Em livro, economista diz que dívida externa é um negócio
Estudar a história da dívida externa para além da economia, identificando relações políticas e de negócios. Essa é a proposta de Rabah Benakouche, 60, professor de economia internacional da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), em seu novo livro, “Bazar da Dívida Externa Brasileira”.
O doutor em economia pela Universidade de Paris afirma que muitos se beneficiaram do endividamento externo –que hoje deixou o centro das atenções. Sobre a crise europeia, diz que “a gestão da moeda foi privatizada”. Leia entrevista.
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Folha – Em “Bazar da Dívida Externa Brasileira” o sr. afirma que a dívida é essencialmente um negócio. Por quê?
Rabah Benakouche – O endividamento externo do Brasil é um fato que envolve não só a dimensão financeira mas também dimensões organizacionais, negociais e, sobretudo, políticas.
Ao levar em consideração essas múltiplas dimensões, considero que o termo bazar dá uma ideia do processo.
O endividamento atendeu e atende a interesses e políticas tanto de gregos quanto de troianos. É um negócio porque os empréstimos geraram endividamento do qual participam diversos atores externos –organismos multilaterais, agências governamentais, milhares de bancos privados internacionais, inúmeros executivos de todos os níveis– e internos –empresas privadas nacionais, bancos públicos e privados, órgãos de governo, banco central etc.
Como ocorre o negócio?
Se todos esses setores se mobilizam e se prontificam, gastando tempo e dinheiro, a participar do negócio de endividamento, é porque dele tiram lucros, juros, “spreads”, benefícios financeiros, políticos, entre outros.
Assim, ampliam sua área de atuação e de influência. O que permite realizar, por exemplo, projetos de desenvolvimento ou de transferência de tecnologia.
Tento desvendar no livro os sentidos e os significados das redes de conexão entre juros, “spread”, prazos, interesses, estratégias, decisões e tomadores de decisão. E tento apontar os atores que se beneficiaram no processo de endividamento.
O endividamento foi bom ou ruim para o país?
Bom ou ruim é uma questão de valor. A pergunta que se faz é se o Brasil tinha outras opções para captar recursos. Acho que não.
Dentro do projeto de desenvolvimento que se quis, era um caminho incontornável. Não aconteceu só no Brasil, mas em toda a América Latina, na África.
Correspondeu a um momento da globalização da economia. Minha proposta é analisar o que foi feito, em que condição, quais são as contradições desse processo.
Na renegociação da dívida houve socialização das perdas privadas? Quem foram os beneficiários?
Levantamentos feitos por vários atores e instituições mostram a existência dessa socialização. Os beneficiários foram grandes empresas.
Empresas estatais foram utilizadas como meio de captação de recursos externos. Essas mesmas empresas congelaram seus preços em nível mais baixo do preço de mercado. Portanto, ganharam as empresas privadas que participaram desse processo.
O sr. também estudou a dívida dos países ricos. Como está esse processo?
A dívida também se fez presente em todos os momentos da história do Primeiro Mundo, e o seu montante é colossal. Sua verdadeira face foi revelada pelo tsunami financeiro que enredou todos os países europeus após a crise nos EUA de 2007-2009.
Desde então, descobriu-se que a quase totalidade dos países do Primeiro Mundo vive bem acima das suas condições econômicas.
Os EUA não têm dívida externa, mas uma quase dívida. Pagam suas contas com a própria moeda nacional, o dólar, que é divisa internacional.
Os americanos são sustentados pelo resto do mundo, à semelhança dos senhores feudais, que recebiam seus rendimentos por meio da senhoriagem.
Como o sr. avalia especificamente a situação da dívida nos países europeus?
Não há perspectiva animadora para países como Grécia e Portugal. São candidatos ao subdesenvolvimento. A causa principal, tanto nesses países quanto na França, por exemplo, deve-se à privatização da moeda.
Essas nações perderam, efetivamente, sua capacidade de ter política monetária e, por consequência, recorrem ao mercado de capitais para fazer frente às suas necessidades de investimento e de gestão de deficit.
A gestão da moeda foi privatizada. A criação monetária ficou nas mãos do setor privado.
Fonte: Folha de São Paulo