Campanha política não deveria ser venda de produto – Pablo Ortellado
Um dos grandes problemas das campanhas eleitorais —ou pelo menos das campanhas competitivas— é que elas supõem que é preciso tomar o estado das coisas como um fato consumado e produzir um discurso que agrade uma parcela suficientemente grande do eleitorado, fazendo as concessões devidas para ganhar os votos necessários. Essa estratégia de comunicação não vê a campanha eleitoral como um momento de debate e persuasão, mas a trata como um período no qual se oferta ao mercado eleitoral um produto, seja ele um partido ou um candidato.
Essa abordagem ultrapragmática não seria tão prejudicial se nossos temas impopulares não fossem tão urgentes e se, em período não eleitoral, as organizações da sociedade civil e a imprensa fossem capazes de gerar dinâmicas próprias, com capacidade de influir estruturalmente na opinião pública.
Muito poucos analistas discordariam que a desigualdade brasileira é um dos nossos principais desafios de políticas públicas e que o instrumento indicado para enfrentá-lo é uma reforma tributária. Nossos impostos, como são hoje, encarecem a produção, diminuindo a competitividade da indústria, tributam demais o consumo, penalizando os mais pobres e tributam muito pouco a renda e a propriedade, conferindo regressividade ao sistema.
O debate tributário é difícil, abstrato e cheio de minúcias técnicas, mas é o coração do problema social brasileiro. Nenhuma organização da sociedade civil tem força ou oportunidade para manter o tema na agenda e embora a imprensa vez ou outra dê destaque para algum estudo que discute a questão, ninguém consegue manter o tema no debate público de forma duradoura se ele não for pautado pelo sistema político.
É por esse motivo, creio eu, que embora tenhamos tido 13 anos de governos de esquerda, essa questão central não foi enfrentada.
Como o tema não tinha —e não tem— o apoio da opinião pública, mas conta com determinada oposição dos mais ricos, a saída encontrada pelos governos do PT foi apostar em programas sociais compensatórios. Só que esses programas compensatórios dependiam do crescimento econômico e do equilíbrio fiscal e tão logo essas condições não estavam mais dadas, os programas foram reduzidos ou eliminados, primeiro no segundo mandato de Dilma e depois, de maneira mais agressiva, na gestão de Michel Temer.
Podemos ver o mesmo tipo de desafio no problema penal brasileiro. O Brasil, como outros países latino-americanos, é muito punitivista, provavelmente porque é desigual e violento, mas também porque segue, de maneira obstinada e contra toda evidência, engajado numa guerra às drogas. Enfrentar o consenso punitivista que pede penas cada vez mais duras para criminosos pode, a princípio, contrariar muitos eleitores.
As organizações de direitos humanos que lidam com os presídios tentam expor as mazelas do sistema quando as tragédias acontecem e o movimento negro e o movimento pela legalização da maconha tentam mostrar a barbárie resultante de uma força policial descontrolada engajada na guerra às drogas, mas todos os seus esforços não são capazes de impactar significativamente uma corrente de opinião pública fortemente consolidada na sociedade brasileira.
Estamos precisando de atores políticos corajosos que estejam dispostos a promover uma agenda política com temas que ainda não são, mas que precisam se tornar populares. A campanha eleitoral não deveria ser vista como a venda de candidatos moldados a uma opinião pública que já está dada.
Podemos vislumbrar uma campanha viva na qual atores corajosos colocam em pauta temas controversos, gerando debate e reflexão, aproveitando a atenção especial que a sociedade dá aos temas políticos durante as eleições.
Nossa desigualdade e nossa violência são problemas graves demais e urgentes demais para serem postergados por mera conveniência eleitoral. Nossos políticos precisam de coragem e precisam correr mais riscos para modificar os consensos.
Fonte: Folha de São Paulo
