O rádio foi uma escola: por que não o é mais? – José Jorge Andrade Damasceno

Os primeiros cinquenta anos da existência do rádio no Brasil foram marcados pelos grandes saltos no que diz respeito ao desenvolvimento de suas estruturas de programação e técnicas de transmissão, no sentido de promover a difusão de cultura, esporte, música e informação, alcançando grande êxito no desempenho de seu papel de “formar” e “informar”, que levara a cabo com maestria e competência.

Por meio do rádio era possível saber de tudo que se passava na política (ou quase tudo), na economia, no País e no Mundo, quase em tempo real. Nos grandes centros nas povoações de médio porte ou nos arrabaldes do território nacional, o alcance do rádio era limitado apenas por razões materiais (recursos financeiros para a sua aquisição), visto que a falta de energia elétrica em grande parte dos mais de 8 mil quilômetros quadrados de terras brasílicas, não era impedimento para se ouvir o rádio, sendo tornado possível pelo aparecimento e rápida difusão das pilhas. As mais conhecidas eram Evered (as pilhas do gato – referindo-se ao tempo de sua duração), pilhas Philips (melhor não há – dizia a sua propaganda), as pilhas Rayovac “as amarelinhas”, talvez a mais popular dentre uma infinidade delas.

Entretanto, o rádio que foi uma “escola” no passado, ao que parece, abriu mão desta prerrogativa no presente. Tomando como referência o que se convencionou chamar de “rádio jornalismo”, teve as décadas de 1960 e 1970 como “época de ouro” de sua inserção nas casas, sítios, xácaras e fazendas de praticamente todos os brasileiros. Com o advento da televisão no início da década de 1950, o rádio precisou se reinventar, uma vez que, conforme Mário Luís compreendeu ao assumir a direção da Rádio Globo nos meados da década de 1960, a televisão chegava para se ocupar em desempenhar o papel de divertir o público, fazendo-o com personagens e/ou personalidades formadas pela “escola do rádio teatro”.

Disto decorreu a necessidade de se fazer um rádio voltado para a comunicação e a prestação de serviço, o que levou a um redimensionamento de sua programação. É naquele contexto que Surgem comunicadores da estirpe de Haroldo de Andrade, Edmo Zarife, Luciano Alves, Waldir Vieira, Gilberto Lima, Paulo Giovane, Paulo Moreno, Luís de França e o próprio Mário Luís na rádio Globo que, sendo uma emissora de grande porte que perseguia o primeiro lugar na preferência dos ouvintes, contava com uma retaguarda de programadores, redatores, dentre eles podendo-se mencionar Áurio Ameno, que alimentavam os comunicadores com as informações, notícias e indicações musicais. Era sobre um tal lastro que os programas alcançavam grande sucesso e longevidade no ar. Ainda se poderia citar no âmbito regional os comunicadores Valter Costa e Fernando José no início dos anos 1970 na Rádio Excelsior de Salvador e, Armando Mariane mais ou menos no mesmo período, que apelidava o telefone “cinco nove, meia dúzia dois” de “crioulo doido” e que teve entre os seus quadros com a participação do ouvinte pelo telefone, um que se chamava “peça no gogó!”. Nele os ouvintes eram desafiados a pedir a sua música preferida, cantando-a.

Em entrevistas encontradas na rede mundial de computadores, Áurio Ameno e Mário Luiz, salientam o cuidado que se tinha com a elaboração da programação, com a seleção das músicas, das notícias e, sobretudo, com a seleção das pessoas que empunhariam a “latinha”, cuidado que, aliás, ficava bem patente, ao se observar a qualidade e a correção do vernáculo utilizado pelos locutores envolvidos em toda a programação das emissoras de rádio AM, mesmo aqueles que faziam os programas humorísticos como a “Turma da Maré Mansa” veiculado por muitos anos nas rádios Globo e Tupi, “O Balancê”, apresentado pela equipe de Osmar Santos na rádio Excelsior de São Paulo e  de programas de apelo popular, como “a patrulha da cidade” apresentado durante muitos anos nas rádios Globo e Tupi, por Samuel Corrêa, a “Sociedade contra o crime”, apresentado na década de 1970 na rádio Sociedade da Bahia, por Coelho Lima. A lista é enorme, mas bastam estes exemplos para se perceber o esmero com que tais programas eram elaborados e levados ao ar, primando pelo emprego correto da língua, ainda quando se satirizava o quotidiano, ou quando o trazia na sua crueza, dramatizando as desventuras apreendidas nos registros policiais e/ou nos prontos socorros das cidades.

Como vinha dizendo, o rádio como difusor de notícias era, por assim dizer, o jornal dos que não sabiam ou não podiam ler. As pessoas e as vozes que desenvolveram a tarefa de fazer chegar aos brasileiros as informações do que acontecia “no Brasil e no mundo”, eram criteriosamente escolhidas, conforme é recorrente nas entrevistas concedidas por um bom número daqueles locutores que atuaram no período acima aludido, que deixaram seus depoimentos gravados ou escritos em diversos suportes e em diversos momentos.

