“Estratégia digital política no Brasil é ridícula”, diz gaúcho que trabalhou nas campanhas de Barack Obama
O Brasil ainda está engatinhando quando o assunto é marketing político na internet. Segundo Ricardo Cappra, brasileiro de 33 anos e um dos estrategistas digitais da campanha presidencial de Barack Obama neste ano e em 2008, a tecnologia não está sendo usada em benefício das estratégias de comunicação no país. Cappra vive no Rio Grande Sul, mas passou brevemente por São Paulo para participar do Metrics Summit, evento focado em monitoramento e mensuração de resultados digitais, realizado no último dia 29. De acordo com o especialista, faltam profissionais com conhecimento em inteligência de dados no Brasil. “Os poucos que conheço estão trabalhando em projetos no exterior. As empresas no país ainda não acreditam nesses novos recursos”, explica. Confira a seguir a entrevista concedida por Cappra a VEJA.com. Na conversa, ele conta como conheceu Biz Stone, fundador do Twitter, como foi parar nas campanhas do Obama e como a catalogação de informações abertas foi imprescindível na reeleição do presidente dos Estados Unidos.
Como o senhor foi recrutado para a campanha presidencial de Barack Obama em 2008? Tudo foi muito ocasional. Em 2000, eu estava envolvido em um projeto grande na área de software. Conheci um curso, oferecido pela Universidade de Michigan, voltado à área de marketing digital. Fiquei sabendo do curso, ministrado remotamente, e também no exterior, através de alguns alunos já matriculados. A turma era muito híbrida, com pessoas de vários países. Entre os alunos tinha um cara chamado Biz Stone, que mais tarde fundaria o Twitter. Nos conhecemos pessoalmente no Panamá e depois disso ele me chamou para participar de alguns projetos de redes sociais, quando esse termo sequer era popular. Ele me colocou em um projeto do Barcelona, depois em um da Microsoft. Foi por meio desses trabalhos que acabei sendo convidado para participar da campanha do Obama.
E o que o senhor fez na campanha de 2008? Como já tinha bastante conhecimento na área estratégica e na mensuração de resultados, fui alocado para trabalhar em um projeto voltado ao povo latino. Foi um papel bem diferente do que desempenhei na campanha deste ano. Tinha de adequar as mensagens para que todos, indiferente da origem étnica, regional ou cultural, entendessem o conteúdo.
Muita coisa aconteceu desde que o senhor conheceu o Biz Stone, em 2000. A explosão do Twitter foi apenas uma dessas grandes mudanças. O senhor ainda mantém contato com o Stone? Trocamos muitas mensagens, mas nos falamos pouco. Mantemos uma boa relação desde a época do curso.
Quais outros projetos relevantes o senhor desenvolveu na área de marketing digital? Cuidei de uma ação para o Gatorade muito legal chamada Command Center. O projeto era uma central de controle de mídias sociais, através da qual uma equipe de 36 pessoas podiam acompanhar, em tempo real, todas as citações da marca na rede, em todos os países, por meio de várias telas.
Esse centro de comando ainda segue funcionando? Onde ele fica sediado? Ele está funcionando e fica na matriz da Pepsico, nos Estados Unidos. O modelo está sendo replicado para outros países e o Brasil, inclusive, já recebeu uma pequena parte operacional desse projeto.
O senhor também desenvolveu projetos para a BlackBerry? Desenvolvi um projeto para a BlackBerry voltado à ciência de dados. Eles queriam uma nova abordagem para um novo produto, que ainda nem foi lançado. Fizemos um grande trabalho com base na ciência de dados para entender o consumidor como um todo e também para prever o que será tendência nos próximos dois anos. Esse produto da BlackBerry deve ser lançado no início de 2013
Já que estamos falando sobre estratégia de produto, qual a principal diferença de uma campanha política e de uma campanha promovida para o setor privado na rede?Geralmente as pessoas ficam surpresas quando me posiciono sobre isso. Eu sou uma pessoa que não gosta de política. Quando recebi o convite para a campanha do Obama deixei isso bem claro. Para nós, que estávamos trabalhando na campanha, não havia qualquer motivação política. A estratégia digital para uma marca tradicional não difere em nada de uma estratégia de campanha. Isso porque, nos Estados Unidos, o comitê para uma campanha on-line não tem absolutamente nada a ver com o comitê do presidente.
