Recessão não vai tirar importância do Brasil, afirma cientista político

ANTHONY PEREIRA 1

Para o brasilianista Anthony Pereira, diretor do Brazil Institute do King´s College, em Londres, a “nova classe média” formada no país nos últimos anos sentirá forte impacto da atual crise econômica, mas avanços sociais recentes, como o aumento do acesso às universidades, serão difíceis de reverter.

“O Brasil não deixará de ser um país grande e importante por causa de alguns anos de recessão”, afirmou à Folha.

Para o estudioso e autor do livro “Ditadura e Repressão”, o desgaste de governos de esquerda há muito tempo no poder na América Latina pode inaugurar uma onda de novos governos de direita.

“A globalização não eliminou a geografia como um fator importante na política. As regiões ainda importam”.

Leia, abaixo, os principais trechos da entrevista.

Folha – O que pensa sobre a atual crise política e econômica do Brasil? Crê que o país sairá dela fortalecido a longo prazo?

Anthony Pereira – As investigações dos casos de corrupção são um possível raio de luz na nuvem que é atual crise econômica e política no Brasil. Ainda é muito cedo para fazer um julgamento sobre os impactos que vão ter.

Nós não sabemos, por exemplo, se essas investigações serão tão vigorosas sob um governo que não seja do PT a nível federal. Mas pode ser que, no futuro, vejamos esse período como um momento em que se fundou um novo, e menos corrupto, modo de governar no Brasil.

Existem paralelos interessantes entre o que está acontecendo agora no Brasil e o que ocorreu nos EUA durante a “era progressista” das duas primeiras décadas do século 20.

Vimos, por exemplo, que as investigações da Lava Jato enredaram CEOs de empresas de construção, e não apenas políticos. Isso é muito significativo e mostra poder por parte da Polícia Federal, do Judiciário e do Ministério Público.

Tanto o atual momento no Brasil quanto a “era progressista” nos EUA contêm uma grande variedade de forças, algumas delas contraditórias, portanto não quero exagerar nas semelhanças. Mas existem três aspectos da “era progressista” nos EUA que ressoam hoje no Brasil. O primeiro é o desejo dos investigadores anticorrupção de usarem o governo federal para diminuir o poder de políticos e empresários corruptos. (Na “era progressista” os políticos corruptos eram frequentemente chamados de “chefes” e seus vínculos no mundo do negócio, “chefismo”).

Nesse sentido, a agenda anti-corrupção é vista como a base de um novo contrato social e uma democracia mais forte por meio de um Estado ativista que defende um bem-estar público.

O segundo aspecto é a importância da imprensa e das cortes como arenas nas quais a corrupção é confrontada, avaliada, debatida e julgada.

O terceiro aspecto é que, após um período de rápida mudança social, alguns membros da classe média tradicional sentem que seu status está ameaçado, e encontram no movimento contra a corrupção uma forma de defesa de seus interesses –não digo que os movimentos de hoje no Brasil e durante a “era progressista” sejam apenas sobre a defesa dos direitos da classe média. Apenas digo que este é um elemento, entre vários, dentro do que são processos complicados.

Essa era a plataforma do Partido Progressista nos EUA durante a eleição de 1912: “Partidos políticos existem para assegurar que o governo seja responsável e execute a vontade das pessoas”.

As soluções propostas pelo Partido Progressista em 1912 soariam familiares a brasileiros contemporâneos, e incluiríam limites estritos em contribuições financeiras para campanhas eleitorais e o registro obrigatório para lobbystas.

O sr. acredita que a corrupção pode ser explicada em parte por conta do fato de o Brasil ser um país historicamente muito desigual?

Não tenho certeza. Faz sentido dizer que a desigualdade enfraquece a capacidade de a sociedade civil ser atenta com relação à corrupção e, portanto, de pedir explicações sobre ela.

A cidadania democrática requer um standard mínimo de educação e de bem-estar econômico de seus cidadãos, além de um nível razoável de igualdade socioeconômica. Grandes desigualdades de riqueza e de entradas em qualquer sociedade tendem a viciar a igualdade formal da cidadania, e portanto levar à plutocracia.

Estamos vendo isso em Londres nesse momento, por exemplo, em que empresas estrangeiras que usam dinheiro obtido de forma ilícita para comprar propriedades luxuosas na cidade, corrompendo o processo político e fazendo com que seja muito difícil para os londrinos comuns comprarem casas.

Se você olhar para o relatório do Transparency International sobre corrupção, de 2014, veremos que os 10 países onde a percepção da corrupção é menor, temos Dinamarca, Nova Zelândia, Finlândia, Suécia, Noruega, Suíça, Singapura, Holanda, Luxemburgo e Canadá.

Todos esses países têm índices de Gini (que mede a desigualdade) que são muito mais baixos do que o do Brasil –exceto Singapura, que está próximo ao Brasil, mas ainda assim é mais baixo.

Se você pega uma média do Gini desses 10 países, você tem 30.2, ou apenas um pouco mais da metade do Gini brasileiro, de 51.9.

Em outras palavras, eles têm muito menos desigualdade do que o Brasil.

Isso é sugestivo, pode ser que signifique que níveis relativamente baixos de desigualdade fazem com que combater a corrupção seja mais fácil.

Por outro lado, esses países também são menores (em termos de população) e mais ricos que o Brasil, portanto outros fatores estão, sem dúvida, em jogo.

Outra coisa interessante a se notar sobre esses países onde a percepção da corrupção é baixa é que, com exceção de Singapura, eles não são países com Estados pequenos.

