‘O mercado de trabalho está mais exigente’

Membro de uma família numerosa, Anastácio Fernandes Filho (foto) trabalha desde o ginásio. Chegou a ser professor, como o pai, e fez parte da equipe do Centro de Pesquisas Tecnológicas de Minas Gerais. Mas foi na então estatal Vale do Rio Doce que consolidou sua carreira, ao chegar ao cargo de presidente. Engenheiro eletricista pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, ele entrou na companhia em 1974, logo depois de completar a pós-graduação em engenharia econômica na Fundação Dom Cabral. Deixou a mineradora em 1998 e hoje, aos 67 anos, preside a tradicional empresa de armazenagem de grãos Kepler Weber. A seguir, trechos da conversa.

Vale
Fiz uma carreira na Vale que me orgulho muito. Comecei na área de engenharia mesmo e fiz uma carreira completa. Saí em 1998, quase 25 anos depois, como presidente da companhia. Enfrentei vários desafios ao ir deixando a engenharia e caminhando mais para a área econômico-financeira e também para a parte administrativa, recursos humanos, planejamento. Foi um período muito fértil de carreira, porque foi uma época de grande crescimento da empresa. Os desafios eram enormes e as oportunidades também. Acho que consegui aproveitar bem, porque fiz uma carreira bem completa, e toda minha formação profissional eu devo a esse período.

No mercado
Saí da Vale e fui para o mercado. O Edson Vaz Musa estava saindo da Rhodia e eu da Vale. Ele me convidou, e eu aceitei, para uma parceria em uma empresa voltada para a reestruturação de companhias e negócios. Era a MGDK & Associados, criada por ele, aqui em São Paulo. Eu fiquei com ele por uns três anos. Foram vários projetos em negócios bem variados, têxtil, metalmecânico, açúcar e álcool, foi também uma experiência muito interessante. E nesse contexto, eu fiquei ainda em São Paulo por mais cinco anos no setor de telecomunicações, também fazendo reestruturação.

Kepler
Daí, então, é que veio o convite para assumir a posição de CEO da Kepler, para coordenar o processo de reestruturação da companhia. Isso foi em 2006. E aqui estou desde então, numa reestruturação que teve sucesso, mas não foi fácil. É um projeto do qual também me orgulho. Hoje, a empresa tem uma posição de liderança consolidada no mercado.

Privatização
Eu comecei a trabalhar muito novo e um dos planos que constavam da lista de mudanças que a Vale faria ao passar a ser uma empresa privada, era um plano de aposentadoria. Como eu já tinha tempo para me aposentar, pensei em não esperar pela mudança que, com certeza, não me seria tão benéfica pelo critério de suplementação da aposentadoria. E também achei que era uma hora boa para testar meus conhecimentos e ver se o mercado me aceitaria. Acho que a decisão foi certa, porque o mercado me aceitou muito bem.

Iniciativa privada
A Vale era uma empresa estatal, mas tinha uma diferença em relação a outras estatais: não tinha nenhum monopólio nem uma situação de trabalhar com recursos. O produto da Vale era abundante no mundo, de baixo valor e, portanto, ela tinha de ter competitividade internacional. E para ser competitiva tinha de ter competência profissional, de gestão, e atuar de uma forma como se fosse privada. A privatização veio no sentido de tornar a Vale ainda mais competitiva num momento em que o mercado exigia consolidação das empresas. Eu coordenei todo o processo de privatização da Vale.

Sem choque
Eu não tive grandes choques culturais na iniciativa privada, ou na questão de poder utilizar conhecimentos adquiridos numa estatal como a Vale frente a uma realidade de mercado em que atuo há 17 anos.

Aprendizado
O planejamento dos grandes projetos foi um aprendizado marcante. Foi o que, na verdade, fez da Vale o que ela é. A assertividade de investimento era um ponto em que a Vale sempre prezou muito, pois envolvia sua estratégia de crescimento. Foi um aprendizado muito forte. Outro ponto importante era oportunidade de fazer carreira.

Trabalho
Um dos fatores que contribuíram muito para hoje ainda estar no mercado, de ter conseguido a carreira profissional que eu consegui, foi ter começado a trabalhar desde cedo, ou seja, toda experiência sempre é válida. Em lembro perfeitamente da época em que fazia o ginasial no interior de Minas. Eu estudava de manhã e trabalhava à tarde numa daquelas lojas de interior que vende de tudo. Ainda tenho boas lembranças de como comprar, como vender e como atender o cliente.

Jovens
Acho que as coisas não mudaram tanto assim. Em primeiro lugar, é preciso ter conhecimento. Agora, o nível de conhecimento exigido hoje é muito maior, mais amplo, informática, línguas, etc. O mundo proporciona esse tipo de recurso e quem não usa, ou não busca, ou não quer usar, vai ter mais dificuldade de encontrar suas oportunidades. Hoje, o mundo é muito mais aberto e com um mercado de trabalho mais seletivo, mais exigente. Para o jovem, é mais ou menos naquela linha: corra atrás, faça mais um curso, conheça mais um país, aprenda mais uma língua.

Desafio
Nosso desafio hoje é o crescimento. A Kepler é uma empresa de 90 anos, não é mais uma empresa familiar, é mais voltada a ser uma corporation, uma empresa de capital pulverizado – temos cinco acionistas que detêm em torno de 60%, 62%, do capital, mas não há controle definido. Nosso negócio hoje é atender a armazenagem e movimentação de granéis, que é voltado à área portuária, mineração, transporte de qualquer tipo de granel.

Potencial
O Brasil é um país com potencial de grande crescimento de safra, que tem crescido de 4% a 5% ao ano. Ela tem um período decisivo para a colheita, e o consumo se dá entre uma safra e outra. Esse grão, então, tem de ser armazenado em algum lugar, ou na origem ou no destino – e é isso que é o nosso negócio. A necessidade de armazenagem é evidente, porque existe hoje um déficit no Brasil da ordem de 25% a 30% das safras que não têm lugar para serem armazenadas – ou seja, falta capacidade de armazenagem.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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