O senhor fala bastante sobre a ciência de dados. Essa foi uma estratégia bastante explorada na campanha do Obama em 2012? Esse é, inclusive, o assunto da minha palestra em São Paulo. Neste ano, foi montada uma área chamada The Cave. Esse era o centro de inteligência de dados para alimentar toda a estratégia de comunicação da campanha. Eram 12 pessoas que ficavam dentro de uma sala. Eles viviam lá. Passaram 60 dias isolados neste local, já que lidavam com muitas informações estratégicas. Eles tinham acesso a todo tipo de dado e o que filtravam dali direcionava toda a campanha. Neste ano, a inteligência de comunicação não foi por segmento de cultura, como em 2008, mas em inteligência de dados.
E como isso funcionava na prática? Essa turma reportava para uma equipe de quatro pessoas – da qual eu, dois americanos e um russo faziam parte – todas as informações mineradas a partir dos dados. Entendíamos o que estava acontecendo em uma região e então sugeríamos uma ação para os estrategistas da campanha. Tudo isso, vale ressaltar, em tempo real. Cerca de 15 dias antes do primeiro debate do Obama, já sabíamos que seu desempenho não seria satisfatório. Dessa forma, planejamos uma ação on-line, que foi ao ar uma hora depois do programa.
Todos os dados analisados eram públicos? Todos os dados eram públicos e foram mensurados através de ferramentas open source.
Quais eram as fontes desses dados? Todas as que conseguimos localizar. Dados de redes sociais, órgãos públicos, partido. Nosso maior trabalho era catalogar essas informações. A partir do momento em que esses dados eram organizados, ficava fácil personalizar uma mensagem para um público realmente interessado naquela informação.
Além do mau desempenho do Obama em seu primeiro debate, o que mais conseguiram prever através da ciência de dados? Conseguimos prever o resultado das eleições com 30 dias de antecedência. Mapeamos todos os estados onde o Obama ganharia as eleições e de quanto seria o seu percentual de vitória. Acertamos em 96% dos resultados.
O senhor trabalhava remotamente aqui do Brasil? Exatamente. Não precisava ir até os Estados Unidos para dar suporte aos programadores da Cave.
Qual era o perfil dessa turma que trabalhava na Cave? Eles eram muito jovens e todos da área de programação. Dentro da Cave não tinha ninguém de comunicação. A informação que saia de lá era filtrada por nós quatro e, em seguida, era encaminhada para os estrategistas de campanha.
Como o senhor avalia as eleições municipais brasileiras deste ano? O Brasil nem começou a utilizar a inteligência de dados em suas campanhas políticas. O país sequer entendeu o que é isso. Na política o seu uso foi zero. Poucas pessoas conhecem as ferramentas adequadas para se trabalhar com isso e, os poucos que se conhecem, mantém contato. Todos esses profissionais estão conectados e trabalhando em projetos no exterior. A estratégia digital dos políticos brasileiros é ridícula. Não dá para comparar o que se faz nos Estados Unidos com o que se faz no Brasil. Temos talentos na área de marketing digital, mas eles não estão usando a tecnologia em benefício das estratégias de comunicação. Acho bonito ver o Brasil aproveitando a crise para crescer, mas estamos muito atrasados em pesquisa e desenvolvimento.
O senhor atua como consultor independente? Isso mesmo. Atuo como consultor independente em ações pontuais e mantenho contrato com algumas companhias como Gatorade, Obama e Nike. Tenho trabalhado bastante também na área de educação, já que sinto na pele a falta de profissionais nessa área. Sempre me pedem indicações para projetos legais não tenho quem indicar. Tenho me dedicado bastante à educação de pós-graduação. Trabalho com a Fundação Getulio Vargas (FGV), com a Fundação Dom Cabral e com a Perestroika. É muito prazeroso ver as pessoas transformando o conteúdo das aulas em projetos legais.