Wagner e a arte de descartar um amigo – Raul Monteiro
A política é pródiga na arte de destruir amizades, construir acordos e revelar caráter e personalidades. E o governador Jaques Wagner (PT) acaba de confirmar a tese. As declarações que deu ontem em coletiva no ato em que o PTB anunciou apoio à candidatura de Rui Costa (PT) ao governo não deixam mentir.
Wagner tratava do “amigo” Marcelo Nilo (PDT), eleito pelo governador presidente da Assembleia Legislativa quatro vezes, que passou a exigir um critério para a escolha da vice de Rui, disputada por ele e pelo PP dos deputados federais João Leão e Mário Negromonte.
E saiu-se com esta: “Ele é presidente da Assembleia. Ele vai para onde ele quiser. Isso para mim é bobagem. Meu objetivo é manter o grupo unido”. Era uma resposta ao fato de Nilo ter participado de uma solenidade das oposições na Prefeitura de Salvador e de ter faltado a várias outras do governo, esta semana.
Nilo percebera que afunilava-se o processo de escolha por João Leão para companheiro de chapa de Rui. E resolveu dar uma demonstração de que continua mantendo trânsito entre as oposições para o caso de ser preterido, o que já aconteceu em favor do PP.
Tudo bem que o presidente da Assembleia alongou a corda demais na tentativa de se tornar vice. Não viu que para o PT de Wagner – e provavelmente para o próprio petista, como resta provado agora – sua ascensão fora interpretada como uma mera concessão, uma espécie de presente, do governo e do governador.
Mas está claro que, quando passou a exigir um critério para a escolha do vice, Nilo estava sinalizando que gostaria de uma saída honrosa para a disputa em que mergulhou de forma tão profunda que passou a faltar-lhe oxigênio e chão para poder ensaiar um recuo.
Tudo indica que, confundindo as esferas, ao exigir critérios, Nilo estava, na verdade, pedindo um gesto de amizade de Wagner. Algo como uma iniciativa simples de Wagner de chamá-lo para uma conversa de olho no olho em que dissesse ao presidente da Assembleia que lamentava, mas estava escolhendo o PP para a vice.
A conversa não veio e Wagner, com outra declaração, mostrou que, na hora do “vamo ver”, de seu projeto de poder, amizade conta pouco. Ou nada. “Não posso usar o critério da simpatia, não posso usar o critério da amizade, porque ambos (Leão e Nilo) são (amigos). Não posso usar o critério da fidelidade, porque ambos estão no grupo”, foi o que disse.
Não falava a verdade. A olhos vistos, mesmo de desconhecidos, o grau de amizade, cooperação e fidelidade de Nilo e Wagner nunca foi o mesmo compartilhado pelo governador com Leão, que todo mundo sabe que ele foi forçado a engolir e escolher, pelas circunstâncias, para vice de Rui.
Alguns podem alegar que Wagner encheu o saco da pressão de Nilo para se tornar candidato a vice. Que encheu o saco – em sua avaliação pessoal, frise-se – ao perceber que Nilo passou a superestimar sua força, poder e papel pessoais. O problema é que não se descarta um amigo ou uma amizade assim – principalmente em público, governador! – sem arcar com as consequências.
Raul Monteiro e jornalista e editor do site Política Livre