A liberdade de expressão na visão do ministro Celso de Melo
O Alagoinhas Hoje publica o texto abaixo, de autoria do decano do STF, ministro Celso de Melo, que expõe de maneira clara e objetiva os direitos dos jornalistas em uma sociedade democrática, construída com o suor e sacrifício de muitos brasileiros.
A imprensa deve atuar criticamente e apontar as falhas daqueles que exercem funções públicas. Fora disso, estabelece-se um conluio danoso aos cidadãos brasileiros, que acabam ficando privados de informações relevantes acerca do que se passa nos governos e em áreas importantes da administração pública.
Liberdade é nossa matéria prima. Sem ela, o jornalismo seria opaco.
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“Todos sabemos que o exercício concreto, pelos profissionais da imprensa, da liberdade de expressão, cujo fundamento reside no próprio texto da Constituição da República, assegura ao jornalista o direito de expender crítica ainda que desfavorável e em tom contundente contra quaisquer pessoas ou autoridades ( Pet 3.486/DF , Rel. Min. CELSO DE MELLO).
Ninguém ignora que, no contexto de uma sociedade fundada em bases democráticas, mostra-se intolerável a repressão estatal ao pensamento, ainda mais quando a crítica por mais dura que seja revele-se inspirada pelo interesse coletivo e decorra da prática legítima de uma liberdade pública de extração eminentemente constitucional ( CF , art. 5º, IV, c/c o art. 220).
Não se pode desconhecer que a liberdade de imprensa, enquanto projeção da liberdade de manifestação de pensamento e de comunicação, reveste-se de conteúdo abrangente, por compreender, dentre outras prerrogativas relevantes que lhe são inerentes, (a ) o direito de informar, (b) o direito de buscar a informação, ( c ) o direito de opinar e ( d ) o direito de criticar.
A crítica jornalística, desse modo, traduz direito impregnado de qualificação constitucional, plenamente oponível aos que exercem qualquer atividade de interesse da coletividade em geral, pois o interesse social, que legitima o direito de criticar, sobrepõe-se a eventuais suscetibilidades que possam revelar as figuras públicas, independentemente de ostentarem qualquer grau de autoridade.
É por tal razão que a crítica que os meios de comunicação social dirigem às pessoas públicas, por mais acerba, dura e veemente que possa ser, deixa de sofrer, quanto ao seu concreto exercício, as limitações externas que ordinariamente resultam dos direitos da personalidade.
É importante acentuar, bem por isso, que não caracterizará hipótese de responsabilidade civil a publicação de matéria jornalística cujo conteúdo divulgar observações em caráter mordaz ou irônico ou, então, veicular opiniões em tom de crítica severa, dura ou até impiedosa, ainda mais se a pessoa a quem tais observações forem dirigidas ostentar a condição de figura pública, investida, ou não, de autoridade governamental, pois, em tal contexto, a liberdade de crítica qualifica-se como verdadeira excludente anímica, apta a afastar o intuito doloso de ofender.
Com efeito, a exposição de fatos e a veiculação de conceitos, utilizadas como elementos materializadores da prática concreta do direito de crítica, descaracterizam o animus injuriandi vel diffamandi, legitimando, assim, em plenitude, o exercício dessa particular expressão da liberdade de imprensa.”
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“É preciso advertir , bem por isso , notadamente quando se busca promover a repressão à crítica jornalística, mediante condenação judicial ao pagamento de indenização civil, que o Estado inclusive o Judiciário não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social.
Essa garantia básica da liberdade de expressão do pensamento, como precedentemente assinalado, representa , em seu próprio e essencial significado, um dos fundamentos em que repousa a ordem democrática.
Nenhuma autoridade, mesmo a autoridade judiciária, pode prescrever o que será ortodoxo em política, ou em outras questões que envolvam temas de natureza filosófica, ideológica ou confessional, nem estabelecer padrões de conduta cuja observância implique restrição aos meios de divulgação do pensamento.
Isso, porque o direito de pensar, falar e escrever livremente, sem censura, sem restrições ou sem interferência governamental representa, conforme adverte HUGO LAFAYETTE BLACK, que integrou a Suprema Corte dos Estados Unidos da América, o mais precioso privilégio dos cidadãos (…) ( Crença na Constituição, p. 63, 1970, Forense).
Celso de Melo, ministro do Supremo Tribunal Federal, em março de 2013.