Eleitores que não pretendem votar em ninguém se dizem desiludidos com a política

Decepção, desencanto, descrença, frustração, desconfiança, desilusão.

Esses sentimentos unem um grupo de seis pessoas convidadas pela Folha que representam a crescente fatia dos brasileiros que rejeitam as eleições.

Segundo a mais recente pesquisa Datafolha para presidente, de junho, aproximadamente um em cada quatro brasileiros (23%) votará em branco ou nulo —quase o triplo do índice registrado pelo instituto na mesma época da campanha de 2014 (8%).

Para os entrevistados ouvidos na Redação do jornal na quarta-feira (27), o desgosto com os políticos, as teias de corrupção expostas pela Operação Lava Jato e a falta de opções explicam a decisão de não votar em ninguém.

Antes deles, a Folha reuniu para entrevistas, desde março, apoiadores dos principais presidenciáveis: Jair Bolsonaro (PSL), Geraldo Alckmin (PSDB), Lula ou outro candidato do PT, Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT).

“Sempre votei. E acho um absurdo eu não ter em quem votar”, disse a mais velha do grupo que não apoia ninguém, a corretora de imóveis Maria Christina Baseggio, 65.

Moradora de Interlagos (zona sul), ela se convenceu do voto nulo ao ver “essa sujeirada toda, não só de um partido”, que a deixou “sem ninguém em quem acreditar”.

“Neste ano me bateu um desespero”, afirmou Thalita Aparecida da Silva Matos, 34. “A opção tem que ser entre votar no menos pior e se abster de votar”, disse a professora de ginástica laboral, que vive no Grajaú (zona sul).

“Hoje, minha decisão é votar nulo, para todos os níveis.”

Ironia do destino, Thalita deverá passar o dia todo da eleição bem perto da urna eletrônica: ela sempre é convocada pela Justiça Eleitoral para trabalhar como mesária.

O professor de história desempregado e ex-vigilante Vergmar Silva Pastro, 41, bem queria passar longe de seção eleitoral. Mas vai comparecer para marcar o voto em branco porque quer evitar problemas com seu título de eleitor.

“Ninguém me representa atualmente, e vou manter essa decisão até o final”, afirmou ele, morador de São Miguel Paulista (zona leste).

“Mas não vou deixar de ir à urna. Tenho outras pretensões, como tirar passaporte para viajar, fazer concurso público”, afirmou, citando duas situações em que o comprovante de quitação com a Justiça Eleitoral é exigido.

Outra desencantada, a psicóloga Andrea Pereira dos Santos, 49, falou sobre o papel que a ausência terá: “Com meu pequeno movimento, quero dizer a esses candidatos que eles não me representam”.

Ela, do Sacomã (zona sul), diz se sentir enganada. “São candidatos que repetem a mesma história. Não sinto movimento nenhum para uma mudança. Entra ano e sai ano e a coisa continua.”

A psicóloga fará pela primeira vez o que a vigilante Elizabete Gomes dos Santos, 39, diz fazer há pelo menos três eleições. “Anulo por decepção mesmo, porque não tem alguém que faça o que a gente merece. Vou lá votar só porque sou obrigada”, afirma.

Moradora da Vila Curuçá (zona leste), ela rejeita a acusação de que quem anula o voto se omite. “É minha opinião e ela deve ser respeitada. Qual a representação que tenho? Essa baderna que está aí?”

Negação do sistema é o que mais há no discurso do sexto participante da conversa. Danilo Henrique dos Santos, 37, se define como anarquista e usa a alcunha de antifascista (termo que tatuou no peito).

Radicalmente antivoto, ele destoa dos demais entrevistados porque a ausência eleitoral, para ele, é tradição.

Danilo afirma que nunca votou e passa longe da ala que justifica essa postura com os escândalos de corrupção ou com a inércia de autoridades.

“Não acredito nessa participação e nem nessa suposta República Federativa do Brasil”, afirma ele, que vive na Penha (zona leste). “Desculpe, isso aqui é uma colônia. Não tenho a ilusão de ótica de achar que a gente vive em um país.”

O Brasil, diz, é “colônia escravagista do capital especulativo estadunidense e europeu”.

LAVA JATO

A operação que tem como símbolo o juiz Sergio Moro e outras investigações, derivadas ou não da Lava Jato, foram mencionadas na conversa como o estopim para o sentimento de revolta.

“A Lava Jato tem um peso de 90% na minha decisão”, disse Thalita. “Acho que a roubalheira nunca tinha ficado tão escrachada, tão explícita.”

Na visão da professora, as apurações mostram que a democracia não está sendo levada a sério. “Os políticos estão se fazendo valer daquilo que eles têm, que é o poder de mudar as nossas vidas, para um lado negativo, o lado deles.”

“A Lava Jato”, completou a psicóloga Andrea, “fez com que pensássemos um pouco mais sobre para onde está indo o nosso dinheiro. Acho que está todo mundo envolvido. Só eu não estou!”, brincou.

Danilo, na contramão, é crítico da operação, que caracteriza como “um projeto de desmonte da indústria nacional”.

