Quase um terço do mundo vive em países que criminalizam a homossexualidade

No momento em que a sociedade brasileira assiste a embates duros sobre os direitos dos LGBTs – Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transgêneros –, o mundo ainda tem 2,7 bilhões de pessoas vivendo em países que criminalizam a relação entre pessoas do mesmo sexo. 

De acordo com Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Transexuais (Ilga, na sigla em inglês), mais de 75 países penalizam a prática com penas que variam de chibatadas a prisão perpétua. Em sete deles – Qatar, Irã, Mauritânia, Arábia Saudita, Sudão, Emirados Árabes Unidos e Iêmen – a pena para a prática homossexual é a morte.

Segundo a Anistia Internacional, todos os países que condenam a homossexualidade infringem as leis internacionais de direitos humanos. A entidade informa que os Estados devem “defender, respeitar, proteger e cumprir os direitos humanos protegidos pelos tratados internacionais regionais dos quais o Estado faz parte, como os direitos à liberdade de expressão e igualdade perante a lei”.

Na África, onde se concentra o maior número de países que criminalizam a relação entre pessoas do mesmo gênero, a homossexualidade é ilegal em 38 países, de acordo com o diretor executivo da ONG Consciência dos Direitos Humanos e Fórum de Promoção de Uganda (HRAPF, na sigla em inglês), Adrian Jjuuko. 

Quem condena normalmente o faz em nome da religião, afirma o professor de antropologia da Universidade Estadual Paulista (Unesp) Claudio Bertolli Filho. Para ele, Estados cujas leis são baseadas na sharia – conjunto de regras baseado no Alcorão, o livro sagrado do Islamismo, e na biografia do profeta Maomé – são os que mais executam.  

“Muitos países africanos são muçulmanos ou têm muitos grupos muçulmanos. E o islã, desde a sua origem, condena a homossexualidade. O próprio islamismo sugere a pena de morte”, diz.

Penas alternativas

Apesar da legislação severa, alguns países têm deixado de aplicar a pena máxima para o crime, principalmente no Norte do continente africano. O Egito e o Marrocos, por exemplo, utilizam penas mais leves como punição, mas, em contrapartida, deixam os homossexuais à mercê de autoridades corruptas, que acabam os extorquindo, explica explica a pesquisadora sênior do Programa de Direitos LGBT da ONG Human Rights Watch (HRW), Neela Ghoshal.

“Agora os gays são vítimas de policiais que exigem dinheiro em troca da liberdade deles, já que podem acusá-los de vários crimes. A lei hoje é um pretexto para o suborno”, afirma.

Por causa da legislação e dos casos de homofobia, muitos homossexuais recorrem ao crime para sobreviver. Neela diz que eles têm dificuldade em encontrar emprego e são oprimidos pelo Estado. “Eles também não têm acesso a saúde e acabam se expondo a doenças sexualmente transmissíveis. Quando são vítimas de violência, se calam por medo”.

Uganda

Em fevereiro de 2014, a Uganda se tornou um dos mais recentes países a adotar lei que puniria com prisão perpétua os relacionamentos homossexuais. A medida, porém, foi revogada em agosto daquele mesmo ano após pressão internacional. Ainda assim, relacionamentos entre pessoas do mesmo sexo são criminalizados pela constituição nacional que impede, no artigo 31, “relações carnais contra a ordem da natureza”, sob pena de reclusão.

Durante os seis meses em que a medida ficou vigente, a ONG Consciência dos Direitos Humanos e Fórum de Promoção de Uganda (HRAPF, na sigla em inglês) contabilizou 36 detenções por homossexualidade, principalmente nas cidades de Kampala e Mbarara. Em nenhum deles, porém, houve condenação à prisão perpétua. Entre janeiro e o início do mês de junho deste ano foram relatadas pela HRAPF oito prisões.

“Hoje, todos que foram processados por conduta homossexual em Uganda naquele período foram absolvidos ou tiveram as acusações retiradas”, explica Neela.

A legislação ugandense acaba refletindo também nas atitudes da população. Adrian Jjuuko, diretor executivo da HRAPF, diz que os homossexuais, principalmente travestis e transexuais, sofrem ataques homofóbicos em situações corriqueiras, como ao sair para fazer compras no supermercado.

“Os transexuais são as maiores vítimas. Eles geralmente são insultados e recebem ameaças de despejo, de serem queimados vivos e despidos em públicos”, destaca.

Brasil

Na América, a maior parte dos países não criminaliza a homossexualidade. No Brasil, em maio de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou resolução que obriga os cartórios a celebrar o casamento civil e converter a união estável homoafetiva em casamento. Países como o Canadá, Uruguai e Argentina também legalizaram a união entre pessoas do mesmo sexo.

Mas apesar do avanço em relação aos direitos LGBTs, a guinada à direita no Congresso Nacional brasileiro pode indicar um período de grandes mudanças e até a inversão desse tipo de lei, afirma o doutorando em antropologia social sobre políticas e poéticas do travestimento, Vitor Grunvald.

“Costumo dizer que quando o assunto é direitos humanos, civis e sociais, a história está cheia de exemplos de que não existem garantias. Nada impede que direitos adquiridos sejam revogados. E, sem dúvida, a onda de conservadorismo encabeçada por uma direita com forte apelo ao fundamentalismo religioso pode desfazer importantes conquistas”, afirma. 

O professor de antropologia da Unesp, Claudio Bertolli Filho, lembra ainda que o avanço de um grupo religioso no Congresso Nacional não é benéfico para a sociedade, mas sim para um grupo específico. “A eleição dos neopentecostais nas ultimas décadas significa o estabelecimento de leis que favoreçam a opinião desses religiosos sobre temas polêmicos, como a homoparentalidade e a união homoafetiva.”

Países como os da Europa e os Estados Unidos (EUA) já viveram esse tipo de situação. Ao fim do século 19, por exemplo, os EUA e a Inglaterra intensificaram campanhas públicas encorajando a castidade. Na década de 1970, um movimento na Flórida liderado por Anita Bryant e intitulado “Salve as nossas crianças” visava a luta pela revogação da legislação – então recente – que proibia a discriminação baseada na orientação sexual.

Fonte: iG

 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

Menu de Topo