Telemedicina não deve distanciar o paciente do médico

A lei 13.989/2020, que foi publicada em 15 de abril e autoriza o uso da telemedicina em todo o Brasil durante a pandemia causada pelo vírus Sars-CoV-2,, define o formato como “o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde”. Vice-presidente do Conselho Regional de Medicina do Estado da Bahia (Cremeb) e integrante do Conselho Federal de Medicina (CFM), Júlio Braga, conversou com a reportagem de A Tarde sobre os desafios da telemedicina, as condições necessárias para a aplicação bem sucedida e o futuro dessa prática.

Como avalia a regulamentação da telemedicina durante o período de pandemia?

Foi feita de acordo com a urgência que precisava, foi liberada de forma emergencial, por isso não entrou em detalhes da aplicação. Nesse momento existe um motivo forte para ser regulamentada, que é a necessidade do paciente de acessar o médico e os serviços de saúde, então foi uma situação extrema, diferente do que existe no dia a dia. No dia a dia não existe uma motivação para o paciente se afastar do médico, e essa motivação específica do momento da pandemia fez com que houvesse uma urgência na regulamentação. E os males, os efeitos colaterais, precisam ser contemplados numa regulamentação mais definitiva da telemedicina, para evitar que aconteçam efeitos desnecessários e inclusive deletérios.

O que enxerga como possíveis efeitos colaterais da telemedicina que precisam ser contemplados na regulamentação?

A primeira coisa é que esse modelo não seja ofertado de forma a distanciar o paciente do médico quando acabar a pandemia. Por exemplo, o plano de saúde que só ofereça esse tipo de serviço é inaceitável, os serviços públicos que substituam o atendimento presencial, ao invés de botar um posto de saúde em um lugar isolado, coloque apenas atendimento por telemedicina, isso é inaceitável. A remuneração do atendimento por telemedicina em valores diferentes dos valores presenciais é uma forma de não reconhecer o atendimento por telemedicina como atendimento também complexo e que deve ser completo, isso também seria um problema. São algumas situações que a gente imagina que pode ter a necessidade de regulamentar para não ocorrerem abusos.

Acredita que a legislação já abarca todas as possibilidades ou ainda existem aspectos que podem ser incluídos?

Nesse momento, o que precisa é os planos de saúde acatarem como regra a remuneração em substituição à consulta presencial, isso que é essencial regulamentar, porque uns aceitam, outros não. Essa é uma forma de garantir assistência à população nesse momento, mas que ainda não foi ofertada por todos os planos de saúde. Vemos que muitos médicos ainda têm receio, mas a maioria já está aceitando fazer. O Conselho Regional fez uma regulamentação bem simples, tentando manter regras aplicáveis e seguras para esse momento. A gente simplificou ao máximo, não exigiu grandes investimentos tecnológicos, de forma que qualquer médico pode fazer com segurança, precisando apenas parar para ler, se informar, assistir alguns vídeos explicando. Então alguns ainda têm receio, mas boa parte não faz porque não tem a autorização dos planos de saúde ou os pacientes não procuram. Algumas (operadoras) andaram oferecendo valores ínfimos, como se a telemedicina fosse bater papo por telefone, fosse uma conversinha, e não é. Em alguns aspectos, quem está atendendo precisa até ser mais cuidadoso do que no presencial, então não pode ser considerada como meia consulta, pois é uma consulta para valer.  Nos Estados Unidos, o plano de saúde negocia com o médico para fazer a telemedicina. Lá, a maioria dos estados têm leis considerando isso, que é necessário remunerar no mesmo valor.

Quais as principais limitações legais e práticas na aplicação da telemedicina?

A legislação não entrou em detalhes de limitação, então as dificuldades que existem são na questão do exame físico e na confirmação da identidade do paciente, ter a certeza de que o paciente é aquele mesmo, para situação de atestado, por exemplo. Em várias situações, o exame físico não pode ser feito, então é o tipo de consulta em que o paciente precisa saber que pode precisar complementar a consulta com uma visita presencial. O médico pode concluir que para fazer uma prescrição é preciso que a pessoa vá ao consultório. O exame físico a distância pode ser feito, existem algumas técnicas para realizar, mas não substitui o exame presencial. O médico pode tirar conclusões na consulta a distância, mas havendo dúvidas é essencial a visita ao consultório. Se for consulta subsequente o médico já tem uma garantia maior, pois já existia alguma contato pessoal. Então a primeira consulta também é uma limitação, fora que alguns pacientes têm dificuldade de acesso e qualidade da conexão. Outra coisa é que algumas das receitas controladas ainda não podem ser emitidas com assinatura eletrônica, mas o Conselho Federal está lutando para desburocratizar esse aspecto. O Conselho Federal de Medicina, junto com o ITI (Instituto Nacional de Tecnologia da Informação) do governo federal e o Conselho Federal de Farmácia, fizeram um site com assinaturas digitais, para garantir segurança jurídica para esses documentos todos: receitas comuns, algumas receitas controladas, requisições de exame, relatórios e atestados médicos. Isso pode ser feito de forma 100% legal, mas depende do certificado digital dos médicos.

Qual a sua percepção sobre a postura dos pacientes diante da telemedicina? Ainda há muito apego ao formato tradicional de consulta?

Há algum nível de resistência, mas o que falta para ampliar é os planos de saúde remunerarem  e os serviços públicos se adaptarem. Todos os pacientes reconhecem que é melhor do que nada. Na medicina privada ainda existe algum receio de se pagar por uma consulta que não vai ser a mesma, mas para quem está precisando, é o que é possível no momento. Cria essa possibilidade de um idoso que está há meses sem ver seu cardiologista, ter uma orientação. Mesmo que o médico não examine, o paciente pode passar a informação: ‘doutor estou medindo minha pressão e minha pressão está dando alta’. O médico vai perguntar como ele mediu, eventualmente orientar como medir em casa e fazer as anotações. Na regulamentação que a gente fez, é possível fazer telemedicina até por telefone comum, se não puder fazer a videoconferência. Pela via que for feita, é melhor do que nada.

O Cremeb é favorável à permanência da telemedicina após o fim da pandemia?

É inevitável se manter em algum nível, o que precisa é evitar os abusos. As formas de fazer telemedicina, programas de computador especiais, formas diferentes de tecnologia, isso tudo é supérfluo na maioria das situações. A gente não quer trazer essa noção de que a telemedicina é uma coisa complexa, é uma coisa difícil, é uma coisa restrita somente a quem tiver grandes estruturas… não, isso pode ser feito em pequena escala, com pouca tecnologia, e o médico e o serviço vão ter de se ajustar. Essa é uma tecnologia que vai crescer no dia a dia, a gente começando simples pode ir, aos pouquinhos, gerando mais sofisticação. A gravação das imagens, a gravação das conversas, isso tudo no momento está sendo dispensado se for devidamente registrado no prontuário, pois tudo isso demanda uma tecnologia maior.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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