Procura por cadastro do Auxílio Brasil dispara e cria fila da fila

A fila de espera para receber o Auxílio Brasil disparou nos últimos meses, e a quantidade de famílias que buscam fazer o cadastro para conseguir o benefício —a chamada “fila da fila”— também vem crescendo.

Zerar a lista de espera para entrar no Auxílio Brasil e ampliar o valor do benefício para R$ 600 estão entre as medidas previstas pelo governo Jair Bolsonaro (PL) na PEC (proposta de emenda à Constituição) que amplia o programa social a três meses da eleição.

De março a abril, dados mais recentes disponibilizados pela CNM (Confederação Nacional dos Municípios), houve um aumento de 113% da fila no CadÚnico (Cadastro Único), requisito básico para acessar o Auxílio Brasil. Segundo a entidade, há 2,788 milhões de famílias aguardando a transferência de renda atualmente.

O número é maior do que esperado pelo governo, que estima que a fila chegue a 2 milhões em agosto, quando deve começar o pagamento do benefício no valor mínimo de R$ 600. Além disso, técnicos do Ministério da Cidadania reconhecem que a fila não deve ficar zerada por muito tempo, pois os recursos a serem liberados são calculados para atender as famílias que já estarão à espera do programa —e novos pedidos continuarão a ser apresentados até o fim do ano.

Não há estimativa de quantas famílias estariam nessa fila da fila para fazer o cadastro, formada pelos brasileiros que aguardam a inclusão no CadÚnico. O Ministério da Cidadania informou que não acompanha quantos cidadãos ainda não conseguiram entrar no cadastro.

Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, diz que a fila da fila é difícil de mensurar e atinge municípios de maior porte, onde há condições de vida mais precárias. Para ele, em vez de elevar o valor do Auxílio Brasil de R$ 400 para R$ 600, o ideal seria ampliar o número de famílias atendidas. “Seria possível incluir 12,668 milhões de famílias no programa com R$ 400”, diz.

O levantamento da CNM aponta que o estado de São Paulo é o que concentra o maior número de famílias à espera do Auxílio Brasil. Em abril, 429 mil estavam na fila em São Paulo, o que representa crescimento de 80% em relação à demanda de março. Em seguida estão Rio de Janeiro (282 mil famílias) e Bahia (275 mil).

Em maio, segundo a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Social de SP, o total de famílias na fila do CadÚnico à espera do Auxílio Brasil chegou a 497.292.

Para receber o Auxílio Brasil, o cidadão precisa estar inscrito no CadÚnico e atender a critério de pobreza (renda entre R$ 105,01 e R$ 210 por pessoa da família) ou extrema pobreza (renda de até R$ 105 por pessoa da família). A inscrição é feita por aplicativo ou site, mas o cadastro precisa ser validado em até 120 dias (quatro meses). Nesta fase, muitos não conseguem agendar atendimento e seguem sem assistência.

A perda de renda, a disparada da inflação e o desemprego em patamar elevado preocupam Bolsonaro, que está em segundo lugar nas pesquisas de intenção de voto, atrás de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

De 2020 a 2021, os 5% mais pobres viram sua renda despencar 34%, de R$ 59 para R$ 39. Foi o mais intenso entre as camadas da população investigadas em uma pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

A queda é agravada pelo aumento de preços, sobretudo de alimentos, que pesam mais na cesta dos mais vulneráveis. Em 12 meses até junho, o grupo alimentação e bebidas acumulou alta de 13,93%, segundo o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), também divulgado pelo IBGE.

Nesse cenário, o país voltou ao Mapa da Fome. Atualmente, 33 milhões de pessoas enfrentam o problema no país, apontou o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, divulgado em junho.

BRASILEIROS DORMEM NA FILA PARA FAZER OU ATUALIZAR CADASTRO

Capitais como Rio de Janeiro e Salvador enfrentam grande procura de interessados em fazer ou atualizar os dados do CadÚnico, com filas formadas desde a noite anterior e pessoas indo embora sem conseguir senhas.

Em Bangu, na zona oeste do Rio, cerca de 120 pessoas aguardavam na fila para atualizar os dados na praça Raimundo da Paz na segunda-feira (11). Havia cinco tendas com 14 funcionários da assistência social no atendimento.

Alessandra Rosa, 43, chegou por volta das 5h da manhã e não conseguiu pegar senha. Desempregada e mãe de quatro filhos, ela contou que já havia pessoas no local desde as 3h da manhã.