A arrecadação de impostos como porcentagem do PIB na Dinamarca, por exemplo, que está no topo da lista, é de 50,9%. A média para os dez da lista é de cerca de 34,4%. Na lista, apenas Canadá, Singapura e Suíça têm Estados menores que o Brasil, segundo medidas de arrecadação de impostos como porcentagem do PIB.

O que isso sugere é importante. Soluções radicalmente neoliberais para a corrupção, reduzindo o Estado a um mínimo na relação com as forças do mercado pode não ser eficiente ou necessário para combater a corrupção.

Isso ocorre porque o limite entre o Estado e o mercado existe, não importa o quão pequeno é o Estado, e é nesse limite que a corrupção floresce.

O fato de que Estados relativamente grandes como são Dinamarca, Finlândia, Suécia, Noruega e a Holanda estejam no topo da lista dos que se veem menos corruptos é um lembrete importante de que grandes Estados que abraçam a responsabilidade do bem-estar dos cidadãos podem ter níveis baixos de corrupção.

Enquanto por outro lado, países que passaram por reformas neoliberais radicais, como a Rússia, podem ser altamente corruptos.

O sr. acredita que os avanços sociais dos últimos 20 anos estão em risco no Brasil? A nova classe média que surgiu recentemente na América Latina está ameaçada pela crise?

A chamada “nova classe média”, que é principalmente uma nova classe trabalhadora, está vulnerável nessa recessão econômica, porque o desemprego e a inflação ameaçam os ganhos dos últimos 20 anos. Além disso, como a recessão reduz a capacidade do governo de investir em saúde, educação, transporte e segurança, isso vai danificar as perspectivas da nova classe trabalhadora.

Por outro lado, muitas das mudanças que ocorreram não podem ser revertidas facilmente. O aumento do acesso à educação, por exemplo, terá consequências de longo prazo. O Brasil passou de 3 milhões de estudantes em universidades no início dos anos 1990 para 7 milhões hoje.

Portanto, mesmo sendo esta a pior recessão brasileira desde os anos 1930, não creio que isso faça com que se revertam todos os ganhos sociais das últimas décadas.

Qual sua opinião sobre a reação da sociedade, desde os protestos de 2013 aos atuais? O sr. vê conexão entre estes e os que ocorreram em países como Espanha, Turquia e outros?

Os protestos no Brasil refletem uma crise de representação política que, em termos mais amplos, é similar ao que vemos na Espanha, na Turquia e em democracias de quase todas as partes do mundo.

Mas, se olharmos de perto, veremos que há também diferenças. Na Espanha, os indignados foram um produto das medidas de austeridade introduzidas após a crise financeira de 2008 e do declínio no padrão de vida e das perspectivas econômicas de muitas pessoas, especialmente dos mais jovens. Também vimos a criação de dois novos partidos políticos, o Podemos e o Ciudadanos, e ambos foram muito bem nas recentes eleições na Espanha. De modo curioso, não vimos a criação de novos partidos políticos como resultado dos protestos no Brasil.

Já na Turquia, em 2013, tivemos um governo religioso e conservador tendo como oposição uma juventude urbana, liberal, e reagindo com níveis de repressão maiores, se comparados com o que se viu em Brasil, em 2013.

Portanto, tanto o movimento espanhol como o turco são diferentes do brasileiro de 2013.

Obviamente, no fim de 2014 e em 2015, houve outro tipo de protestos no Brasil, que foram protestos contra Dilma e contra o PT, assim como houve protestos em defesa da presidente e de seu governo.

Eles reforçam o eixo PSDB-PT que vem sendo tão proeminente na política brasileira desde 1995 e são diferentes dos protestos que vimos em 2013.

Alguns governos de esquerda que estavam há muito tempo no poder na América Latina estão tendo sua base de apoio deteriorada e vêm perdendo eleições, como Argentina e Venezuela. O sr. acha que o continente tende a pender agora para a direita?

O boom das “commodities” ajudou muito os governos da região, dando a eles possibilidade de construir poderosas coalizões.

A assim chamada “onda rosa” levou forças esquerdistas de vários tipos ao poder em Argentina, Brasil, Uruguai, Paraguai, Bolívia, Chile, Equador, Peru e Venezuela.

Não acho que seja inusual um efeito-contágio em política regional. O que acontece em uma parte da região tem impacto nos países vizinhos. A queda do comunismo na Europa do Leste e Central, em 1989, é exemplo disso.

O fim do “boom” das commodities está tornando difícil a situação dos governos de esquerda da região –não necessariamente porque eles sejam de esquerda, mas porque são os que estão no comando neste momento.
Partidos e alianças de direita e de centro-direita estão tirando vantagem dessa situação, apresentando-se como opositores do “status quo”.

Lugo sofreu impeachment no Paraguai em 2012. Mais recentemente, Macri ganhou na Argentina e Maduro sofreu uma grande derrota nas eleições legislativas na Venezuela.

Outras coalizões que estão no poder há tempos podem perder eleições em outros países, e parece que estamos chegando ao fim de um longo período do PT no Brasil.

Creio que é possível que os governos da América Latina se movam agora de modo sincronizado. A globalização não eliminou a geografia como um fator importante na política. As regiões ainda importam.

Como a crise brasileira está sendo vista no Reino Unido?

O conhecimento da América Latina, de modo geral, e do Brasil, em particular, é mais baixo aqui do que o que temos de regiões que foram governadas pelo Reino Unido.

A visão do Brasil a partir do Reino Unido tende a ser sujeita a mudanças pendulares extremas. Por exemplo, em 2010 havia euforia, e agora temos desespero.

Ambas as visões são exageradas, em minha opinião. O Brasil não deixará de ser um país grande e importante por causa de alguns anos de recessão.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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