Recado para um idealista ou São Pedro, dá licença pra nosso Zé!? – Iraci Gama Santa Luzia

Zezinho, eu soube hoje que você viajou. Foi para um lugar estranho a você, a mim e a todos que não tem competência para identificar os lugares invisíveis a nossos olhos de reles mortais. E você, Zé Alves, que conhecia tão bem a Geografia desse nosso Planeta Terra e discorria sobre seus espaços e personagens com muita propriedade deve ter-se surpreendido com esse local novo!. Alguém botou no meu e-mail a informação da sua morte Zé, e eu parei na frente do computador, sem ânimo para sair daquela notícia.

Naquela hora e rapidamente, minha cabeça me levou a tantos momentos que vivemos juntos, na FFPA dos primeiros tempos, para onde você veio, como docente do curso de Estudos Sociais, em 1977, para grandeza da instituição e da cidade que era nossa e passou a ser sua. Tão sua que mesmo depois de aposentado, quando poderia ter retornado para Salvador, você continuou aqui.
Você era mesmo um sujeito especial, Zezinho. Falava baixo, no tom, mas alto no conteúdo, porque tinha profundidade no dizer e verdade nas análises que fazia.

Não era homem de palavreados, de discursos inflamados, de liderar movimentos como era sua irmã, Ana, da APLB/ Salvador, com quem dividi dificuldades em alguns períodos de greve de professores do Estado. Mas era uma pessoa de atitude, de convicções políticas, de definições. Quando a gente precisava reunir para discutir questões pedagógicas, questões políticas, questões sócio-educacionais e culturais, já sabia, de antemão, que podia contar com você que trazia observações precisas, adequadas, identificando pontos críticos da situação, das autoridades, dos políticos, dos governantes. Na revisão de documentos e papeis dos 40 anos da FFPA, encontramos sua assinatura, na relação de presenças nesses encontros.Homem firme de caráter e de ações. Um homem de palavra e de consciência.

Estatura mediana, mulato, careca, uma certa curva na coluna – pequena “gimba” – que o fazia andar de cabeça baixa. Vestia-se com simplicidade: camisa de manga, às vezes curta, às vezes comprida e dobrada e calça folgada, com cinturão por dentro do cóis, o que a ajustava à cintura. Sempre em tons claros, neutros. Nunca vi Zezinho de camiseta, de roupa em tons mais fortes, menos “clássicos”. Não dispensava uma pastinha, um classificador de elástico, com poucos materiais dentro, numa das mãos. Assim se apresentava, para dar aulas, para as reuniões, para os debates. Participava dos eventos que envolviam atividades intelectuais e políticas, com muita disposição, mas não tinha o mesmo ânimo para atividades festivas de outras características. Mas, o que fosse para o engrandecimento da FFPA, da UNEB, da educação, da cultura tinha o seu apoio, a sua participação, a sua presença.

Falava manso, mas com firmeza. Uma certa debilidade na articulação, como se tivesse a língua pegada, dava-lhe uma característica muito especial. E pisava manso, também, como se nunca tivesse pressa. Mas tinha pressa de ver o Brasil e o mundo com igualdade de condições para todos, justiça social, e, por isso, contribuía para as mudanças.

A sua relação com os estudantes, com os colegas professores, com os administradores escolares sempre foi de respeito, consideração e compromisso com a informação correta, pela preocupação com o futuro do nosso país. Mas a sua relação com o automóvel merece uma observação especifica, porque fugia desse padrão, é como um capitulo à parte, no livro de sua vida. E como todas as ausências são atrevidas, vou dizer agora: Zezinho, como você dirigia mal! No começo, porque era principiante na arte de dominar a máquina. Depois, por causa da vista, ou melhor, por falhas na visão, provocada pela diabetes.

E gostava de dar carona. Alguns corajosos aceitavam o convite muito mais para gozar de sua companhia do que para diminuir o tempo de viagem, porque o percurso era feito com muitos sobressaltos. Eu mesma participei de algumas de suas viagens recheadas de sustos, mas com o final feliz, porque a sua conversa era espaço de aprendizagem e de alegrias.

Privei de sua amizade, desde 1977, portanto, em trinta e seis anos de feliz convivência. Ele deixou a sala de aula, pela força da compulsória que nos expulsa aos setenta anos (em julho de 2013 foi a minha vez), mas a gente se encontrava na rua, no supermercado, de vez em quando, e aproveitávamos para trocar idéias. Ideias boas nunca lhe faltavam Espírito crítico, percepção aguçada, disposição para pesquisar. Observador crítico do comportamento humano e fã de quem gostava de estudar. Há alguns anos recebi um convite para falar sobre Paulo de Tarso a um grupo de jovens.

Como sou apaixonada por esse personagem quis fazer um trabalho que caracterizasse a época desse homem (a época de Jesus) e fui procurar Zezinho para me ajudar. Três dias depois ele me apareceu com diferentes atlas e alguns livros que serviram de base para a caracterização temporal que me interessava fazer, tornando a minha fala mais interessante e agradável. E, na segunda-feira, ele me procurava para saber como foi o bate-papo. Era assim, esse Zé.

O poeta Manoel Bandeira imaginou “Irene” chegando no céu e pedindo: “dá licença São Pedro” e São Pedro dizendo: “pode entrar, Irene, você não precisa pedir licença”. Você, Zezinho, com esse passinho curto e leve, já pisava “em ovos” vivendo entre nós, mas não creio que vá pedir licença a São Pedro. Vai se apresentar a quem quer que seja o porteiro, de cabeça erguida, com seu currículo recheado de decência, responsabilidade pessoal e social, compromisso político, ações educacionais e uma carga indescritível de simplicidade. Quando você chegar no portal, Zezinho, uma enorme folha de papel aparecerá na sua frente, com os dados informativos da figura que vem atrás e um painel será iluminado por suas qualidades pessoais, familiares, de amigo, de professor, de cidadão. E, como se fosse um abaixo-assinado, terá uma quantidade enorme, incontável de assinaturas dessa gente toda que passou por você, no Centro Integrado Luiz Navarro de Brito, no Colégio Dínamo, na FFPA, nos cursos extracurriculares.

Gente de Alagoinhas, Aramari, Araçás, Entre Rios, Catu… todas as cidades do Território 18, de quantas outras cidades e Estados, além da Bahia. Ô Zezinho, e eu espero que lá, pelo meio, com letras bem pequenas, o meu nome também esteja assinando em baixo dessa bela frase que virá no alto da página em letras garrafais: São Pedro, dá licença para esse nosso Zé Alves entrar? Ele fez muito bem o seu dever entre nós, e se foi deixando um belo exemplo e muitas saudades.
*Texto produzido por Iraci Gama Santa Luzia entre os dias 21 e 22 de outubro de 2013

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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