“A função da Lava Jato era tirar o PT da disputa eleitoral. Eles conseguiram. A eleição é uma farsa? É. E, em 2018, além de farsa, ela é fraudulenta.”

VOTO DE PROTESTO

O não voto é visto também como um protesto. “É uma forma de dar a minha opinião”, explicou a vigilante Elizabete.

“Estou mostrando que não estou satisfeita. É que nem o [João] Doria. Não votei nele. Muitos do meu convívio se arrependeram. Disseram que votaram nele por ele ser rico e que, por isso, não roubaria. Não se iludam!”, emendou.

O ex-prefeito de São Paulo, que assumiu em 2017 e renunciou em abril para se candidatar a governador pelo PSDB, virou o assunto no papo.

“Em todas as entrevistas que ele deu, falou categoricamente: ‘Não sou político, sou gestor, e vou cumprir meu mandato de quatro anos’. Eu desacreditei nele”, afirmou Vergmar, que disse também não ter sido eleitor do tucano.

Na eleição de 2016, o fenômeno dos nulos e brancos já dava as caras com mais força do que em pleitos anteriores.

Na cidade de São Paulo, dois anos atrás, 16,6% dos eleitores marcaram nulo ou branco –um aumento de 30% em relação à votação de 2012.

Outro exemplo da onda de letargia veio no fim de semana passado, no segundo turno da eleição suplementar para governador do Tocantins.

Nulos e brancos somaram 26%. Do total de eleitores aptos a votar no estado, 35% nem sequer foram às urnas.

LAVANDO AS MÃOS

“Eu prefiro neste momento me omitir do que dar meu voto para uma pessoa que possa colocar a vida da população inteira em risco. É uma omissão, mas com característica de medo”, disse Thalita.

Por outro lado, ela vê omissão também nos eleitos. “Nunca me senti feliz com algo que algum político fez. Onde moro, o que vejo é gente falando: ‘Ah, eu vou votar em fulano porque ele reformou o campo de futebol do bairro’.”

Elizabete reagiu com um misto de desdém e frustração: “Mas é só isso? Um campo?!”.

“É só isso que ele fez! E o resto?”, respondeu Thalita.

Não houve consenso, no grupo com o qual a Folha conversou, sobre quais seriam os caminhos para resolver a crise apontada por todos.

Mesmo com tantas opções —hoje são pelo menos 15 pré-candidatos—, os entrevistados dizem que dificilmente se convenceriam a mudar de ideia e votar para presidente.

Maria Christina ainda cogita dar seu voto para outros cargos, como deputado e senador, mas a tendência atual é de anular em todos os níveis.

“Para presidente, eu votaria em quem fosse investir em educação. Mas ele teria que provar. E como a gente vai saber? Eu teria que acreditar.”

“Dos que estão aí, ninguém presta”, seguiu ela. “São os antigões, os medalhões, que já fizeram e não prestaram.”

“Não tem nenhum político sendo candidato que vá na direção oposta desse processo de neocolonialismo”, afirmou Danilo, o ativista anarquista.

“Para mudar de ideia, eu teria que puxar o histórico do candidato”, disse Vergmar. “Eu geralmente faço isso. Mas esse é o grande problema.”

POR QUE ELES NÃO VOTAM EM NENHUM CANDIDATO
  1. O sentimento de desilusão com a classe política é muito difundido. O discurso é o de que não há pessoas confiáveis
  2. Eleitores dizem que não se sentem representados pelos candidatos, que repetem promessas e não cumprem
  3. É forte a impressão, corroborada pela Lava Jato, de que todos os políticos e partidos estão de alguma forma envolvidos em corrupção
  4. Não votar em ninguém é uma forma de protesto, uma maneira de mostrar que os cidadãos não estão satisfeitos com o comportamento dos políticos e a condução do país
  5. Ajudar a eleger alguém envolve o risco de ser também responsável pelo mandato, que pode, em vez de melhorar, piorar a situação do país
EXEMPLOS RECENTES
  • 26% foi o total de votos nulos e brancos na eleição suplementar para governador do Tocantins, em 24.jun
  • 35% dos eleitores no estado se abstiveram e nem compareceram às urnas
  • 16% das pessoas que votaram para prefeito de São Paulo em 2016 anularam ou votaram em branco, alta de 30% em relação a 2012
COMO OS ELEITORES FORAM SELECIONADOS

A fonte principal para a reportagem chegar até os eleitores que decidiram votar branco ou nulo foi a lista dos que declararam essa opção ao instituto de pesquisa Datafolha, parte do Grupo Folha. Postagens sobre o tema nas redes sociais também serviram de caminho para a reportagem. O método foi o mesmo utilizado em todas as edições da série de conversas da Folha com os eleitores dos principais presidenciáveis na eleição para o Palácio do Planalto em 2018 –os de Jair Bolsonaro (PSL), Lula ou outro candidato do PT, Geraldo Alckmin (PSDB), Marina Silva (Rede) e Ciro Gomes (PDT).

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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