‘PSOL é um passo à frente do PT’, diz ex-candidata à Presidência Luciana Genro

A gaúcha Luciana Genro, ex-candidata à Presidência da República pelo PSOL, obteve 1,6 milhão de votos nesta eleição. O número não permitiu que ela fosse ao segundo turno, mas a postura coerente e firme nos debates a alçaram a queridinha da juventude. Luciana foi quem mais abordou temas progressistas e polêmicos como a criminalização da homofobia e a legalização do aborto.

Ainda na década de 1980, Luciana começou sua militância partidária dentro das fileiras do PT, partido em que seu pai, Tarso Genro, ex-ministro do governo Lula (2002-2010) e atual governador do Rio Grande do Sul, também faz sua carreira. A proximidade familiar, porém, não impediu que ela, quando era deputada federal, votasse contra a orientação do partido para aprovação da Reforma da Previdência em 2003, fosse expulsa do PT e fundasse o PSOL (Partido Socialismo e Liberdade), ao lado de outros dissidentes, como a ex-senadora Heloísa Helena e o deputado João Batista Babá.

Por ter passado pelo PT, ela fala com propriedade das principais diferenças entre os dois e diz que o PSOL é melhor que o partido-mãe. Para ela, a votação expressiva conseguida neste ano mostra que o PSOL conseguiu dialogar com os jovens, coisa que outros partidos de esquerda do Brasil ainda não conseguiram.

Otimista, Luciana diz acreditar que, apesar da reeleição de deputados como Jair Bolsonaro (PP-RJ), famoso por declarações homofóbicas e machistas, do aumento do número de pastores e bispos na bancada e aumento de congressistas identificados com alas militares, a sociedade está mais progressista e aberta aos temas que ela levou ao debate eleitoral. Leia abaixo a entrevista exclusiva da ex-candidata ao iG.

iG: Vocês dizem que não pagam militantes e quem fez as campanhas, quem trabalhou nas eleições, foi porque acreditava. Quais são as bases do PSOL?

Luciana Genro: Originalmente, nossa base foi uma ruptura dos setores mais conscientes do PT e abrange diversas categorias dos trabalhadores da classe média. Desde a eleição do Plínio [de Arruda Sampaio, candidato à Presidência da República, em 2010] e agora com a minha campanha, o PSOL se enraizou bastante como referencia para juventude. Os jovens não viveram uma experiência com o PT, não são como as pessoas mais velhas que têm muita dificuldade de desvincular do PT e partir para uma nova construção ou se desiludiram tanto que não têm mais ânimo para partir para uma nova experiência partidária. A juventude vem mais fresca nesse sentido porque não passou pela desestruturação do PT e nem está amarrada a essa história. Portanto, tem mais mobilidade para se engajar em um novo projeto partidário.

iG: Quem é o eleitor do PSOL?

Luciana: Acho que tem eleitor bem heterogêneo. Um eleitor que se frustrou com PT, mas que ao mesmo tempo sabe que o retrocesso ao PSDB não vai trazer nenhum benefício e busca saída à esquerda. É um eleitor mais bem informado que acompanha detalhadamente a política. Não se volta apenas para política apenas na hora de ir para urna votar. Acompanha a vida a vida política do país e consegue formar um juízo de valor mais preciso a respeito da situação política do País.

iG: Há uma parcela das pessoas que identifica o PSOL com o PT da década de 80. Como a senhora vê isso? Quais as diferenças entre PT e PSOL?

Luciana: O PSOL é melhor que o PT nas suas origens porque é composto por lideranças políticas que passaram por essa experiência política do PT. Elas, portanto, absorveram as lições de uma esquerda que não enfrenta as estruturas do poder da forma como deveria e acaba por sucumbir a essa lógica das instituições do capitalismo. Além do mais, os agrupamentos políticos que fundaram o PSOL têm raízes no movimento socialista e o PT não tinha essa característica. Era bem mais heterogêneo. Lideranças como o próprio Lula não tinham uma consciência mais profunda na fundação do PT, que nasceu como um partido da classe trabalhadora, não como um partido de socialista. O PSOL é um passo à frente do PT.

iG: O PT teve de fazer concessões e alianças com partidos e setores, como os empresariado e bancos, que sempre foram criticados pelos petistas no passado. Como o PSOL planeja conseguir maior representatividade?

Luciana: É o oposto do que fez o PT. O PT acabou buscando um atalho para chegar ao poder. Esses atalhos se concretizaram nessa linha de alianças com setores da oligarquia, com o capital financeiro, colocando o Henrique Meirelles no Banco Central. A Carta ao Povo Brasileiro em 2002 [documento em que Lula, então candidato à Presidência, pregava uma prometia manter a política econômica do governo do tucano Fernando Henrique Cardoso] foi o símbolo maior desse atalho e significava fazer concessões ao capital para poder ganhar as eleições sem maiores confrontos. Acho que o PSOL tem que fazer o caminho inverso. Tem que ganhar o apoio do povo e enraizar mais fortemente no povo. A gente tem um longo caminho a percorrer para enraizar a fundo no movimento operário, nos bairros mais pobres das grandes cidades para ganhar o apoio popular e fazer um governo de enfrentamento ao capital.

iG: Como fazer para ter esse apoio da população e conseguir fazer um governo sem concessões?

