.
A indústria automobilística poderia puxar esse processo de retomada de competitividade da indústria nacional?
Se olharmos o Inovar-Auto, eu entendo que é uma ponte justamente para isso. É óbvio que se não atacarmos a questão das matérias-primas, da redução dos encargos trabalhistas, mas vejo um processo para até 2017, para trabalhar para dar a competitividade.
Há quem diga que o Inovar-Auto é frouxo nas exigências e que montadoras instaladas no Brasil há algum tempo vão ter facilidade de cumpri-las.
É uma questão de investimento. Se a Fiat fez investimento e está melhor estruturada, por que os outros não fizeram? Para você criar competitividade você tem que realmente investir. Agora, a Fiat tem que investir mais ainda.
O setor de autopeças insiste na questão da rastreabilidade dos insumos nacionais, de peças nacionais. Como vai se resolver isso?
É um sistema extremamente complexo, vai se resolver, mas vai se resolver de uma forma mais racional por uma razão simples.
Para fazer uma rastreabilidade completa é impossível os sistemas fazerem isso, então você pega um exemplo qualquer. O camarada vai fazer um parafuso, quem fez o aço, tem nióbio… onde parte disso é importado e está dentro desse parafuso, que vai entrar no sistema, que vai entrar no carro.
Fazer essa rastreabilidade completa é tecnicamente impossível nos sistemas de informação. Provavelmente o governo vai encontrar uma forma mais racional de fazer isso.
Isso não enfraquece a questão dos índices de nacionalização?
Eu acho que não porque independentemente de qualquer situação, vai sempre ser, alguns deles, particulares que não são produzidos no Brasil, serão importados.
O Inovar-Auto acaba com a questão da redução do IPI como se viu no ano passado?
São duas coisas: historicamente, o Brasil sempre fez medidas pontuais para acelerar o mercado ou desacelerar o mercado, que é o movimento do IPI.
O Inovar-Auto é uma política industrial que nunca teve, que fala que você tem de investir no mínimo tanto. Se você investir mais na engenharia ou na inovação também te dou em crédito presumido [de IPI]’. É para incentivar uma indústria criativa no Brasil. É independente. As coisas são independentes.
Uma nova redução do IPI pode acontecer no horizonte de 2013 e 2017?
O IPI é um tributo que é flexível em função do mercado. O Inovar-Auto não tem nada a ver com o IPI. O IPI sempre existiu e sempre continuará existindo.
Se no ano passado não tivesse havido a redução do IPI, a indústria cresceria?
Não.
Seria zero?
Não. Seria negativo. Se você olhar que, até o mês de maio, nós éramos -4,5% em relação ao ano anterior e numa curva decrescente, seguramente teríamos uma situação muito complexa no ano passado em termos de mercado.
Como a indústria vai crescer neste ano [a previsão é de 4%] com a retomada do IPI?
Existe uma curva de crescimento de IPI, mas entendemos que a economia como um todo deverá retomar neste ano. Quando a economia como um todo está girando em torno de 3% a 4%, aí então você pode crescer o IPI, mas tem mercado ativado.
O setor não fica muito dependente da redução do IPI?
É uma medida reguladora de mercado, no final das contas, sempre foi.
O crescimento do ano passado foi muito atribuído ao setor automotivo…
Representa 5% do PIB total, realmente com 6% (de crescimento) ele ajudou o “Pibinho”.
A atividade não está muito dependente do setor?
Não. Foi uma escolha porque realmente poderia haver uma situação complicada para o país. Não foi só o nosso setor que foi incentivado, teve linha branca, móveis, e todos eles responderam favoravelmente.
O que é importante é que o país fez a redução de juros gradativamente e deveria dar resultados neste ano através de maiores investimentos, maior consumo. À medida que baixou juros, a prestação pode baixar, consequentemente cabe no bolso, há maior consumo. Há maior consumo, precisa produzir mais. Precisando produzir mais, precisa de investimento: esse para mim é o que fecha o desenvolvimento econômico.
