Carta da professora Iraci Gama ao editor do Alagoinhas Hoje
Em função da qualidade do texto da professora Iraci Gama e da repercussão nas redes sociais – e mais ainda em razão do feriado -, o Alagoinhas Hoje o republica na manhã desta segunda-feira, 1º de Abril.
Aviso aos navegantes: nada de brincadeirinhas acerca do dia de hoje, porque não se pode reescrever a história ao sabor de interesses menores.
As afirmações da professora impõem ao AH novas responsabilidades e a continuidade do trabalho desenvolvido.
Quando a imprensa causa insatisfação aos que estão no poder – este é o caso do Alagoinhas Hoje – existe a certeza que o caminho está correto.
Dele não nos afastaremos.
Alagoinhas, 26 de março de 2013.
De: Iraci Gama Santa Luzia
Para: Maurílio Fontes – criador/idealizador do site Alagoinhas Hoje
Prezado Maurílio,
Você sabe das minhas dificuldades com a área digital, razão por que dependo de alguém para abrir meu próprio e-mail. Essa deficiência me impede de “navegar” à vontade, mas, de vez em quando, leio boas mensagens que mandam para mim. Hoje, me falaram de um texto e o postaram no meu e-mail: “Qual é a atitude dos cães, quando a caravana passa?” Fui lendo o texto e me assustando, com tanta agressividade. E fiz releitura, várias vezes, procurando sair da compreensão das ideias, para descobrir o que estava por trás das palavras, nas entrelinhas, que justificasse aquele tom de desprezo, aquele ataque pessoal.
Inicialmente, achei que o Maurílio do texto não era você, porque não conseguia encontrá-lo na caraterização feita, mas a relação com o site Alagoinhas Hoje não deixava dúvida quanto ao personagem focalizado. Sim, eles criaram um personagem com seu nome, para descarregar, num ímpeto violento de destruição, toda a raiva que os dominava. E foi exatamente essa descoberta que me impulsionou a produzir esta carta, pedindo-lhe que ela seja publicada no seu site, como uma forma de demonstrar a minha repulsa por esse tipo de atitude. Encontrei, no terceiro parágrafo, o ponto alto dessa “disputa”. O seu oponente tece considerações elogiosas a si mesmo, relatando todas as proezas de sua vida, no campo profissional e pessoal, como espaço de produção na área de trabalho, e nas relações interpessoais, para, comparando-se a você, “desmanchar” seu personagem, como sendo o oposto, exatamente o oposto da brilhante figura que ele é, com a frase: “Infelizmente não posso dizer o mesmo de certas pessoas que atuam no nosso meio, que por onde passa (ou passou) acaba deixando um rastro de desagregação, antipatia e repugnância, algo muito típico dos seres arrogantes e prepotentes.”
Maurílio, essa frase me incomodou bastante, pelo exagero de negatividade, razão por que escolhi fazer sobre ela o meu comentário. Vejamos. Há trinta anos nos conhecemos, como parceiros de atividades sócio-culturais e educacionais de grande efeito político. Em 1984, já lutávamos por “Diretas Já”, no processo de redemocratização do Brasil, para trazer, de volta, a liberdade de ação e de expressão usurpada pela ditadura civil-militar iniciada em 1964 e estendemos essa campanha à eleição direta na Faculdade de Formação de Professores de Alagoinhas-FFPA, com o “slogan – DIRETAS JÁ, NA FFPA – o que se tornou realidade, em 1989, para toda a UNEB. Em 1985, criamos a Casa da Cultura – CASCA, que tinha uma diretoria de treze membros, onde eu era a presidente e você o vice-presidente para assuntos de Literatura. Em 1986,você passou no vestibular do Curso de História da FFPA/UNEB e aí nos encontramos, logo no primeiro semestre, em uma disciplina, como aluno e professora. E a relação, mais estreita agora, pela ligação CASCA/FFPA, nos leva a muitos outros projetos, como os Encontros de Cultura (onze, até l993), à discussão sobre o Centro de Cultura (inaugurado em 1986) e à criação da Secretaria de Cultura, Esporte e Lazer, em 1988. Nesse ano, estivemos juntos também, levando a Estação São Francisco , em forma de barraca, para a Feira do Interior, em Salvador, ocasião em que ganhamos o prêmio, o primeiro lugar, como a Barraca Mais Típica da exposição. Você esteve conosco, colaborando com o Governo, na política cultural/educacional, na gestão de Judélio e na de Chico Reis, quando a luta pelo Campus Universitário de Alagoinhas se concretiza, com a entrega da área, pela Secretaria de Agricultura da Bahia à Secretaria de Educação/UNEB, o que dá sede própria à FFPA, em 1989; também a reativação da Biblioteca Pública Municipal, com a ocupação do prédio da Praça Rui Barbosa, quando a Faculdade fosse transferida para a área do campus, o que aconteceu na gestão do Prefeito Murilo Cavalcanti (inauguração da FFPA, em 1994 e instalação da Biblioteca, em 1995). Com certeza, isso tudo provocou muitas outras ações e reações altamente benéficas a Alagoinhas e região – que rastros, hein Maurílio!
A crítica é o instrumento de avaliação que nos permite identificar o lado positivo e o lado negativo dos fatos, das ações. E, no caso da política, ela é fundamental elemento de contribuição para o crescimento e melhoria da vida em sociedade. Cabe ao governante, lapidar sua atuação; ao jornalista, buscar os pontos de questionamento, para provocar movimentação, esclarecimentos e acertos; e a nós, sociedade, cabe olhos e ouvidos bem abertos, para proceder a escolhas acertadas. E, como seu oponente demonstra preocupação com a linguagem, ao explicar o significado de “Alteridade”, no primeiro parágrafo, quero contribuir para as próximas produções textuais dele, com as seguintes observações: 1) os cães não têm atitude, porque não raciocinam (título); 2) as palavras são representações de significados, não podem ser infelizes, nem frustradas, porque não têm sentimento (segundo parágrafo); 3) “(…) certas pessoas (…) que por onde passa (ou passou) acaba (…)” – a concordância precisa ser feita, portanto: “(…) certas pessoas (…) passam (ou passaram) acabam (…)” (quarto parágrafo); 4) “(…) quero lembrá-lo (…)” – se é para lembrar a alguém, a forma correta é lembrar-lhe, ou lhe lembrar, ou seja, lembrar a você (quinto parágrafo); 5) a mesma observação vale para “(…) lembrá-lo (…)”, no último parágrafo.
Eu não queria escrever tanto, Maurílio, mas, pela indignação que me trouxe tal leitura, escreveria muito mais. E então finalizo esta carta, agradecendo a você, por abrir uma porta ao debate, produzindo um site que só se submete aos rigores da liberdade de expressão. Ainda quero declarar que espero sua firmeza na continuidade desse trabalho, realizado com dedicação a Alagoinhas e nossa gente. E deixo com você, uma expressão de Dom Helder Câmara – inesquecível Cardeal brasileiro: “É graça divina começar. É graça maior persistir na caminhada certa. Mas a graça das graças é não desistir nunca.” Não desista nunca, da decência, Maurílio.
Um abraço, da amiga,
Iraci Gama