Luciana: Se eu fosse eleita, teria esse apoio porque a situação política seria outra. Não creio que um discurso de conciliação me permitiria ter o apoio necessário do povo para fazer esse enfrentamento. Prefiro ficar na oposição mais um tempo lutando para ganhar esse apoio e desenvolver consciência no povo de que é necessário se mobilizar para enfrentar os interesses das grandes oligarquias. Não acredito na possibilidade de fazer essas mudanças no Brasil sem apoio e mobilização popular. Não adianta querer pegar o atalho de fazer um discurso moderado. Isso resulta no que fez o PT, que chegou ao poder e se moldou às estruturas. Se tu ganhas a eleição com um discurso de conciliação de classe, semeando a ilusão de que é possível governar para todos sem contrariar os interesses de ninguém, tu não vais ter condição de fazer esses enfrentamentos políticos depois.

iG: O que diferencia o PSOL dos outros partidos de esquerda?

Luciana: Tenho muito respeito pelo PSTU e pelo PCB, que são partidos que têm uma história e trajetória coerente. Mas vejo que eles não conseguem traduzir os princípios do partido de esquerda em um programa compreensível para a juventude, para o povo de um modo geral. Apresentamos na campanha o que eu defini como programa de transição. Não era um programa diretamente socialista, de desapropriação, de medidas que redundariam na imediata implantação do socialismo no Brasil, como acaba sendo expresso o programa do PSTU, por exemplo. A gente conseguiu construir uma ponte entre as demandas mais imediatas do povo e a estratégia socialista a partir de um programa de transição, coisa que o PSTU e o PCB, a meu ver, não conseguem fazer porque acabam expressando uma política de princípios socialistas e não conseguem dialogar com a realidade concreta do Brasil.

iG: A senhora obteve 1,6 milhão de votos. A que credita essa votação?

Luciana: Credito a uma situação política que demanda uma alternativa à esquerda do PT. As jornadas de junho criaram uma massa critica que busca uma nova política de verdade, não a fraude que Marina [Silva, candidata à Presidência pelo PSB] propôs durante o processo eleitoral. Acho que a eleição acabou propiciando essa visibilidade ao PSOL. Consegui, de alguma maneira, vocalizar essas demandas que vieram as ruas em junho de uma parte significativa da juventude, de uma parte da população que saiu às ruas em junho por direitos sociais, por uma democracia real e por direitos civis, como é o tema da homofobia, que ganhou bastante relevância na campanha graças a minha intervenção nesse assunto.

iG: Plínio de Arruda Sampaio, que concorreu à Presidência em 2010, obteve 886 mil votos. O que mudou entre a candidatura do Plínio e a da senhora?

Luciana: Foi justamente uma politização maior da juventude. A gente conseguiu cativar muito a juventude e atrair também um voto de protesto muito significativo. A minha campanha conseguiu agregar [votos] ao que o Plinio já tinha construído dialogando mais fortemente com a juventude, que se politizou nesse processo de junho. O número de jovens que estão atentos à política foi ampliado. Conseguimos também apresentar um programa mais acabado. Isso ajudou a pensar no PSOL não só em um voto de protesto, mas também no voto por uma proposta, por um programa para o Brasil.

iG: O Congresso eleito é apontado como o mais conservador desde 1964 e o PSOL conseguiu aumentar a bancada de três para cinco deputados. Qual será a dificuldade para emplacar as pautas mais à esquerda?

Luciana: Embora as forças mais conservadoras do Congresso estejam um pouco pior do que era na legislatura passada e o PSOL um pouco maior, não vejo uma correlação com a sociedade. Minha votação ter sido superior à votação do Everaldo [candidato do PSC, que teve 780 mil votos] e do [Levi] Fidelix [candidato do PRTB, que teve 445 mil] somadas é um sintoma de que essas pautas progressistas têm mais apoio que as pautas reacionárias. A força dos deputados do PSOL vem de fora do Congresso Nacional. Nesse sentido, essa força está maior agora do que estava há quatro anos. Esses setores reacionários levantam a cabeça em uma reação ao avanço das forças progressistas. É natural que, à medida que haja mais tencionamento por avanço, como a gente vê na questão LGBT, alguns setores reacionários se levantem e tentem reagir a essas demandas por avanço. Estamos hoje, do ponto de vista da correlação de forças na sociedade, em melhores condições para demandar avanços sociais e nos direitos civis do que estávamos há quatro anos. Não dá para medir essas forças apenas pelos resultados da eleição de parlamentares. É um conjunto de variáveis.

iG: O que o PSOL será nos próximos quatro anos e o que a Luciana fará nesse período?

Luciana: O PSOL vai ser o partido da esquerda coerente. Independente de quem vença, nós vamos estar na oposição, lutando para construir uma esquerda que não abandone as suas bandeiras em troca de mais votos e que apresente uma proposta de mudança estrutural na economia e na política do País. Eu vou ser uma das porta-vozes dessa proposta de esquerda coerente junto com os deputados federais e vou colaborar viajando pelo Brasil, participando de debates, apoiando movimentos. Eu também volto para a advocacia. Vou continuar trabalhar, mas isso não impede que eu exerça essa função de porta-voz junto com os deputados, das propostas do PSOL.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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