Torres imortal: Do Junco à cadeira de Machado e Amado – Vitor Hugo Soares
“Cessa tudo que a antiga Musa canta // Que outro valor mais alto se alevanta…”
Nem político metido a sábio, nem governante assanhado com os números das pesquisas de opinião – sonhando o tempo todo com a reeleição – ou candidatos diversos em briga feroz pelo posto maior de mando no Palácio do Planalto no ano que vem.
Direto de Salvador, o apelo orgulhoso aos versos esplêndidos dos Lusíadas, de Luís de Camões, decorre de outro tipo de necessidade. A mesma expressa na antológica justificativa do carteiro, ao poeta Pablo Neruda, no filme cultuado mundialmente, de que a poesia não pertence a quem a produz, mas a quem precisa dela.
Em resumo, para encurtar a conversa: as palavras do vate lusitano são as mais completas e apropriadas que vislumbro, para dizer de meu contentamento e vibração – de conterrâneo e jornalista – pela escolha, na quinta-feira (7), do romancista Antonio Torres para ocupar a cadeira 23 da Academia Brasileira de Letras.
Digo sem medo de errar, ou preocupação de ser ofensivo e injusto com quem quer que seja: no panorama atual da literatura e da inteligência brasileira (especialmente entre os escritores de romance), ninguém mais digno e merecedor que este baiano nascido no antigo povoado do Junco, de ocupar o assento que antes pertenceu a Machado de Assis e Jorge Amado.
À moda do jornalista Sebastião Neri, na introdução ao livro “Rompendo o Cerco”, sobre os feitos de Ulysses Guimarães, o grande timoneiro da política nacional nas lutas de resistência da sociedade à ditadura e pela liberdade de expressão, proclamo: “Ninguém me contou, eu vi”.
Desde a juventude – às vezes bem de perto, outras, na maioria do tempo, à distância – acompanho os passos do autor de Essa Terra (sua obra prima). No começo, como exemplo profissional. No tempo em que Torres era um dos repórteres mais brilhantes da equipe estelar da redação do extinto Jornal da Bahia, que ia de Glauber Rocha a João Ubaldo Ribeiro, entre dezenas de outros.
Nas minhas viagens do litoral para o sertão (em busca das margens sempre acolhedoras do São Francisco, rio da minha aldeia, ou em fuga da inclemente repressão política da época), a passagem pelo Junco (mais tarde Inhambupe e agora Sátiro Dias) era uma rota de passagem quase obrigatória. Ali já estavam as marcas dos primeiros passos de Antonio Torres.
Andei por lá inúmeras vezes. Na companhia de meu pai, auditor de rendas estadual na região fiscal que ia de Pombal (do ex-ministro da Educação, Oliveira Brito), a Paulo Afonso, ou sozinho, com os agentes do regime militar no encalço. Nem sempre consegui escapar, e uma vez fui parar por um tempo na cela do Quartel do Exército, 19BC, no bairro soteropolitano do Cabula. Mas isso é outra história.
Em alguns casos, já exercendo o jornalismo, em viagem para cumprir pautas de reportagens, do Jornal do Brasil, sobre a seca ou política. Ou para descansar na histórica estância de Itapicurú, com o saudoso amigo e compadre, Pedro Milton de Brito, – ex-presidente da OAB-BA, infatigável defensor dos direitos humanos, várias vezes conselheiro federal da Ordem – e da comadre Sara Silva de Brito, atual presidente do TRE da Bahia. Vizinha, na juventude, do novo imortal da ABL, na cidade de Alagoinhas, quando Antonio Torres estudava no ginásio público local.
Bem mais tarde fui despertado também pela obra literária do novo membro eleito da ABL. No Rio de Janeiro, a caminho de Buenos Aires, lembro de ter comprado em uma livraria do Centro, o seu primeiro romance e primeiro estrondoso sucesso de crítica: ”Um cão Uivando para a Lua”. Li e levei o exemplar de presente para um querido amigo argentino.
Não esqueço a emoção e o entusiasmo de Alejandro Sarmiento (o amigo e companheiro de lutas contra ditaduras na América Latina), dias depois de ter lido o livro sobre os personagens fugidos da seca no Junco, no nordeste brasileiro, tentando uma nova vida em São Paulo, divididos pela pobreza e paixões ardentes e desesperadas.
Uma linda noite de vinho e lembranças na mesa de uma cantina portenha da Boca, com os olhos vigilantes e traiçoeiros dos agentes da Operação Condor rondando perigosamente ao redor.
Antes do ponto final, impossível não lembrar, também, da escritora Ana Maria Machado, atual presidente da ABL. Mais ou menos na mesma época do primeiro livro de Torres, ela dirigia a Rádio Jornal do Brasil, no tempo em que o lendário Procópio Mineiro chefiava o jornalismo brilhante da emissora, na sede carioca, já na Avenida Brasil.
Na ponte Rio-Bahia, estive por um tempo muito próximo de Ana, quando da implantação da Radio JB FM-Salvador, que ela comandou. Então eu chefiava a redação da sucursal do JB na Bahia e, por designação de Florisvaldo Matos (chefe da sucursal), fiquei responsável, também, pela fase pioneira da redação da Rádio JB na capital baiana.
No Rio, recordo de Ana Maria Machado falando de duas grandes admirações suas na Bahia: o cantor Moraes Moreira e o escritor estreante, que agora vai ocupar a célebre cadeira 23, na academia que ela hoje preside com o brilho e talento de sempre, cujo último ocupante foi Luiz Paulo Horta, outro notável jornalista e escritor .
– Fizeram sorrir uma velha criança! – disse em O Globo, após o anúncio do resultado, um feliz Antonio Torres, hoje consagrado romancista não só na Bahia e em seu País, mas lido e admirado da França aos Estados Unidos, da Alemanha à Argentina e mundo afora.
A velha criança sorri e os velhos admiradores vibram e sentem orgulho. Enquanto esperam a próxima visita do agora imortal a Salvador, marcada para o dia 16, quando está prevista a participação de Torres no evento “Conversas Plugadas”, que se realizará no Teatro Castro Alves. Que cenário, para o grande romancista baiano!
Bravo! Antonio Torres merece ainda muito mais de sua terra e de seus conterrâneos.
Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail:vitor_soares1@terra.com.br
Fonte: Blog do Noblat