“Brasil está diante da agenda da vida, da liberdade”, defende filósofo da USP
Em ensaio escrito em março para a revista Interesse Nacional, lançada em 2008 e publicada trimestralmente, o filósofo Renato Janine Ribeiro, professor titular da Universidade de São Paulo, apresenta uma análise em que associa a mobilização popular por melhorias a um momento decisivo para a consolidação do Brasil como uma democracia que efetivamente funciona.
Batizado de quarta agenda da democracia brasileira, este momento sucede cronologicamente os avanços no campo da inclusão social; o fim da inflação; e o fim da ditadura militar. Em entrevista ao iG, Renato Janine Ribeirou falou sobre o papel dos protestos iniciados em 2013 para sua teoria; criticou manifestações que cerceiam a liberdade da população, incluindo aí as greves de metroviários que pararam São Paulo em junho deste ano; e defendeu uma mudança de mentalidade da população para que conquistas sejam duradouras.
iG: Em que momento o Brasil se encontra atualmente, de acordo com sua teoria?
Renato Janine Ribeiro: O país vai passar agora pela quarta agenda da democracia. A primeira foi sair da ditadura; a segunda, matar a inflação; desde o início dos anos 2000 estamos vivendo a do social, que já está consolidada embora ainda precise avançar; e, desde o ano passado, entrou na pauta a melhoria dos serviços públicos. Temos, então, três etapas já realizadas e que demoraram de 10 a 20 anos cada uma para acontecer. Todas contaram com a mobilização social para então se transformarem em uma causa nacional, ainda que o fim da inflação e a conquista de melhores serviços públicos sejam dependentes necessariamente de conhecimento técnico, e não apenas do clamor popular.
iG: Esses conceitos de agenda foram elaborados por você? A que ou a quem eles remetem?
Renato Janine Ribeiro: Foram elaborados por mim. Comecei a refletir sobre eles durante os próprios acontecimentos e, mais ou menos em agosto de 2013, cheguei a essa teoria das agendas. Não conheço outros exemplos de democracias que tenham passado por esse processo de maneira tão marcada, tão contundente.
iG: A quarta agenda da democracia nasceu dos protestos iniciados ano passado em São Paulo?
Renato Janine Ribeiro: A quarta agenda já estava há muito tempo no horizonte do brasileiro, e não há quem não conheça sua necessidade de acontecer. A conquista de melhores serviços públicos se tornou uma prioridade real quando as pessoas entenderam que que não bastava reclamar com quem está do lado na fila do ônibus. Quando a população se une, consegue resultados. No Brasil, o que você tem historicamente? As pessoas reclamam do ônibus, por exemplo, e atribuem a desgraça delas a um agente desconhecido. Acaba que o governo federal é quase sempre culpabilizado por tudo, embora as questões de maior clamor sejam, na realidade, uma atribuição do poder municipal.
iG: É o caso do transporte público?
Renato Janine Ribeiro: Estamos diante da agenda da vida, da liberdade. Os metroviários estavam atrapalhando a vida de todo mundo com aquela greve. E, enquanto isso, uma turma da qual fazem parte o Pablo Capilé e o Bruno Torturra (idealizadores do coletivo Mídia Ninja)estava apoiando essas movimentações mesmo com todo o dano que elas causaram à sociedade. Tem esse novo estilo de gente que é contra o Putin, a invasão da Ucrânia e o Assad na Síria, mas acaba mais próximo deles.
iG: O problema seria então político?
Renato Janine Ribeiro: O problema é o uso do interesse politiqueiro em detrimento do interesse coletivo. Um exemplo claro e recente foi a politicagem desprezível dos vereadores de oposição que não votaram o feriado de segunda-feira (23), dia de jogo do Brasil, apenas para ferrar o prefeito (na última quarta-feira, dia 18, o pleito não foi votado na Câmara por falta de quórum; terça-feira, dia 17, por conta da mobilização pela partida entre Brasil e México, São Paulo registrou congestionamento recorde de 293 km).
iG: Quais são os maiores desafios à implantação da quarta agenda?
Renato Janine Ribeiro: Para o fim da inflação, por exemplo, uma das grandes dificuldades foi mostrar à população que o ganho sempre crescente era ilusório: com o aumento dos preços, aumentavam os rendimentos; quando os preços e os salários pararam de aumentar, houve o sentimento de falta e de prejuízo. O mesmo acontece com a reivindicação por melhores serviços públicos, porque essa melhoria é consequência também de uma mudança de mentalidade. As pessoas precisam perceber que é melhor usar o transporte público, se reacostumar. Eu, por exemplo, moro a um quilômetro de subida do metrô; para mim, não é confortável essa caminhada, mas precisamos estar dispostos a pagar o preço (para reduzir o caos urbano).
iG: Você acha que o Brasil está na direção certa?
Renato Janine Ribeiro: Está sim, mas eu não acho que a eleição deste ano vá ser relevante para isso. Nenhum dos três candidatos (Dilma, Aécio Neves e Eduardo Campos, que lideram as pesquisas de intenção de voto para a presidência) representariam o que o Brasil precisa hoje. Para 2018, vamos precisar de uma renovação grande.
iG: Do que o Brasil precisa hoje?
Renato Janine Ribeiro: As questões hoje do Brasil são sociais. Prova disso é que nenhum candidato defende o fim da inclusão social. Se fizer isso, ele está politicamente acabado – e essa mentalidade é uma grande conquista da população. Os programas de inclusão social não têm retorno.