Em Florianópolis, o salário é um detalhe

Aos 31 anos, o paulistano Rafael Rodrigues desfruta do cotidiano com o qual sempre sonhou: mora em Florianópolis, bem perto da praia, e é diretor de marketing de uma empresa sintonizada com seu estilo de vida, a JR Adamver, fabricante dos óculos Mormaii — ele adora surfar e desde a adolescência é fã da marca esportiva.

“Quando eu soube desta vaga, há três anos, corri para me candidatar. Aceitei ganhar metade do salário que recebia numa multinacional em São Paulo, mas não me arrependo”, diz Rodrigues. Habituado à formalidade de São Paulo, Rodrigues estranhou inicialmente o código de vestimenta da empresa.

Durante o verão, muitos dos 250 funcionários da JR Adamver, inclusive os de alto escalão, vão trabalhar de bermuda e chinelos. O clima descontraído e a paisagem paradisíaca de Florianópolis fazem Rodrigues encarar com bom humor até o trânsito.

“Aqui também há engarrafamentos, mas, pelo menos, o cenário ao redor é sempre bonito”, diz ele, que é formado em marketing e fez especializações em negócios na Universidade da Califórnia, Berkeley e em relações públicas na Universidade Colúmbia, nos Estados Unidos.

Rodrigues é um exemplo do tipo de mão de obra que muitas empresas de Florianópolis conseguem atrair com o apelo de melhor qualidade de vida — profissionais de alto nível que decidem abrir mão da vida agitada nos grandes centros ao perceber que é possível conciliar a carreira com uma rotina menos estressante.

São trabalhadores que ajudam a capital catarinense a se destacar como a melhor cidade brasileira em qualidade da mão de obra, segundo estudo da consultoria Urban Systems para EXAME.

Dos empregos formais disponíveis hoje em Florianópolis, 39% são ocupados por profissionais com curso universitário, mais que o dobro da média nacional. O salário médio dos empregados com carteira assinada (3 178 reais) é o quarto maior entre as cidades pesquisadas.

O alto grau de escolaridade dos trabalhadores de Florianópolis decorre também do fato de a cidade ser um polo universitário. Suas instituições de ensino superior, em especial a Universidade Federal de Santa Catarina e a Universidade do Estado de Santa Catarina, têm boa reputação e atraem jovens de todas as regiões catarinenses e de outros estados.

Muitos desses jovens, que até recentemente pensariam em Florianópolis apenas como um ponto de passagem, acabam encontrando oportunidades de trabalho para se fixar na cidade — especialmente em carreiras que lidam com a criatividade, como design, marketing e tecnologia da informação, área que conta com um polo em expansão na cidade.

Nos últimos anos, no entanto, Florianópolis não tem se destacado pela geração de empregos. O número de vagas formais cresceu 11% entre 2008 e 2012, ante a média brasileira de 20%. De certa forma, esse é um ponto que os empreendedores locais têm usado a seu favor, já que diminui o assédio aos bons profissionais, que não têm tanta opção para mudar de emprego.

“A característica mais marcante da mão de obra de Florianópolis é o alto nível de fidelidade e de engajamento quando há uma identificação com a cultura da empresa”, diz Rafael Biasotto, de 38 anos, fundador da Uatt? (assim mesmo, com ponto de interrogação), rede de lojas especializadas em presentes criativos.

A Uatt? começou há 12 anos como uma empresa de fundo de quintal, produzindo luminárias e porta-retratos de polipropileno. Hoje emprega 170 pessoas e distribui seus produtos em mais de 4 000 pontos de venda no país. Sua política é mesclar jovens profissionais recrutados localmente com gestores com experiência em empresas de primeira linha.

“Temos planos de expansão internacional e precisamos de pessoas com postura de dono, que saibam identificar e resolver problemas”, diz Biasotto. “Felizmente, temos conseguido atrair gente com esse perfil.”

Graças a seus bons indicadores de educação e renda, Florianópolis tem o melhor índice de desenvolvimento humano entre as capitais brasileiras — e o terceiro melhor entre todos os municípios. Mas, claro, não é um mar de facilidade para quem quer trabalhar ou investir nela.

Tem, por exemplo, péssimos índices de saneamento básico — sua taxa de coleta de esgoto é inferior à já sofrível média brasileira. Quem está montando um negócio enfrenta dificuldade em recrutar e manter os empregados menos qualificados, especialmente no verão — muitos largam o emprego para ganhar mais como vendedor ambulante, garçom ou manobrista.

A cidade também sofre com a crescente violência urbana. A taxa de homicídios, de 20,4 casos por 100 000 habitantes, é superior à de São Paulo (11,9). Mesmo quando se coloca tudo isso na balança, poucos hesitam em afirmar que Florianópolis é quase um oásis no deserto.

O empresário gaúcho Valter Tomazzoni, fundador da JR Adamver, considera Florianópolis o melhor exemplo no Brasil de “ócio criativo”, conceito criado pelo sociólogo italiano Domenico de Masi, segundo o qual é possível conciliar trabalho, estudo e lazer de forma harmônica.

“Em Florianópolis, não trabalhamos menos do que nas maiores metrópoles”, diz Tomazzoni. “Mas aproveitamos melhor as horas fora da empresa, e isso ajuda a renovar a energia e aumentar a produtividade.”

Fonte: Exame

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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