Potências racham sobre internet e há temor de 'guerra fria digital'
A Conferência Mundial sobre Telecomunicações Internacionais, realizada nas últimas duas semanas pela ONU, nos Emirados Árabes Unidos, terminou nesta sexta-feira como havia começado: com forte divisão entre os países-membros.
Os acordos finais foram aprovados por 89 países, entre eles, Brasil, China, Arábia Saudita e África do Sul, contra 55 que se negaram a assinar, entre eles Alemanha, Japão, Qatar e Colômbia.
O primeiro grupo foi identificado com a Rússia, o segundo com os EUA, o que levou observadores a questionarem se o mundo corre risco de “guerra fria digital”.
O maior fator de divisão, ao longo da conferência, foi uma eventual menção à internet –o que era defendido desde o princípio pela Rússia, com apoio da China e de países árabes, e questionado por EUA e países europeus.
No final, depois de ameaças de abandono pela delegação americana e dias inteiros de negociação, houve referência genérica à governança da internet num texto paralelo, não obrigatório.
SPAM
Mas os EUA questionaram outros pontos, presentes nas resoluções de adoção obrigatória pelos signatários, sobretudo a defesa de regulação de spam –o que exigiria reconhecer conteúdo de internet, na visão americana, arriscando a liberdade de expressão.
Também foi destacada pelos EUA a descrição das entidades do setor, num dos textos finais, a pedido da Rússia, como “agências operadoras”, o que abrange empresas de internet, e não “agências operadoras reconhecidas”, o que limitaria o escopo às teles.
Apesar do racha, o chefe da comitiva dos EUA, Terry Kramer, afirmou hoje que “não é o fim do diálogo sobre o papel de governos e das partes interessadas no crescimento dos setores de telecomunicações e internet”.
Em tom amistoso, disse que “a conversação global vai continuar”. Acrescentou depois que muitos dos signatários acabarão tendo “remorso de comprador”, quando acordarem para as vantagens econômicas da internet sem interferência estatal.
Também o ministro Paulo Bernardo (Comunicações), que chefiou a comitiva brasileira, sublinhou que o diálogo segue até nova reunião plenária da União Internacional de Telecomunicações (UIT), marcada para 2014 na Coreia do Sul. “Vai continuar, vai ter um avanço.”
Ele espera novas adesões ao tratado nos próximos meses, porque “muitos países que se alinharam com os EUA declaram que vão consultar as suas capitais para saber se assinam ou não”.
ADOÇÃO
A adoção plena do novo tratado só deve acontecer em 2015, após a ratificação pelos países no novo encontro da UIT. E não há definição ainda quanto à maneira de obrigar seu cumprimento pelos signatários. Quanto aos que recusarem o novo tratado, como os EUA agora, deverão seguir com as normas de telecomunicações estabelecidas em 1988 pela mesma UIT.
“A despeito da marcação de posição negativa de países importantíssimos [como os EUA], achamos que houve avanços expressivos”, diz Bernardo, lembrando a aprovação de normas para “roaming” e pontos regionais de tráfego, questões mais ligadas às telecomunicações.
Para ele, o apoio de países democráticos ao tratado, como México, Indonésia, Brasil e outros, “dissipa qualquer possibilidade de alguém falar que foi união de países com visão autoritária”. Folha de São Paulo