‘Abin paralela’ monitorou pesquisadora que ajudou a banir contas nas redes sociais ligadas a aliados de Bolsonaro

A Agência Brasileira de Inteligência (Abin) monitorou no governo de Jair Bolsonaro uma pesquisadora responsável por um mapeamento de páginas de apoiadores do ex-presidente que difundiam notícias falsas e ataques nas redes sociais. A vigilância foi feita por meio do programa de espionagem FirstMile, que identificava a localização de pessoas a partir da conexão de dados do celular.

Em julho de 2020, um estudo coordenado pela jornalista Luiza Alves Bandeira, integrante da organização sem fins lucrativos Atlantic Council, levou o Facebook a remover 33 contas, 14 páginas e um grupo da plataforma, além de 37 perfis do Instagram, ligados a aliados e a um assessor do gabinete do então presidente Jair Bolsonaro.

No dia seguinte à divulgação do levantamento, a Abin utilizou o programa espião FirstMile para fazer duas consultas à localização de Luiza. Além do monitoramento, a agência produziu um levantamento com foto e informações da pesquisadora, salvo em dois arquivos no sistema do órgão intitulados “2020-07- Facebook rev” e “Atlantic”.

O monitoramento de Luiza foi feito pela Abin sem que houvesse qualquer plano de operação formal, o que contraria as próprias regras da agência. Ao GLOBO, a pesquisadora disse que acredita que foi alvo de espionagem porque estava avançando no combate à desinformação nas redes que apoiavam Bolsonaro.

— Fui perseguida porque estava começando a dar indícios de toda essa estrutura de vigilância, de operações e rede de influência do governo passado. Espero que tudo seja investigado e que as medidas adequadas contra quem fez isso sejam tomadas.

Em nota, a Abin afirmou que segue “à disposição das autoridades” e ressaltou que os fatos investigados ocorreram em “gestões passadas”. “Os casos apurados ocorreram de forma paralela ao trabalho legítimo e republicano da inteligência brasileira”, completou a agência. Procurado, Ramagem não se manifestou. Anteriormente, o parlamentar já negou irregularidades em sua gestão à frente da agência. Bolsonaro não respondeu, mas em outras ocasiões afirmou que não havia “Abin paralela”.

O estudo coordenado por Luiza revelou que páginas nas redes sociais foram utilizadas para atacar adversários de Bolsonaro durante a campanha eleitoral de 2018 e em 2019, primeiro ano de gestão do ex-presidente. Para a plataforma, o conjunto de perfis excluídos agia para enganar sistematicamente o público, sem informar a verdadeira identidade dos administradores.

Uma nota divulgada pelo Facebook para justificar a remoção dos conteúdos brasileiros diz que o esquema envolvia a combinação de contas duplicadas e falsas, cujo objetivo era evitar a fiscalização da plataforma. Elas representavam pessoas fictícias que publicavam posts em páginas que simulavam a atividade de veículos de imprensa. Entre as publicações, havia tópicos sobre política; eleições; críticas a opositores, jornalistas e organizações de mídia; e informações falsas sobre a pandemia de Covid-19.

Foram encontrados também ataques ao Supremo Tribunal Federal (STF) por meio das hashtags #STFVergonhaNacional e #STFEscritórioDoCrime. Os dados que constam das investigações da plataforma foram analisados pela equipe coordenada por Luiza Bandeira.

O relatório da pesquisa aponta que a rede era controlada por ao menos cinco funcionários e ex-funcionários dos gabinetes bolsonaristas, além de um assessor ligado diretamente à Presidência. O texto diz que “muitas páginas do conjunto foram dedicadas à publicação de memes e conteúdo pró-Bolsonaro enquanto atacavam rivais políticos”.

Juntas, essas engrenagens mobilizavam uma audiência de mais de dois milhões de pessoas. Na época, outras centenas de contas foram deletadas em outros países, como os Estados Unidos e Ucrânia, em outras frentes de ação global da companhia contra o chamado “comportamento inautêntico coordenado”.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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