Para Giannetti, ser vira-lata é boa alternativa a uma civilização em crise

O economista Eduardo Giannetti gosta de nadar contra a corrente. “Se o país está muito eufórico e otimista, eu fico pessimista. E vice-versa. Sempre tive a tendência de achar que os excessos da imaginação brasileira precisam ser atenuados”, afirma em entrevista à Folha.

A julgar por essa lógica, o atual momento do país parece especialmente propício para o lançamento de seu livro mais recente, “O Elogio do Vira-Lata e Outros Ensaios”. Crise política, polarização social, escândalos de corrupção e estagnação econômica compõem um quadro que a maioria considera desalentador.

Não Giannetti. Separando o “circunstancial da conjuntura do permanente da cultura”, o economista de 61 anos diz: “Nós que temos certa idade já vimos esse ciclo muitas vezes no Brasil. No meio de um ciclo, não se sabe o que vai acontecer. É como uma turbulência grave. Depois que passa e você olha para trás, era só aquilo mesmo, uma turbulência”.

Daí não decorre necessariamente que a etapa seguinte seja próspera. Superada uma fase muito aquém das expectativas, nada impede que o país apenas volte a sua mediocridade costumeira, certo?

“Um estado de depressão às vezes mobiliza uma energia que de outra forma não aparece”, diz Giannetti, ainda em entrevista. “Grandes criadores têm períodos altamente depressivos que fazem parte de um processo de mobilização de forças.”

O raciocínio alimenta a organização de seu novo livro, uma coletânea de 25 textos escritos de 1989 a 2018 que, como sustenta o autor no prefácio, têm em comum “o potencial de dialogar com o presente”. Um diálogo prenhe de esperanças. “O Brasil, quero crer, está grávido: no limiar de um parto temporão de cidadania.”

A chave para o futuro vislumbrado por Giannetti está no primeiro ensaio, “O elogio do vira-lata”. Único artigo de 2018 e um dos dois que não haviam sido publicados antes, é também o mais engenhoso da compilação. Numa espécie de sessão de psicanálise, o autor deita a alma brasileira no divã e procura livrar-lhe daquilo que, 60 anos atrás, Nelson Rodrigues identificou como a única coisa que nos atrapalhava e às vezes invalidava nossas qualidades no futebol: o complexo de vira-latas.

“Faz sentido a ideia de uma civilização brasileira? Uma resposta afirmativa não precisa implicar nenhum tipo de arroubo xenófobo ou húbris cultural. O que ela implica é a identificação dos nossos valores e uma efetiva adesão a eles”, escreveu na obra de 2016 —repetindo palestra de 2012 incluída no “Elogio…”.

Em conjunto, os dois livros mostram, em prosa elegante e imagens vivas, as preocupações de alguém que há muito tempo não só busca a identidade brasileira mas também questiona os rumos da humanidade. 

Para ele, os três ídolos da modernidade —a ciência, a tecnologia e o crescimento econômico— estão exauridos. A crise ambiental e a epidemia de transtornos mentais são exemplos de problemas decorrentes de um projeto civilizatório (anglo-americano) que fez da guerra contra a natureza sua principal inspiração.

Não surpreende que muitas das questões levantadas por Giannetti convirjam para a temática ecológica; não custa lembrar, ele foi e é assessor econômico de Marina Silva (Rede). Surpreende, porém, que não atue como o economista típico; em vez de analisar as bases materiais ou institucionais da sociedade, olha antes para o plano das ideias.

No outro artigo de “Elogio…” que não tinha sido publicado antes, ele apresenta Agostinho da Silva, filósofo português morto em 1994 que trata dos “limites do entendimento lógico-racional do universo, nos moldes da ciência moderna”.

Seu maior interesse está no que Agostinho diz “sobre a função planetária dos povos e culturas de língua portuguesa”, com potencial para eleger valores e construir formas de vida “capazes de superar os impasses e ameaças a que chegamos na trilha do tecnoconsumismo ocidental”.

Giannetti encerra esse ensaio lembrando que Agostinho provoca a não nos contentarmos “com nada que seja menos do que sonhar, descobrir e criar um novo mundo”.

Vale como utopia, sem dúvida. Mas, se há outro tema recorrente nos textos reunidos em “Elogio…”, é a distância entre o falar e o fazer, o pensar e o agir, o sonho e a realidade. 

 

Fonte: Folha de São Paulo

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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