‘Ainda é insuficiente R$ 16 bilhões para as demandas do Brasil’, diz Lira, em entrevista, sobre emendas de relator

A ascensão do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), coincidiu com a expansão do poder do Centrão. O parlamentar passou a exercer influência direta no governo Bolsonaro e sobre a destinação das emendas de relator, verba utilizada sem transparência pelo Palácio do Planalto para arrebanhar apoio no Congresso.

Ao GLOBO, Lira nega a existência do orçamento secreto e diz que R$ 16,5 bilhões reservados nas contas públicas para esse tipo de despesa são insuficientes para atender às demandas de investimentos do Brasil.

Com boas relações com a oposição, o deputado liderou durante anos o PP na Câmara. Hoje, o partido é dono do posto mais importante da Esplanada, a Casa Civil, e dá as cartas em órgãos com caixa bilionário como o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), sobre o qual pairam suspeitas de irregularidades — que Lira prefere chamar de possível “erro administrativo”.

Nesta entrevista, o deputado critica a Petrobras, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que incitou o seu séquito a procurar a casa de parlamentares para fazer cobranças, e as big techs por terem feito um “jogo sujo” no lobby para a rejeição da urgência do projeto das Fake News.

Qual é a programação das pautas da Câmara e quais são as prioridades neste ano eleitoral?

A nossa programação, a partir da próxima semana, é voltar ao presencial. Se conseguirmos dar vazão a algumas leis, o Senado conseguir votar licenciamento ambiental e conseguir andar com o (projeto do) IR na parte boa, que é a diminuição do imposto de renda para as pessoas jurídicas, começaremos a dar uma destravada na economia. Temos que discutir a questão do Refis (refinanciamento de dívidas das empresas), o projeto das garantias (para operações de crédito), a descentralização da burocracia dos cartórios, alguns encaminhamentos com relação às pautas dos impostos e essa discussão toda de combustíveis. Não há uma perspectiva (de aprovação) da reforma tributária, a PEC 110, no Senado nem da reforma administrativa na Câmara. Por que a reforma administrativa não andou? Ela está pronta para ir ao plenário, mas houve a recusa da oposição e do governo em votar, porque vem a pressão de um ano eleitoral, em que qualquer presidente da República, para ser eleito, precisa de 50 a 60 milhões de votos.

O Congresso ainda estuda lançar alguma medida para reduzir o impacto do preço dos combustíveis?

Fizemos várias, mas não temos uma medida mágica para baixar o dólar ou o petróleo do dia para a noite. O meu questionamento é que a Petrobras virou um ser vivo, um país dentro do nosso país que não deve satisfação a ninguém. Ela não se preocupa com ninguém e não investe para ninguém. Não vamos dar cabo a essa situação do dia para noite.

Em sua avaliação, qual seria a solução para a Petrobras?

Para privatizá-la é preciso de uma PEC, mas (o governo) vender as ações dela e passar a ser minoritário mantendo o controle do Conselho de Administração e poder de veto, seria muito melhor. Então, são saídas que podem ser discutidas, porque a Petrobras não cumpre mais função social nenhuma no Brasil. Ela poderia usar os dividendos para baratear o custo dos combustíveis no Brasil. Mas ela é imexível.

Por que o senhor disse recentemente que foi um erro a Câmara rejeitar a urgência do projeto de lei das Fake News?

Entendo como um erro da Câmara não ter apreciado a urgência. Não podemos, no Brasil, ficar como está, uma permissividade das ações, como elas são expressadas hoje na internet. Não temos um regramento. Ali (na Câmara) tem uma guerra que passou despercebida por muita gente, que é um jogo sujo das big techs embaixo do plenário. É normal defender posicionamentos. Mas a turma que defendia os privilégios das big techs ficou ali em um esconderijo. A falta de discussão da matéria vai gerar prejuízo para muita gente.

O Orçamento e as emendas de relator foram alvos de críticas e viraram pauta de campanha. Pode haver alguma mudança nesse mecanismo?

Carimbar as emendas de relator como orçamento secreto é, no mínimo, uma insensatez. Era secreto antes de 2019. Mas agora foi votado no Congresso Nacional por todos os partidos. Isso foi discutido e já foi aprimorado. Hoje em dia, todas as emendas são cadastradas em um site público. Se isso é secreto, não sei então o que é aberto. Falamos de R$ 16 bilhões (reservados às emendas de relator) achando que é muito. O Brasil tem pouco investimento. Estamos aqui com R$ 3 trilhões (do Orçamento) brigando por R$ 16 bilhões. Não que seja pouco, porque R$ 16 bilhões é muito mesmo, mas ainda é insuficiente para as demandas do Brasil. O orçamento secreto continua secreto, porque o Congresso respondeu ao Supremo Tribunal Federal que não tinha condições de prestar todas as informações dos autores das emendas. O presidente do Congresso, Rodrigo Pacheco, baixou um ato solicitando que os parlamentares fornecessem informações por meio de ofícios, postagem em rede social e reportagens. Os deputados e senadores estão informando voluntariamente. As informações serão fornecidas ao Supremo.

