Crônicas “Evocativas” de pessoas e de “Lugares de Memórias” – “Prolegômenos” – José Jorge Andrade Damasceno

Depois de algum tempo sem aparecer nas páginas do Alagoinhas Hoje, sob a benevolência de seu editor, este escrevedor volta aqui, para trazer aos seus leitores, um feixe de “crônicas “evocativas” de pessoas e “lugares de Memória”, contendo um conjunto formado por TREZE crônicas, escritas entre os anos de 2020 e 2022, fundamentado em seu rememorar de fatos vividos, de pessoas com as quais tivera contato e/ou convivera, além de lugares com os quais interagira e/ou vivera em algum momento de sua vida.

Nos textos literários, nas descrições das paisagens, nas evocações dos sabores,  nas rememorações dos cheiros e dos sons, podem ser encontrados os elementos indispensáveis ao processo de construção da narrativa, no sentido de empreender uma elaboração imagética rica de elementos sensitivos que possibilitem uma apropriação do vivido no tempo e no espaço, na medida em que, evocados a partir da memória olfativa, da memória  gustativa e da memória auditiva, tomam parte do processo de apreensão da paisagem, o que, em geral, se daria, apenas por meio da percepção visual.

Com o objetivo de atrair o interesse do leitor e, por conseguinte, chamar a sua atenção para aquilo que pretende desenvolver ao longo de sua exposição, este cronista procurará construir a tessitura narrativa, por meio de fios descritivos perceptíveis aos diversos sentidos, estruturando-os em linguagens multifacetadas, cuja elaboração, permite a utilização de elementos sensitivos, por meio dos quais, os seus interlocutores são instigados a selecionar o que lembrar, ou o que não lembrar, a partir dos elementos evocados pelas técnicas descritivas empregadas no texto.

Neste sentido, o texto elaborado pelo historiador, poderá se apropriar de elementos utilizados na construção literária, intentando desenvolver a escrita historiográfica, por meio da qual, apresentará o resultado de suas reflexões, na medida em que os elementos descritivos podem servir-lhe como fios condutores da narrativa histórica.

Assim, cabe reforçar a assertiva de ser a memória, não um elemento neutro e isento das mediações sociais, mas sim, fruto do lugar de sociabilidade do sujeito que se dispõe a lembrar e, que por sua vez, usa da prerrogativa de selecionar o que e quando lembrar. Tzvetan Todorov, em “Memória do Mal, Tentação do Bem”, ao desenvolver o capítulo “A conservação do passado, afirma que “a memória não se opõe absolutamente ao esquecimento. Os dois termos que formam contraste são a supressão (o esquecimento) e a conservação; a memória é, sempre e necessariamente, uma interação dos dois” (TODOROV,  2002, p. 148).

As “evocações” tornadas públicas por cronistas, historiadores e/ou literatos, têm pelo menos dois grandes propósitos. O primeiro seria o de dar a conhecer a representação de um passado por eles vivido, no sentido de que outras pessoas possam compartilhar de suas experiências e, quiçá, delas tirar lições para o presente; o segundo, este não tão explícito quanto o primeiro, é o de reelaborar os “fatos” por eles escolhidos, construindo sua narrativa de modo a empreender sua interpretação daquilo que por eles foi vivido e/ou foi do seu conhecimento. Assim, aplica-se uma vez mais a observação de T. Todorov, segundo a qual

A reconstituição integral do passado é coisa impossível. Se existisse, seria pavorosa,[…]. A memória é forçosamente uma seleção: certos detalhes do acontecimento serão conservados, outros, afastados, logo de início ou aos poucos, e, portanto, esquecidos (TODOROV, 2002, p. 148).

Vale-se aqui de Maurice Halbwachs, um dos precursores dos estudos relacionados com a memória em sua dimensão social, quando discorre a respeito do trabalho da memória no processo de lembrar. O autor de “A Memória Coletiva” sustenta a assertiva de que

[…] cada memória individual é um ponto de vista sobre a memória coletiva, que este ponto de vista muda conforme o lugar que ali eu ocupo, e que este lugar mesmo muda segundo as relações que mantenho com outros meios. Não é de admirar que, do instrumento comum, nem todos aproveitam do mesmo modo. Todavia quando tentamos explicar essa diversidade, voltamos sempre a uma combinação de influências que são, todas,  de natureza social” (HALBWACH, 1990,p. 51).

Desta forma, pode-se compreender o fato de haver percepções diferentes, até mesmo divergentes de um mesmo momento histórico, quando este é narrado, uma vez que as escolhas feitas pelos narradores, obedecem às mediações inerentes ao seu “lugar de pertencimento” e ao lugar a partir do qual realiza sua observação. É assim que Todorov  entende  que o processo de “reviver o passado no presente”, precisaria passar pelas etapas de “estabelecimento dos fatos”, onde se dá o primeiro ato de selecionar, ora involuntário e inconsciente, ora deliberada e conscientemente realizado; depois, passa-se para o que o autor denomina “a construção do sentido”, que consiste em “[…],interpretá-los, isto é, essencialmente, relacioná-los uns aos outros, reconhecer as causas e os efeitos, formular semelhanças, gradações, oposições”. Segundo ele, “a construção do sentido tem por objetivo compreender o passado; e querer compreender – tanto o passado como o presente – é próprio do homem”; por fim, vem a etapa do “aproveitamento”.

Sobre ela, Todorov afirma que:

[…] Poderíamos designar por esse termo um tanto irreverente um terceiro estágio da vida do passado no presente, e que é a instrumentalização dele com vistas a objetivos atuais. Após ter sido reconhecido e interpretado, o passado será agora utilizado. É assim que procedem as pessoas privadas, que põem o passado a serviço de suas necessidades presentes, mas também os políticos, que relembram fatos passados para alcançar objetivos novos. (TODOROV, 2002, p. 148).

Portanto, as doze crônicas que aparecerão no Alagoinhas Hoje, a partir da sua próxima edição, pretendem evocar algumas das vivências do seu autor, mas, sobretudo, apontar para a necessidade de contribuir para a compreensão do papel da memória no processo de desenvolvimento da pesquisa histórica, não apenas tendo como foco este ou aquele indivíduo que torna pública alguma de suas circunstâncias cotidianas, mas, sobretudo, procurando considerar a história social, em um dado tempo e lugar.

É assim que, esperando estar promovendo a curiosidade de pessoas interessadas em desenvolver uma pesquisa histórica em torno da cidade, considerando a sua vida social, política, intelectual, cultural e cotidiana, deixa-se ao crivo dos exigentes leitores deste periódico digital, a mensuração da sua validade no que concerne aos propósitos explicitados pelo seu autor.

José Jorge Andrade Damasceno – Professor Titular na Universidade  do Estado da Bahia (UNEB), no Colegiado de História do Departamento de Educação – Campus II, Alagoinhas.

E-mail: historiadorbaiano@gmail.com

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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