Este escrevente traz em sua memória, ainda muito vivos, nomes e vozes que ouviu por muitos anos de sua vida, nas diversas rádios que escutou ou “corujou”, para utilizar um jargão do rádio amadorismo. Manoel Canário, Donizete Nascimento, Reinaldo Moura, Carlúcio Pereira, Wailson Marcílio, Ubaldo Câncio de Carvalho (rádio Sociedade da Bahia); Glauco Fasshever, Isac Zaltman, Sérgio Nogueira, Guilherme de Souza, Luiz de França, Roberto Figueiredo, Cleber Sayão, Carlos Bianchini, Elóe de Carlo(rádio Globo do Rio de Janeiro); Maurício Figueiredo, Marcio Seixas, Orlando de Souza, com a participação das correspondentes de Brasília Sônia Carneiro e Lícia Marques (Rádio Jornal do Brasil nos grandes momentos do “Jornal do Brasil Informa”, captado por este memorialista as 18h:30, com excelente qualidade de recepção nos meses de junho a agosto, tendo ainda mais 3 edições ao longo da programação da emissora carioca, cujo lema era “O Fato no Ato”);Ferreira Martins, Wolker Blas, Muibo César Curi, Lourival Pacheco,, Antônio Carvalho, José Paulo de Andrade (ainda hoje fazendo o Pulo do Gato e Jornal Gente), Salomão Esper, Joelmir Beting, Vicente Leporace, (rádio Bandeirantes de São Paulo); Humberto Marsal (cuja marca foi o jornal noturno Checap 1000), Zancoper Simões (Record São Paulo).

Como não falar de programas específicos como “Jornal Gente”, o “Primeira hora”, o “Manhã Bandeirantes”, cuja abertura  era marcada pelas brilhantes interpretações de Lourival Pacheco dos textos de um dos maiores redatores que este escrevedor acompanhou naquela emissora, Gonzalo Parada; ou ainda do programa dominical o “arquivo musical” por longo tempo apresentado por Antônio Carvalho e por Muibo César Cury, não deixando de mencionar o “pulo do gato” com José Paulo de Andrade, programa que era levado ao ar invariavelmente as seis da manhã e cujo nome remete ao seu primeiro patrocinador, as pilhas Evered. São programas longevos levados ao ar desde pelo menos a década de 1970 pela rádio bandeirantes de São Paulo, ouvida por meio de suas ondas curtas de 25 e 31 metros.

É neste sentido e a título de conclusão desta série de textos sobre o “rádio como escola”, que se trará algumas das impressões de um dos locutores envolvidos no “rádio AM” aqui brevemente historiado, atuando em várias emissoras por mais de 50 anos. Trata-se de Glauco Fasshever, que terá trechos de entrevista concedida ao site Show do Rádio, transcritos sem comentários, visando mostrar o que pensa quem já fez o rádio, a respeito de como ele vê o rádio e como está sendo feito hoje. Em um dos trechos selecionados, Glauco Facever diz ao seu entrevistador que:

“[…], o rádio tinha respeito pelo ouvinte. Havia uma grade de programação e o ouvinte se habituava ao esquema de trabalho de cada emissora. Sabia corretamente a hora certa, o nome de cada locutor que se apresentava, o programa que seria de seu interesse em cada área, bem como os horários certíssimos dos noticiários, que normalmente eram dirigidos às suas comunidades. Antes até de minha época, como exemplo, havia um programa Jornalístico na antiga Rádio Nacional do Rio de Janeiro que se chamava “REPÓRTER ESSO”- apresentado, na minha opinião, pelo melhor locutor de notícias do Brasil até hoje, HERON DOMINGUES, que quando informava a hora certa, todos os cidadãos que estivessem ouvindo a rádio, acertavam os seus relógios, pois estavam certos da seriedade da informação. Mudou tudo e para pior! A atenção para com o público ouvinte, a responsabilidade pelo trabalho, o profissionalismo das pessoas que atuam nas emissoras, a ética profissional e o respeito pelos anunciantes”.

Perguntado se ainda ouvia rádio, o locutor aposentado responde ao seu interlocutor:

Quase não ouço rádio. Confesso que não tenho tido ânimo para isso diante da qualidade duvidosa que o meio tem oferecido. Há poucos dias, no entanto, ouvi “O Globo no Ar” através da emissora carioca. Fiquei surpreso ao perceber que o noticiarista apresentava visível insegurança na leitura. Num espaço de cinco minutos foram sete gaguejadas. E a última notícia era a previsão do tempo (penoso!)”

Mais adiante, ele afirma que:

“Depois que trabalhei por 50 anos consecutivos ao lado dos maiores nomes profissionais do rádio e da TV, confesso-lhe também que o rádio perdeu em muito a razão de sua existência. O jornalístico “O GLOBO NO AR”, teve como apresentadores, GUILHERME de SOUZA, ISAAC ZALTMANN e este entrevistado. Éramos escolhidos pela voz, pela dicção, pela interpretação da notícia, pela credibilidade que passávamos ao ouvinte, pela respiração, pela consciência do que falávamos, pela segurança na leitura, enfim pelo profissionalismo. Hoje, qualquer pessoa que não seja muda, na concepção dos atuais dirigentes de nosso rádio, pode usar o microfone. As notícias eram transmitidas de acordo com a importância de cada uma, sendo a última obviamente, a mais importante do momento”.

José Jorge Andrade Damasceno é doutor em História Social (UFF) e professor da UNEB (campus Alagoinhas) 

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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