O dólar vai chegar a 5 reais, diz economista-chefe da S&P

Moedas e notas de reais

Os tempos de moeda forte ficaram definitivamente para trás — ao menos é o que se pode concluir dos fatos das últimas semanas. Do fim de dezembro do ano passado ao fechamento desta edição, no dia 5 de outubro, o real acumulava uma desvalorização de 47% em relação ao dólar. Vai parar por aí?

Não, segundo o argentino Joaquin Cottani, economista-chefe para a América Latina da agência de classificação de risco Standard & Poor’s. Ele trabalhou no Ministério das Finanças da Argentina e fez doutorado em economia na Universidade de Yale, dos Estados Unidos.

Nos cálculos de Cottani, o dólar deverá chegar a 5 reais. “Essa é a taxa de câmbio mais adequada aos fundamentos da economia brasileira, marcada por inflação em alta e baixa produtividade”, diz ele na entrevista a seguir.

EXAME – O real ainda está sobrevalorizado?

Joaquin Cottani – A despeito da desvalorização recente, a resposta é sim. Por isso, o real deve continuar a desvalorizar em relação ao dólar. Acredito que a taxa de câmbio vá se estabilizar em torno de 5 reais por dólar. Essa é a cotação mais correta e de acordo com os fundamentos econômicos do Brasil neste momento.

EXAME – O senhor pode explicar como chegou a esse valor?

Joaquin Cottani – Para comparar o valor de duas moedas, é preciso levar em conta diversos aspectos da economia dos dois países. Suas economias estão sujeitas, por exemplo, a taxas de inflação diferentes, e isso precisa ser considerado.

No caso do Brasil, a inflação hoje é mais alta do que no restante do mundo, e a expectativa é que só vá baixar a ponto de convergir para a meta estabelecida pelo Conselho Monetário Nacional, de 4,5%, daqui a dois anos. Então, para espelhar essa realidade, e considerando ainda a baixa produtividade do Brasil em relação à dos Estados Unidos, creio que o real ainda terá de perder 25% do valor, chegando a uma taxa de câmbio de 5 reais por dólar.

EXAME – Que problemas o dólar caro causa à economia brasileira?

Joaquin Cottani – Enquanto a taxa de câmbio não se estabilizar num patamar mais realista, o Brasil não conseguirá cortar os juros, que permanecem altos para compensar o risco dos investidores que põem dinheiro no país.

Isso cria, infelizmente, um círculo vicioso: o Brasil precisa que os juros caiam para a economia se recuperar, mas isso não vai acontecer enquanto o câmbio não estabilizar. E não haverá estabilização até que o ­real desvalorize mais.

EXAME – Mas, num relatório recente, o senhor aponta a alta taxa de juro brasileira como a causa, e não como um efeito da valorização do real.

Joaquin Cottani – É verdade. No período de crescimento econômico acelerado, que foi de 2004 a 2011, o Brasil manteve os juros num patamar elevado. Em países como Peru, Chile, México e Colômbia, a taxa de juro real era composta, basicamente, da taxa de juro americana somada ao custo do CDS, um seguro pago por investidores que querem se proteger de um calote.

No Brasil, não: o juro real ficou muito acima desse patamar. A meu ver, é um indício de que a política monetária de 2004 a 2011 foi excessivamente agressiva. Mesmo num tempo em que era baixo o risco de investir no Brasil, a taxa de juro real era elevada. E isso num contexto em que vários países tinham juros reais negativos.

A economia brasileira foi extremamente atrativa para os investidores estrangeiros, o que provocou a valorização do real. Nesse sentido, sim, os juros altos foram a causa da valorização do real.

EXAME – O Banco Central está atuando para conter a alta do dólar. Isso é errado?

Joaquin Cottani – O Banco Central intervém porque um câmbio muito volátil não é bom para a economia, especialmente para o setor privado, que desse modo tem dificuldades para planejar. Mas impedir que o real desvalorize atrasa o ajuste da economia brasileira. Mais cedo ou mais tarde, as empresas vão ter de arcar com o aumento de custos provocado por um dólar mais caro.

