Greve é política; e tudo bem – Thiago Amparo

“A greve desta terça (3) nos trens de Metrô e CPTM, que circulam sobretudo na capital paulista, e na Sabesp teve a motivação apenas política”, lê-se em editorial desta Folha, cujo título é uma ordem (ao leitor, imagino): “Privatize-se” —isto num estado onde 43% se opõem à privatização. Como uma aula de semiótica, há em cada linha um rastro de signos. A linha-fina (ou subtítulo) de fina nada tem: opõe greve política à regulação eficaz.

E aqui entra a teoria política. Despolitizar o que é político por essência, como decisões sobre como o coletivo quer exercer o direito de ir e vir nas cidades, não é um acidente, mas um projeto, leia-se, também político. Carl Schmitt dividia o mundo entre Estados que governam pessoas (o mundo do “imperium”), de um lado, e coisas ou propriedade e suas leis, de outro (o mundo do “dominium”). Por que isso é relevante?

Qualificar a greve como política versus a privatização, que seria técnica, reforça a divisão de um mundo que retira do político decisões sobre propriedade. No livro “Globalistas”, Quinn Slobodian define o encastelamento da propriedade do escrutínio democrático como a essência do neoliberalismo. O problema não é (apenas) ser a favor da privatização de serviços que são direitos básicos —embora haja bons argumentos contrários, do metrô do Rio de Janeiro à crise hídrica em Flint, em Michigan (EUA). O problema é nem sequer qualificar tal posição como política, que é.

Confundir embates político-partidários com politicagem ou ler eleições como referendos onde o ganhador tudo leva apenas reforça a despolitização da vida que levou ao bolsonarismo. O que está em jogo é a forma de vida numa metrópole desigual. A “razão dos centavos”, para usar expressão de Roberto Andrés sobre junho de 2013, é travar a disputa política sobre quem controla, e como, os rumos da cidade e a serviço de quem. Politize-se, portanto.

 

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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