Não seria mais fácil cada parlamentar divulgar a autoria das emendas de relator?

Mas isso é feito nas redes sociais. Se acompanhar as redes sociais do parlamentar, ele demonstra toda a atividade. Está lá toda semana entregando trator, uma obra de saneamento, entregando a obra de calçamento.

Como o senhor avalia as denúncias envolvendo as suspeitas de má gestão dos repasses do orçamento secreto por meio do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)?

Por enquanto, o que estamos vendo é o seguinte: o problema das obras inacabadas. Não é só um problema do FNDE, da Educação. É preciso ver quantas obras inacabadas em habitação ficaram do governo anterior. O grande problema do nosso país é uma gestão descontinuada. Quando analisa o FNDE, com as escolas inacabadas, é muito fácil chegar ao exemplo para ter uma escola fake. Está errado. Agora, é um erro administrativo. O que tem que ficar atento é até onde isso é realmente um ato ímprobo ou um erro que possa ser corrigido. Faltou gestão no MEC ou no ministério? É de ser avaliado. Se tiver errado, corrigimos.

O presidente Jair Bolsonaro disse que as emendas de relator servem para acalmar o Congresso…

O Congresso sempre foi calmo. Nunca vi o Congresso nervoso nessa situação.

Como o senhor avalia a declaração do ex-presidente Lula de que esse é o pior Congresso da história?

O ex-presidente Lula anda muito mal informado. Quem está ao lado dele está o informando raramente.

O que o senhor achou de o ex-presidente Lula incentivar as pessoas a irem às casas dos parlamentares?

Somos vigiados, cobrados e somos instados o tempo todo a dar satisfação. Mas o ex-presidente Lula erra quando entra no aspecto familiar do parlamentar. Que culpa tem a minha mulher, a minha filha, o meu filho, a minha mãe que está em casa, para sofrer um assédio, como foi dito? Então, eu acho que ele deve estar muito arrependido daquele pronunciamento. Eu, enquanto presidente da Câmara, até hoje, nunca falei do Lula. É um ex-presidente que tem o meu respeito. Mas houve uma preocupação e uma reação muito forte dos parlamentares com esse tipo de coação.

Após ordem do STF, o deputado Daniel Silveira (PTB-RJ) se recusou a colocar tornozeleira eletrônica e ficou abrigado na Câmara. Isso gerou um impasse com o Supremo?

Falei com o deputado Daniel Silveira e com todas as autoridades: procurador-geral da República, ministro do Supremo, ministro da Justiça. Era o caso de um membro do Legislativo sofrendo sanção. O ministro (Alexandre de Moraes) atendeu ao pedido do Ministério Público. Se ele fosse preso, eu não tenho dúvida de que a Câmara o soltaria no outro dia. Mas a que isso levaria? O que poderia acontecer? Como isso ajudaria na relação harmônica dos Poderes, eu não sei.

O senhor acha que da composição do PSDB, MDB e União Brasil pode emergir um candidato da terceira via competitivo nas eleições?

O que tem que existir é unidade dos partidos. Aparentemente, o MDB não tem: lança Simone Tebet, e grande parte dos senadores do partido, numa reunião, quer aderir a Lula. Então, é importante que os partidos, antes de fazer esse movimento, conversem com as bases. Ali tem Simone Tebet, Bivar e Doria. Se conseguirem tirar um ou dois nomes disso, tem tempo de televisão e estrutura partidária. Tem que ver se tem a representação popular para conquistar os votos.

Ficou melhor para a relação entre Câmara e Senado a saída do Pacheco da corrida eleitoral?

Melhora a relação, claro. Quando o presidente da Câmara ou do Congresso entra na disputa ao Planalto, no exercício da função, não é algo humano. Então, é lógico: qualquer decisão que ele tome, por menos que queira, tem um cunho de ajudar ou atrapalhar o governo. Fica meio incoerente. Acho que podíamos fazer uma mudança legal. Por exemplo: qualquer presidente deveria se desincompatibilizar do cargo — não do mandato de senador, no caso dele, mas da presidência do Senado.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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