O bem maior a ser perseguido é a normalização da economia. Enquanto isso não acontecer, vai pairar no ar a sensação de que o ajuste econômico não está completo — e a incerteza é prejudicial para o país.

EXAME – Mas a desvalorização do real não pressiona ainda mais a inflação?

Joaquin Cottani – Não necessariamente. Um exemplo: nos últimos 12 meses, o dólar valorizou 26% em relação ao peso mexicano. E a inflação no México está em menos de 3% em termos anuais, o que é baixo. Acontece que o governo mexicano rea­lizou reformas estruturais que quebraram monopólios e abriram a economia do país.

Isso permitiu ­cortes no preço dos serviços de telecomunicações e nas tarifas de energia elétrica. Na economia mexicana não há uma participação exagerada das instituições públicas no mercado de crédito. Atualmente, as expectativas para a inflação são menores no México do que no Brasil.

EXAME – No Brasil, muitos atribuem ao Banco Central a culpa pelo descontrole da inflação. Isso faz sentido?

Joaquin Cottani – O Banco Central não é o único culpado. Parte fundamental do problema brasileiro é o descontrole fiscal do governo. Há um excesso de crédito público a taxas subsidiadas. Nos últimos anos, essas linhas chegaram a responder por quase metade de todo o crédito disponível no Brasil.

Dessa maneira fica difícil controlar a inflação, uma vez que boa parte dos empréstimos no país é concedida por instituições estatais, como o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social e a Caixa Econômica Federal. O aumento da taxa Selic não afeta o custo dos empréstimos dessas linhas de crédito oficiais. Enquanto a presença do Estado na concessão de crédito não diminuir, vai ser difícil controlar a inflação no Brasil.

EXAME – O Brasil tem, historicamente, taxas de juro altas. A razão para isso acontecer hoje é diferente dos motivos do passado?

Joaquin Cottani – Nos anos 80 e 90 fazia sentido manter os juros elevados porque a inflação era sempre muito alta. Além disso, frequentemente havia crises internas e externas a combater. Mas o que justificariam juros altos em 2010 ou 2011? Muitos no Brasil reclamaram quando o presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, cortou os juros em 2012.

Mas, naquele momento, era a coisa certa a fazer. Não foi a queda dos juros naquele período que causou o descontrole dos preços. O crescimento da inflação se deve, na verdade, à expansão de 25% a 30% promovida no crédito. O aumento dos salários sem produtividade também contribuiu para a disparada inflacionária.

Pouco tempo depois de baixar os juros, Tombini teve de elevá-los novamente. O que aconteceu? A inflação não baixou. Ao contrário, saiu de 6,5% para 9,5% ao ano.

EXAME – Juros não são reduzidos por decreto. Como cortá-los da forma correta, de modo a não produzir desequilíbrios?

Joaquin Cottani – O momento é propício para cortar os juros. Explico: como o mercado de trabalho está desaquecido, a inflação nos próximos anos pode iniciar uma queda. Se isso ocorrer, o governo pode aproveitar para diminuir a concessão de crédito público e começar a diminuir gradualmente os juros.

Haveria um efeito positivo na redução da dívida pública, já que boa parte dela é atrelada à Selic e tem vencimento de curto prazo. Imagine que a taxa de juro, hoje em 14,25% ao ano, caísse à metade e o BC parasse de intervir no mercado de dólar. Em pouco tempo, o custo de rolagem da dívida pública, hoje em torno de 8% do PIB, cairia para 4% do PIB.

Haveria superávit primário, em vez de déficit, e a dívida pública deixaria de aumentar. Com o dólar estabilizado e juros menores, os investimentos seriam direcionados para a economia real, como as obras de infraestrutura, em vez de ficarem retidos na compra de títulos da dívida pública. Isso ajudaria o país a voltar a crescer e a se desenvolver.

Maurílio Fontes

Proprietário, jornalista, diretor e responsável pelo Portal Alagoinhas Hoje

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