Por que o carro custa mais caro no Brasil do que no resto do mundo?
Eu fui comer um McDonald’s na China e paguei US$ 1,99. Esse mesmo McDonald’s, fui comer nos EUA e paguei US$ 3,44. Vim no Brasil e custava US$ 5. É uma questão do custo do país e efeito da moeda. O câmbio, à medida que se valorizou, cria essa distorção. Por que custa US$ 1,90 lá na China? Porque eles desvalorizaram a moeda deles.
Com a crise nos EUA, houve uma política monetária que inundou o país de dólares e eles acabaram no Brasil por especulação, depois a mesma coisa com a Europa, inundaram de euros. Isso fortaleceu a nossa moeda.
O que o país tem de fazer agora é a lição de casa e fazer a competitividade. No Brasil, o automóvel tem uma coisa a mais ainda que são os impostos: temos uma das mais altas cargas tributárias do mundo, além de um sistema tributário que carrega custos tributários invisíveis. É o que prejudica, na ponta, o preço do veículo, quando ele é comparado.
Há uma hipótese de margens elevadas das montadoras…
Veja bem. Os investimentos vão aonde dá rentabilidade. Se não dá rentabilidade, não tem investimentos, então os setores que estão investindo no Brasil é porque têm rentabilidade. Não se trata de margens maiores ou não.
Realmente hoje o Brasil tem margens menores do que o Nafta e temos margens maiores que a Europa. Evidente: com uma recessão da Europa, as margens caíram. Um aquecimento do mercado americano, as margens melhoraram, e nós ficamos aqui no meio. O mais importante é que tem de ter atratividade das margens para continuar investimentos.
Depois do incremento do IPI aos importados, houve redução de 30% nas vendas. Não foi uma medida muito dura?
Aquilo foi uma medida até sair o Inovar-Auto. O que estava acontecendo é que a curva dos importados estava numa exponencial e acabaria comprometendo a balança comercial brasileira.
Quem ia investir se nós também podemos trazer importados? Temos fábricas na China, no México, na Turquia, na Polônia, em todos lugares… Temos fábricas em lugares chamados “low cost” e, em vez de investir, você pode importar.
Esse era um grande risco do Brasil: virar um grande importador e perder a força que sempre teve da industrialização de carros e caminhões no Brasil. Quem quiser vender no Brasil, que venha investir no Brasil, que venha investir em produção, em engenharia e em inovação.
Como o sr. reage às críticas de que foi uma medida protecionista?
Não digo que foi uma medida protecionista, muito pelo contrário, porque está aberta a todos que querem investir no Brasil e desfrutar do mercado. Quando você tem uma crise lá fora, capacidade ociosa lá fora, todo mundo quer vir vender aqui, então está absolutamente certo criar mecanismos para atrair investimentos para o nosso país.
Não são mecanismos de proteção?
É de proteção para quem investe. O mercado está aberto. O Brasil não rejeita ninguém. Está todo mundo se inscrevendo para participar, mas tem que investir também em engenharia, em pesquisa, em inovação.
Há rumores de que o sr. pode sair do cargo. O sr. vai deixar a Fiat do Brasil?
Não tenho nada planejado sobre isso. Conheço bem esse mercado, tenho um ótimo relacionamento aqui. Acho que aqui é o meu lugar.
Para onde o sr. gostaria de ir se…
Continuar no Brasil.
O sr. vai deixar a presidência da Anfavea. Do que mais vai sentir falta?
O período da Anfavea foi realmente muito gostoso do ponto de vista da criatividade. Criamos o Inovar-Auto, foi realmente uma grande realização e o trabalho de um time, que são concorrentes no final. Esse foi o maior aprendizado que eu tive: trabalhar com esse time de concorrentes e conseguir o grande resultado que conseguimos, o Inovar-auto.
Fonte: Folha de São Paulo