Essa é quarta tentativa para atualizar o cadastro —antes, havia procurado a unidade da favela Vila Moreti. “As atendentes dizem que lá não podem mais receber ninguém. A população lá corre risco, porque fica na fila e pode sair um tiroteio.”

A mineira Deise Carvalho, 28, está desempregada há um ano e meio e também não conseguiu ser atendida na segunda-feira.

“Vim atualizar meus dados, porque recebo o auxílio há mais de dois anos. Eu fico em casa com duas crianças. Vim para o Rio para ter mais oportunidade de trabalho, mas as coisas aqui estão difíceis. Eu vendo doces, mas até para comprar material para revender está caro”, disse.

O auxiliar de serviços gerais João Melo da Silva, 51, levou até um livro para passar o tempo. O morador de Senador Camará também não conseguiu pegar a senha de atendimento. “Já trabalhei como auxiliar de faxina, de caseiro, mas agora com a minha idade é muito difícil, ninguém quer contratar.”

No fim de maio, 67 mil famílias da cidade do Rio estavam inscritas no CadÚnico, mas não tinham sido incluídas no Auxílio Brasil. E, no fim de junho, esse número aumentou para 109 mil.

Em Salvador, entre os que buscavam atualizar dados estava o cozinheiro desempregado Roberto Carlos, 58, que recebeu auxílio emergencial até dezembro passado, mas, desde então, não conseguiu entrar para o Auxílio Brasil, que substituiu o Bolsa Família.

Ele passou a noite na fila, onde chegou por volta das 20h de domingo (10). Para chegar ao local, precisou pegar dinheiro emprestado para um táxi, despesa dividida com o vizinho Rafael Barbosa, 25.

“Já tentei várias vezes, mas sempre dá erro. Eu vivo de biscates, vendo lanches. Não tenho renda. Preciso desse dinheiro”, disse.

A alta na procura por programas de assistência social tem sobrecarregado as unidades do Cras (Centro de Referência em Assistência Social) e postos de atendimento das prefeituras. A RBRB (Rede Brasileira de Renda Básica) já recebeu relatos de espera de até quatro meses por agendamento.

Na cidade de São Paulo, a média de espera para atendimento em um Cras é de 21 dias. Nas unidades do programa Descomplica, chega a 35 dias.

Coordenador de gestão de Benefício da Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento de São Paulo, Luis Francisquin afirma que o prazo é justificado pelo aumento na procura por serviços assistenciais.

Segundo ele, aproximadamente 70% dos atendimentos estão relacionados ao CadÚnico. “A demanda é crescente desde o ano passado, mas vem aumentando no último semestre, porque a população está empobrecendo.”

A situação é semelhante no Distrito Federal. A cuidadora Cristiane Oliveira de Carvalho, 43, relata que procurou o Cras (Centro de Referência da Assistência Social) no dia 6 de julho e conseguiu agendar o atendimento apenas para 25 de agosto –um intervalo de 50 dias.

A trabalhadora precisa ir até um posto físico para validar as informações cadastradas pelo aplicativo lançado pelo governo federal.

“Eles pedem para que a gente tenha paciência e espere, mas é muito angustiante”. Cristiane e os dois filhos, um com 5 anos e outro com 17 anos, sobrevivem da pensão paga pelo pai do filho caçula e de alguns bicos que faz como cuidadora e faxineira.

Por meio de nota, a Sedes (Secretaria de Desenvolvimento Social) do Distrito Federal informou que os atendimentos no Cras serão antecipados para o mês de julho. “As famílias serão contatadas ao longo dos próximos dias para serem informadas acerca da nova data de atendimento”, diz o comunicado.

20 MILHÕES PERDERAM COBERTURA COM FIM DO AUXÍLIO EMERGENCIAL

Segundo estimativa da RBRB, 20 milhões de famílias ficaram sem nenhuma assistência social com o fim do auxílio emergencial. Embora nem todas cumpram os requisitos para receber o Auxílio Brasil, um número expressivo delas pode estar na fila da fila, diz a entidade.

“Nem todas as famílias do auxílio emergencial seriam as famílias do Auxílio Brasil, mas a gente parte de um número. Nós tínhamos pelo menos 20 milhões de famílias a mais sendo assistidas por uma política de transferência de renda”, afirma Paola Carvalho, diretora de relação institucional e internacional da RBRB.

 

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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